Reforma tributária inviabiliza a atividade dos autônomos
Área: Contábil Publicado em 30/05/2025A reforma tributária está praticamente pronta com a promulgação da Lei Complementar nº 214/2025. Todavia, da maneira como ela foi feita deverá passar por diversos ajustes para evitar situações extremas e confiscatórias, como é o caso da tributação dos trabalhadores autônomos.
No modelo de tributação previsto pela LC nº 214/2025, os trabalhadores autônomos não foram objeto de concessão de praticamente nenhum benefício substancial, com a exceção dos transportadores de carga autônomos (caminhoneiros), conforme previsto pelo artigo 26, VII da referida lei, que não serão contribuintes dos novos tributos e ainda por cima emitirão nota fiscal que gera direito a crédito para o tomador do serviço. Também houve exceção para os nanoempreendedores, que seriam pessoas com receita bruta de até 50% do limite para adesão ao regime do microempreendedor individual (MEI).
Em suma, os autônomos em geral foram esquecidos pela reforma tributária, o que certamente é uma falha técnica dos trabalhos feitos pelos congressistas. Simplesmente inviabilizaram a atividade do trabalhador autônomo graças à confiscatória tributação desse setor da economia.
Uma conta simples pode esclarecer como a tributação é visivelmente confiscatória para os autônomos. Tais profissionais pagam o Imposto de Renda de acordo com a tabela das pessoas físicas, ou seja, o Imposto de Renda é de até 27,5%. Isso foi mantido pela reforma tributária.
Já a contribuição previdenciária do autônomo é de 11% quando estes prestam serviços para pessoa jurídica, observado o teto do INSS, e de 20% quando prestam serviços para pessoa física, também observado o teto do INSS, havendo a possibilidade de se optar pela alíquota de 11% sobre o salário mínimo caso se preste serviços somente para pessoa física e se abandone alguns benefícios previdenciários. Essa tributação também foi mantida pela reforma tributária.
Quanto ao ISS, os autônomos pagam o ISS fixo, que possui valor praticamente irrelevante, sendo que muitos municípios possuem legislação que isenta o autônomo de tal pagamento – por mais que tais isenções sejam inconstitucionais, elas são efetivamente observadas pelas municipalidades. Após a reforma tributária, os autônomos serão contribuintes do Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS), cuja alíquota logo debateremos.
Já quanto ao PIS e Cofins, os autônomos no momento não são contribuintes de tais contribuições sociais. Já após a reforma tributária eles passarão a pagar a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).
A alíquota estimada para o IBS e a CBS somados é de 28%. Tais tributos serão não cumulativos, o que implica no direito de uso de créditos para abater dessa alíquota de 28%, todavia profissionais autônomos costumam ter poucos créditos ou nenhum para fazer essa compensação.
Carga insustentável
Alguns profissionais autônomos foram beneficiados com um desconto na alíquota do IBS e da CBS. Os advogados, por exemplo, receberam um desconto de 30%, enquanto médicos e dentistas ganharam o desconto de 60%. Isso significa que advogados pagarão a alíquota de 19,6% sem praticamente nenhum crédito para utilizarem, sendo esta praticamente a alíquota efetiva a ser aplicada. Já os médicos pagarão a alíquota de 11,2%, também sendo esta praticamente a alíquota efetiva.
Em suma, tem-se que os tributos devidos pelos trabalhadores autônomos são o Imposto de Renda (até 27,5% sobre a renda), a contribuição previdenciária (11% a 20% sobre o salário contribuição, a princípio), IBS/CBS (28%, havendo possibilidade de descontos a depender da atividade). Uma conta de padaria já demonstra que tais percentuais são abusivos e que a tributação é insustentável para o autônomo.
Vejamos quanto um advogado pagaria a título de tributação efetiva caso receba honorários no valor de R$ 11.960 como contraprestação de serviço prestado a pessoa jurídica usando as informações que temos hoje, partindo do princípio de que tal advogado praticamente não possui despesas não-tributárias (será abatido além do INSS o IBS/CBS da base de cálculo do IRPF, possibilidade existente graças ao livro-caixa do autônomo, apesar do reflexo disso não ser verificado no mês, mas sim ao se declarar o imposto no ano seguinte).
Honorários: R$ 11.960,00
INSS: – R$ 897,31
IBS/CBS: -R$ 1.960,00
IRPF: – R$ 1.451,91
Honorários líquidos: R$ 7.650,78 (carga tributária efetiva de 36,03%)
Vejamos agora quanto o mesmo advogado pagaria a título de tributação efetiva caso receba honorários de R$ 35.880, mantidas as mesmas condições.
Honorários: R$ 35.880,00
INSS: – R$ 897,31
IBS/CBS: – R$ 5.880,00
IRPF: -R$ 6.951,91
Honorários líquidos: R$ 22.150,78 (carga tributária efetiva de 38,26%)
Já agora faremos o cálculo usando como base honorários de R$ 119.600,00 mantidas as mesmas condições.
Honorários: R$ 119.600,00
INSS: – R$897,31
IBS/CBS: – R$ 19.600,00
IRPF: -R$ 26.201,91
Honorários líquidos: R$ 72.900,78 (carga tributária efetiva de 39,04%)
Isso sem levar em consideração que a maioria dos profissionais passará a ter que contratar um contador para fazer sua apuração de créditos e débitos de IBS/CBS e o livro-caixa, onerando a atividade, além de pagar a anuidade ao conselho profissional, que para muitos também tem natureza tributária. Não podemos nos esquecer também que muitos contratam empregados e pagam os tributos sobre a folha de pagamentos, que devem ser somados à carga tributária efetiva acima estimada. A complexidade da tributação aumentará significativamente.
Ou seja, é inviável para os trabalhadores autônomos pagarem cerca de 40% (ou mais) de carga tributária efetiva. Todos migrarão para o Simples Nacional, sob pena de sua atividade ser inviabilizada. E isso que sequer debatemos aqui a carga tributária efetiva sobre autônomos que pagarão os 28% de IBS/CBS. Tampouco mencionamos o cálculo daqueles que prestam serviços para pessoa física, cuja contribuição previdenciária é maior. Os motoristas de aplicativos e taxistas, por exemplo, serão altamente tributados e ainda terão que contratar um contador para fazer sua apuração de tributos.
Nada obstante, será muito mais fácil para fraudadores emitirem notas frias com o intuito de gerar créditos para empresas se aproveitarem dessa vantagem, hoje em dia isso não existe pelo fato do ISS ser cumulativo e também pelo fato de na maioria dos municípios os autônomos estarem vedados de emitirem notas fiscais.
Não se pode comparar a atividade de um autônomo com a de uma pessoa jurídica. Primeiramente pelo fato da estrutura do autônomo ser muito mais simples, mas também pelo fato do autônomo ter responsabilidade civil ilimitada, ao passo que pessoas jurídicas normalmente possuem responsabilidade limitada. O risco financeiro do autônomo é maior, sendo que após a reforma tributária além de ser uma atividade mais arriscada passará a ter carga tributária confiscatória, inviável, muitas vezes maior do que a das pessoas jurídicas optantes pelo Simples Nacional.
O que se conclui é que os autônomos foram esquecidos pelo Congresso, o que levará a protestos dos milhões de contribuintes da classe e certamente a legislação terá que ser ajustada. O ideal é dar o tratamento de não contribuinte aos autônomos e, se possível, determinar que suas notas fiscais gerem crédito ao tomador do serviço, assim como fizeram com os caminhoneiros.
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Fonte: Conjur