Receita ignora jurisprudência e tenta tributar crédito presumido de ICMS

Área: Contábil Publicado em 10/11/2025

Ao publicar as Soluções de Consulta Cosit 216 e 4061, a Receita Federal tenta forçar a inclusão do crédito presumido de ICMS na base de cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Isso ocorre a despeito da jurisprudência favorável ao contribuinte e do entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que benefícios fiscais de ICMS — inclusive créditos presumidos — não constituem renda ou acréscimo patrimonial e, portanto, não poderiam ser tributados pelo IRPJ e pela CSLL. 

Advogados criticam posicionamento da Receita na tentativa de incluir créditos presumidos de ICMS na base de cálculo do IRPJ e da CSLL

Essa é a opinião de tributaristas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico. A controvérsia se deu com a publicação da Solução de Consulta Cosit 216, no último mês de outubro. Na diretiva, o Fisco defende que a partir de 1º de janeiro de 2024, as subvenções para investimento e seus efeitos tributários estão regidos pela Lei nº 14.789, de 2023.

“Para os fatos geradores ocorridos após 1º de janeiro de 2024, em razão da entrada em vigor da Lei nº 14.789, de 2023, e ante a ausência de previsão legal, não há mais hipótese na norma que autorize a exclusão da base de cálculo do IRPJ das receitas decorrentes de subvenções governamentais, independentemente de serem classificadas como subvenções de custeio ou investimento, inclusive as decorrentes de incentivo fiscal de ICMS outorgado na modalidade de crédito presumido, seja qual for o regime de apuração — lucro real, presumido ou arbitrado”, diz trecho do documento.   

O crédito presumido de ICMS é um benefício fiscal concedido pelos estados e pelo Distrito Federal que permite que empresas reduzam a carga tributária nas operações de circulação de mercadorias e serviços. O mecanismo funciona como uma presunção de crédito que é calculada com base nas operações comerciais do contribuinte. 

Como cada estado tem sua própria política de ICMS não existe uma base nacional de dados com o número de empresas que gozam deste tipo de benefício e nem os valores absolutos de crédito presumido. 

Contudo, dados obtidos via Lei de Acesso a Informação divulgados pelo jornal Valor Econômico dão conta de que as empresas têm R$ 9 bilhões de créditos acumulados de ICMS com o Estado de São Paulo em 2025, quase o triplo do montante de 2022, que era de R$ 2,9 bilhões.

Para o tributarista e especialista em Direito Aduaneiro, Augusto Fauvel, a posição da receita é ilegal. “O entendimento sedimentado pelo STJ e pelo TRF-3 no sentido de que o crédito presumido de ICMS não integra a base de cálculo do IRPJ e da CSLL deve prevalecer. Haja vista que lei posterior não tem o condão de alterar a própria natureza jurídica do instituto, no caso, incentivo fiscal do crédito presumido do ICMS. O mesmo vale para PIS e Cofins”, afirma.

Aposta no contencioso

Outro crítico da posição da Receita é o advogado Breno Dias de Paula. Na avaliação dele, ao insistir na tributação, o órgão ignora a autoridade das decisões judiciais e afronta o princípio da separação dos Poderes.

“Ao invés de promover estabilidade e previsibilidade, a Receita Federal insiste em adotar interpretações que ampliam o contencioso tributário e criam incertezas para empresas que apenas aplicam incentivos fiscais concedidos pelos próprios Estados. Trata-se de um retrocesso institucional e econômico”, lamenta, 

José Luis Ribeiro Brazuna, advogado tributarista sócio do Bratax e professor de Direito Tributário, por sua vez, entende que a posição da Receita está dentro do esperado.

“Com base na Lei 14.789/2023, as subvenções para investimento não mais são excluídas da incidência do IRPJ e da CSLL, passando a gerar apenas um crédito fiscal para compensação ou ressarcimento, mediante o atendimento de determinadas condições”, avalia Brazuna.

Ele prevê, contudo, que a controvérsia deve movimentar o Judiciário especialmente se considerarmos os riscos de uma virada de jurisprudência no STF, com eventual modulação para proteger aqueles que não tributaram créditos de ICMS no passado.

“Faz tempo que ficar parado e aguardar a jurisprudência se consolidar transformou-se de postura conservadora em estratégia mais arriscada de lidar com os riscos tributários no Brasil”, avalia.

Opinião parecida tem Frederico Pereira Rodrigues da Cunha, sócio do Gaia Silva Gaede Advogados. Ele acredita que as novas Soluções de Consulta reforçam que a Receita não está se curvando a esse entendimento favorável, o que traz um incentivo para corrida ao Judiciário, que vem repetidamente reconhecendo tal direito aos contribuintes.

Pacto federativo
Vagner Rumachella, advogado do Juri Consultoria,  explica que sob o ponto de vista infraconstitucional a Lei 14.789/2023 poderia efetivamente impedir a redução do IRPJ e da CSLL por meio da exclusão dos créditos presumidos de ICMS.

“Ocorre que essa matéria foi objeto de julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça, que entendeu que o benefício fiscal concedido pelos Estados não pode ser tributado pela União Federal sob pena de restar mitigado o valor do benefício concedido, resultando em indevida interferência de um ente federativo em questões administrativas de outro”, explicou.

Rumachella sustenta que se o entendimento do STJ está fundado em matéria de índole constitucional, nenhuma norma infraconstitucional pode dispor de maneira diversa, razão pela qual a alteração legislativa trazida pela Lei nº 14.789/2023 não se reveste de legitimidade na medida em que continua a contrariar a decisão do STJ, em ofensa ao Pacto Federativo.

“A persistência da Fazenda Nacional em manter tal indevida tributação, refletida no posicionamento de seus órgãos, no caso a Coordenação-Geral de Tributação da Receita Federal, gera insegurança jurídica e certamente irá manter a discussão judicial sobre o tema ao obrigar os contribuintes a socorrerem-se do Poder Judiciário buscando a defesa de seu direito”. 

Apesar de entender que as recentes soluções de consulta da Receita não revogam o entendimento o STJ, mas apenas reposicionam a interpretação administrativa à luz da Lei 14.789/2023, o advogado Alessandro Borges, sócio da área tributária do escritório Benício Advogados, reconhece que no que diz respeito a crédito presumido de ICMS, a jurisprudência está a favor do contribuinte. 

“Para o crédito presumido mantém-se o argumento constitucional de ofensa ao pacto federativo, na medida em que a União estaria a onerar incentivo fiscal concedido pelos estados. As decisões a ele relativas nos TRFs têm sido até o momento majoritariamente favoráveis aos contribuintes”.

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Fonte: Conjur