A MP nº 1.303/2025 e o improviso fiscal como método

Área: Contábil Publicado em 17/06/2025

Em matéria tributária, o contribuinte brasileiro tem experimentado uma realidade curiosa, para dizer o mínimo: o aumento da complexidade fiscal não é mais fruto de um sistema disfuncional, mas consequência direta de escolhas governamentais que fazem do improviso uma ferramenta recorrente de gestão.

A Medida Provisória nº 1.303/2025, publicada na noite da última quarta-feira (11/6), exemplifica com precisão essa tendência. Sob o discurso de modernização e justiça fiscal, a norma amplia a base de incidência do Imposto de Renda sobre aplicações financeiras e ativos virtuais, redefine a lógica de compensações tributárias e introduz alíquotas padronizadas para fundos, operações estruturadas e criptoativos. A MP é acompanhada pelo Decreto nº 12.499/2025, que reestrutura profundamente o regime do IOF sobre operações de crédito e câmbio.

Mas, ao invés de consistência normativa e racionalidade tributária, o que se verifica é um modelo de tributação volátil, inconstante e arbitrário — com efeitos práticos que colidem com os próprios objetivos da reforma tributária aprovada no ano anterior (EC 132/2023).

Discurso da fraude como pretexto para restrição de direitos

Um dos eixos centrais da MP 1.303/2025 é o endurecimento nas regras de compensação de perdas em aplicações financeiras. A norma impõe limites rígidos, vedações temporais e exclusões de base — ainda que tais perdas sejam legítimas e documentadas. Argumenta-se que a medida visa coibir fraudes, mas o remédio imposto atinge indiscriminadamente os contribuintes de boa-fé, violando princípios constitucionais como o da vedação ao confisco (CF, artigo 150, IV) e da legalidade estrita (artigo 150, I).

Além disso, fragiliza-se o direito à repetição do indébito (artigo 165 do CTN), transformando a apuração de prejuízos em um campo de batalha probatória e burocrática.

IOF: a gangorra tributária institucionalizada

Nos últimos dois anos, o IOF tem sido protagonista de um espetáculo fiscal preocupante. Em 2023, sua extinção foi suspensa por decreto. Em 2024, discutiu-se — sem sucesso — sua elevação para operações com criptoativos. Ainda em 2025, o IOF voltou ao centro da pauta, com mudanças sucessivas nas regras de incidência sobre cartões pré-pagos, remessas para o exterior, operações com fintechs e seguros.

Agora, com o Decreto 12.499/2025, o tributo ganha novas alíquotas de 3,5% para praticamente todas as operações cambiais de pessoas físicas e jurídicas, além de instituir um IOF de 5% sobre aportes superiores a R$ 600 mil em seguros de vida com cobertura por sobrevivência.

Não há planejamento fiscal que resista a esse vaivém normativo com motivações arrecadatórias episódicas. O IOF, concebido como instrumento extrafiscal, foi reduzido à função de caixa suplementar do Tesouro, à margem do planejamento orçamentário e da transparência legislativa.

Fintechs e apostas digitais: o tributo antes da regulação

No que tange às fintechs, plataformas de apostas e criptoativos, o governo impôs novas obrigações fiscais sem que os marcos regulatórios setoriais estejam plenamente estabelecidos. O risco aqui não é apenas jurídico — é econômico —, já que a antecipação da tributação à regulamentação cria um ambiente hostil à inovação, reduz o apetite por investimentos e encarece o custo de conformidade.

A lógica adotada lembra a frase atribuída ao ex-presidente Ronald Reagan: “Se funciona, regule. Se ainda funcionar, tribute. Se parar de funcionar, subsidie.” No Brasil, o ciclo parece truncado — tributa-se antes mesmo de funcionar.

Entre a reforma prometida e a contrarreforma silenciosa

A EC 132/2023 prometeu um novo horizonte tributário: simplificação, neutralidade e redução da litigiosidade. Mas, paralelamente, o Executivo insiste em editar medidas provisórias que tornam mais complexa a legislação infraconstitucional e tensionam a relação fisco-contribuinte.

Desde 2023, já foram editadas MPs com efeitos profundos e controversos:

• MP 1.159/2023, sobre exclusão de ICMS da base de créditos de PIS/Cofins;
• MP 1.181/2023, que alterou regras de distribuição de JCP;
• MP 1.303/2025, que atinge fundos de investimento, câmbio, fintechs, criptoativos e seguros, com vigência para 2026.

Todas carregam a mesma marca: urgência artificial e ausência de diálogo institucional.

Conclusão: improviso não é política fiscal

A política tributária não pode ser pautada por reação. Medidas Provisórias não são substitutas do planejamento fiscal. O sistema tributário brasileiro não suporta mais ensaios de laboratório em escala nacional. A previsibilidade é um ativo institucional — e a sua erosão custa caro à economia e à democracia.

Isso, porque a essência dos governos totalitários não é o terror, mas o desprezo pela legalidade. Ainda que estejamos longe desse cenário extremo, é dever da comunidade jurídica zelar para que o Direito Tributário não se transforme em terreno de exceção. A segurança jurídica — e o contribuinte — agradecem.

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Fonte: Conjur