O erro grave de tributar dividendos remetidos ao exterior previsto no PL 1.087/25

Área: Contábil Publicado em 08/10/2025

A retenção sobre dividendos no exterior pode violar isonomia, reduzir competitividade e afastar investimentos essenciais ao crescimento do Brasil.

A proposta de instituir retenção de 10% sobre dividendos remetidos ao exterior, prevista no PL 1.087 de 2025, é tratada pelo governo como instrumento expedito de arrecadação. Em rigor, porém, trata-se de expediente equivocado e perigosamente miope quando adotado isoladamente para fechar déficit orçamentário.

Uma medida deste tipo não é mera opção técnica de arrecadação. Ela altera profundamente sinais de política fiscal que os investidores internacionais usam para decidir onde alocar capital. Quando tal alteração é implementada sem concomitante ajuste da carga tributária corporativa, o que ainda nem se cogita fazer no Brasil, o resultado prático é uma sobrecarga tributária sobre o retorno final do investidor estrangeiro que não encontra paralelo em relação ao investidor doméstico.

Do ponto de vista constitucional o princípio da isonomia tributária impede tratamento desigual entre contribuintes em situações equivalentes. A Constituição veda que o Poder Público instituía tratamento diferenciado entre estrangeiros e brasileiros sem justificativa objetiva e razoável. A retenção especificamente dirigida a remessas para o exterior distingue o contribuinte não residente do residente em termos de tributo sobre o mesmo rendimento econômico. A justificativa de caráter emergencial e provisório não afasta a exigência constitucional de motivos idôneos e proporcionalidade na imposição de ônus tributário diferenciado. Quem defende medidas deste gênero por via legislativa deveria indicar claramente o fundamento constitucional que autoriza a discriminação e motivar por que não existem alternativas menos gravosas para equilibrar as contas públicas.

No plano do Direito Tributário internacional a medida confronta princípios consagrados nos padrões negociados entre Estados. O modelo de convenção da OCDE contém dispositivos que visam prevenir a discriminação por nacionalidade e por situação comparável de contribuinte. Os instrumentos técnicos internacionalmente aceitos para evitar a dupla tributação são dois. 

O primeiro é o método do crédito que permite ao Estado de residência do beneficiário abater o tributo pago na fonte. O segundo é o método da isenção que desonera a renda no país de residência quando já tributada no Estado fonte. Quando um Estado impõe retenção na fonte sem prever mecanismos coerentes de eliminação da dupla tributação, cria uma carga efetiva adicional sobre o investidor estrangeiro que se traduz em perda de competitividade relativa do ativo brasileiro. A solução proposta pelo PL 1.087/25 conflita com as melhores práticas e com o desenho de regras que harmonizam tributação corporativa e tributação do investidor final.

A arquitetura tributária doméstica agrava o problema. O Brasil já opera com uma carga tributária corporativa combinada que, em termos nominais e práticos, é muito elevada (34%) quando comparada à média de outras jurisdições do mundo, que adotam uma carga fiscal corporativa da ordem de 21% na média. Acrescentar retenção de 10 por cento sobre dividendos sem reduzir a tributação corporativa efetiva significa empilhar tributos sobre a mesma base econômica. 

O efeito é imediato sobre a taxa de retorno líquida e, por consequência, sobre a atratividade do investimento estrangeiro direto e de portfólio. Uma política fiscal responsável que pretenda manter ou atrair investimentos estrangeiros harmoniza alíquota corporativa competitiva com mecanismos de neutralização da dupla tributação em favor do investidor final, seja por crédito, seja por isenção, seja por sistemas de imputation, em que o imposto pago pela empresa é transferido como crédito ao acionista no próprio Estado fonte ou no Estado de residência, mediante regras específicas. A adoção de retenção unilateral sem essa integração produz distorções que penalizam a economia real.

A rede de acordos bilaterais de tributação do Brasil é mais reduzida do que a observada em pares regionais e em vários emergentes que competem pela mesma fatia de capital. Dados recentes indicam que o Brasil tem em vigor cerca de 36 acordos para evitar dupla tributação, número inferior ao de jurisdições como o México que mantém mais de 60 tratados. 

A ausência de convenção com determinadas jurisdições, notadamente com os Estados Unidos, limita a disponibilidade de mecanismos formais de acordo mútuo e de proteção contra medidas que possam ser interpretadas como discriminatórias. Esse hiato na malha de tratados aumenta a probabilidade de reações políticas e jurídicas por parte de investidores cuja residência não está coberta por instrumentos bilaterais. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos permanecem entre os principais provedores de capital para o Brasil, o que torna arriscada qualquer iniciativa que imponha custos adicionais perceptíveis aos investidores norte-americanos.

Os efeitos extrafiscais sobre o mercado de capitais também exigem atenção. Dividendos distribuídos por sociedades listadas entram na precificação de ativos. Uma retenção na fonte anunciada e implementada tende a reduzir o rendimento líquido esperado pelos acionistas não residentes, o que se traduz em desconto no preço das ações ou em menor interesse de investidores de carteira. 

Menor liquidez, custo de capital mais alto e maior volatilidade são efeitos previsíveis e já documentados por literatura empírica. Em momento em que o Brasil precisa de fluxo de capitais para financiar investimento e recuperar dinamismo, penalizar o retorno de portfólio é criar um obstáculo desnecessário na estratégia de desenvolvimento.

Medidas desta natureza, quando acompanhadas da insegurança normativa decorrente de alterações tributárias seletivas induz custo permanente ao país, porque o investidor desconta risco político na avaliação de projetos. Em outras palavras, a aparente arrecadação imediata pode se transformar em perda prolongada de investimento, em retração do mercado de capitais e em aumento do custo do crédito para empresas nacionais.

Concluo lembrando que política tributária jamais é neutra e produz externalidades positivas ou negativas, denominadas de efeitos extrafiscais. Comunica prioridades, convida ou afasta capitais e configura o ambiente institucional.

A imposição de retenção sobre dividendos remetidos ao exterior como remédio emergencial para um déficit doméstico revela escolha política que sacrifica isonomia, previsibilidade e competitividade. Um país que pretende crescer e modernizar sua base produtiva não pode hipotecar seu futuro sobre a retirada de incentivos essenciais à entrada de capital. A alternativa sensata passa por integração fiscal, redução de distorções, sobretudo da elevada carga fiscal sobre empresas brasileiras e negociação internacional que preservem o equilíbrio entre soberania arrecadatória e atração de investimento.

 

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Fonte: Migalhas.com