Tributação de doações e heranças: STF e repercussão Geral
Área: Contábil Publicado em 05/06/2025O STF reconheceu, em recente decisão, a repercussão geral da matéria tratada no RE 1.522.312 (Tema 1.391), que versa sobre a incidência do IRPF - Imposto de Renda da Pessoa Física sobre o ganho de capital auferido por doadores em transferências gratuitas de bens e direitos a herdeiros, especialmente no contexto de doações realizadas antes da sucessão formal. A controvérsia tem relevantes desdobramentos jurídicos, econômicos e sociais, afetando diretamente o planejamento patrimonial e sucessório de contribuintes em todo o país, bem como impactos processuais relevantes.
Objeto do recurso e a repercussão geral reconhecida
O cerne do RE 1.522.312 consiste em definir se há incidência do IRPF sobre o ganho de capital apurado por pessoas físicas na alienação gratuita (doação) de bens e direitos a herdeiros. Trata-se de tema que envolve a análise da competência tributária da União para instituir o IR (art. 153, III, da CF/88) em contraste com a competência dos Estados para cobrar o ITCMD - Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (art. 155, I, da CF/88).
A decisão do STF em reconhecer a repercussão geral revela a importância do tema sob a ótica da segurança jurídica, da uniformidade na jurisprudência nacional e do impacto financeiro potencial da tese em análise.
Argumentos em discussão
A PGFN - Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional sustenta que a incidência do IRPF, na hipótese, recai sobre o ganho de capital - entendido como a diferença entre o valor de mercado do bem e o seu custo de aquisição - e não sobre o ato de doação em si. Segundo esse entendimento, a doação permanece submetida ao ITCMD, enquanto o ganho de capital seria um acréscimo patrimonial tributável, nos moldes do art. 43, II, do CTN e da lei 7.713/1988.
Os argumentos contrários à incidência do IRPF sustentam que a operação de doação não gera acréscimo patrimonial para o doador, mas, ao contrário, representa uma diminuição de seu patrimônio. Assim, a tributação pelo IRPF configuraria ofensa ao princípio da capacidade contributiva (art. 145, §1º, da CF/1988) e à vedação de bitributação, haja vista que o ITCMD já incide sobre a mesma base de transferência. Ademais, a incidência do IRPF em conjunto com o ITCMD poderia violar a competência privativa dos Estados.
Implicações jurídicas e práticas - Suspensão de processos judiciais
Nos termos do art. 1.035, §§ 5º e 6º, do CPC, o reconhecimento da repercussão geral em sede de recurso extraordinário, pelo STF, acarreta a suspensão do trâmite dos processos que versem sobre a mesma controvérsia constitucional em todas as instâncias do Poder Judiciário.
Por outro lado, uma vez reconhecida a repercussão geral, caberá ao STF julgar o recurso extraordinário no prazo máximo de um ano, conferindo-lhe preferência em relação aos demais feitos.
Ocorre que, até o presente momento, não foi disponibilizado o inteiro teor da decisão proferida no plenário virtual do STF, tendo sido publicado apenas o seguinte excerto: "Decisão: O Tribunal, por maioria, reputou constitucional a questão, vencido o ministro Edson Fachin. O Tribunal, por maioria, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, vencido o Ministro Edson Fachin."
Diante disso, impõe-se, por ora, a cautela de aguardar a publicação integral da decisão, a fim de que se possa aferir, com precisão, a existência de eventual determinação de suspensão dos feitos em curso, bem como o alcance da tese constitucional que venha a ser fixada.
Segurança jurídica e previsibilidade
Com a conclusão do julgamento do recurso extraordinário, haverá a fixação de tese jurídica vinculante pelo STF, nos termos do art. 1.038, § 3º, do CPC, cuja observância é obrigatória pelos demais órgãos do Poder Judiciário, conforme disposto nos arts. 926 e 927 do mesmo diploma legal.
Dessa forma, a aplicação da tese fixada não constituirá mera faculdade, mas uma imposição legal, de observância cogente por todos os juízos e tribunais.
Como consequência prática, os processos atualmente em curso que versem sobre a mesma controvérsia tenderão a ter desfecho uniforme, promovendo-se segurança jurídica e previsibilidade.
Além disso, a consolidação do entendimento pela Suprema Corte tem o condão de inibir o ajuizamento de novas demandas sobre a matéria, salvo eventual descumprimento pela Administração Tributária, o que, contudo, não se vislumbra como provável.
Impactos financeiros e arrecadatórios
A decisão do STF poderá afetar significativamente a arrecadação do IRPF. Caso seja reconhecida a inconstitucionalidade da tributação, a União poderá sofrer perdas de receita expressivas. Por outro lado, a eventual confirmação da incidência do IRPF sobre o ganho de capital em doações exigirá maior cautela dos contribuintes no planejamento de suas operações.
Reflexos judiciais
Na hipótese de julgamento de mérito pelo STF, em sede de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, a decisão proferida possuirá eficácia vinculante em relação a todos os órgãos do Poder Judiciário.
Uma vez consolidado o entendimento pela Suprema Corte, os efeitos da tese firmada irradiar-se-ão de forma imediata sobre os processos em curso, tanto na fase de conhecimento quanto na recursal, impondo-se aos magistrados a observância obrigatória da orientação estabelecida.
Nas ações ainda pendentes de julgamento em primeira instância, além de ensejarem eventuais pedidos de tutela de evidência, será possível requerer o julgamento liminar de improcedência do pedido, nos termos do art. 332 do CPC, tendo em vista o caráter vinculante da tese já firmada.
Nos feitos em fase recursal, poderá ser arguida a superveniência de fato novo, nos moldes do art. 493 do CPC, a fim de se promover a adequação do julgamento à nova diretriz jurisprudencial. Ainda nesse contexto, será aplicável a dispensa da remessa necessária, conforme previsto no §4º do art. 496 do mesmo diploma legal.
Em relação aos recursos ainda em trâmite nos tribunais superiores, impõe-se a observância da tese fixada, sob pena de não conhecimento ou improvimento, sendo cabível, inclusive, a oposição de embargos de declaração para suprir eventual omissão quanto ao precedente obrigatório.
Por fim, quanto às ações já transitadas em julgado, não atingidas pelos efeitos da preclusão ou da decadência, poderá ser examinada, à luz das particularidades do caso concreto, a viabilidade de propositura de ação rescisória, com fundamento no art. 966, inciso II, §5º, do CPC.
Reflexos no planejamento sucessório e patrimonial
Planejamentos sucessórios e patrimoniais que envolvem a antecipação de bens e direitos via doação poderão ser reestruturados, a depender da decisão final do STF. A eventual tributação do ganho de capital poderá desencorajar esse tipo de operação ou demandar ajustes contábeis e estratégicos relevantes para mitigar a carga tributária global.
Considerações finais e recomendações
Diante da relevância da matéria, recomenda-se que contribuintes e famílias que estejam em vias de realizar planejamentos sucessórios ou doações consultem seus advogados de confiança. A análise individualizada das operações é essencial para garantir a legalidade, eficiência fiscal e segurança jurídica das estratégias adotadas.
É prudente, ainda, acompanhar de perto o desdobramento do julgamento do RE 1.522.312, pois a decisão do STF, em sede de repercussão geral, vinculará os demais tribunais e poderá alterar substancialmente o atual entendimento sobre o tema.
link: https://www.migalhas.com.br/depeso/431778/tributacao-de-doacoes-e-herancas-stf-e-repercussao-geral
BEATRIZ MARTINS DEGROSSI e Bruno Cezar de Souza Teixeira
Fonte: Migalhas.com