Reforma tributária 26: A falácia da neutralidade tributária

Área: Contábil Publicado em 13/06/2025

1. Princípio da neutralidade

O princípio da neutralidade tributária foi incluído na reforma tributária como um apanágio, uma justificativa para decisões que, na prática, não são nem um pouco neutras. A redação conferida ao novo art. 156-A, § 1º o imposto previsto no caput será informado pelo princípio da neutralidade....

Segundo seus defensores, o Estado, ao exercer sua função arrecadatória, não deveria criar mecanismos legais para favorecer uma ou outra região, ou um ou outro produto, mas deixar que a natureza das coisas e o soprar da economia decidam o que, quem e onde produzir.

Os investidores, segundo essa lógica, deveriam alocar seus recursos conforme sua conveniência e a vocação local. No entanto, essa é uma falácia repetida à exaustão pelos defensores da reforma, que ignoram a história econômica do Brasil e do mundo. Gostaria que algum deles me explicasse como o Japão, devastado após a Segunda Guerra Mundial, um país minúsculo e suscetível a eventos climáticos extremos, rígido em costumes e dependentes da pesca além mar como fonte de alimentos, tornou-se um exemplo de tecnologia e civilização. E vou além: que explicação dariam para o desenvolvimento dos tigres asiáticos? Nem mesmo Marx previu que uma Rússia ainda agrária e uma China continental, agrária e subdesenvolvida se tornariam potências tecnológicas. Para o velho marxismo, seria a Inglaterra industrial a primeira nação socialista.

2. Contra o princípio da neutralidade

Não existe neutralidade tributária. A não ser que se façam perguntas simplistas, como propor a construção de um resort no sul do Brasil com a promessa de um "mar quentinho" para os brasileiros que só conhecem as águas geladas da região. Eu mesma levei um susto ao entrar no mar em Angra dos Reis!

A argumentação de que os benefícios fiscais não devem ser concedidos porque prejudicam os estados do nordeste é frágil. Quem a sustenta, certamente, não leu Formação Econômica do Brasil, de Celso Furtado. Muito menos Jonh Maynard Keynes. Os desafios para o desenvolvimento regional vão muito além da concessão de benefícios fiscais: envolvem, sobretudo, investimentos em infraestrutura e educação. Por isso que os autores desenvolvimentistas também exigem a atuação estatal como agente de mundanças econômicas e de infraestrutura.

Infelizmente, tive o desprazer de testemunhar o fechamento da antiga COPERBO, hoje Alanxeo, no Cabo de Santo Agostinho, após décadas de operação. As empresas que investiram no Porto Digital precisarão repensar suas estratégias. A "Ilha do Recife" não teria se tornado um centro tecnológico do nordeste sem mecanismos públicos indutores. O ISS reduzido para 2% nas cerca de cinco mil empresas ali instaladas foi e ainda é essencial para o desenvolvimento de startups e projetos de TICs, com o suporte do Poder Público.

3. Degradação de projetos econômicos locais

A degradação de projetos locais viabilizados por incentivos fiscais e a tão propagada pseudo-neutralidade fiscal demonstram uma apreciação superficial dos desafios nacionais. Os Estados e municípios do nordeste ficaram praticamente de mãos atadas, privados de sua principal ferramenta para atrair investimentos. O exemplo mais claro de contradição à "neutralidade" é a Zona Franca de Manaus: se fosse respeitada apenas a vocação regional, os estados da Amazônia Legal estariam limitados à venda de açaí e castanha-do-pará.

Outro ponto crucial é a cobrança do IBS no destino, e não mais na origem. Municípios que sacrificaram áreas e investiram durante décadas para receber empresas agora verão o esvaziamento desses empreendimentos e desempregados seus trabalhadores. A pseudo-neutralidade, nesse caso, é uma ode à passividade.

Além disso, haverá um suposto "equilíbrio" buscado pela reforma, que esconde outras questões fundamentais - como a dependência política. Os Estados fora do eixo sul-sudeste dependerão cada vez mais das diretrizes do governo Federal para alavancar investimentos locais. A política econômica local precisará estar em consonância com a nacional; caso contrário, os recursos não serão acessíveis. O FNDR - Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional será o único caminho para viabilizar projetos estruturantes.

4. E o pacto federativo

Alguns autores consideram que o Comitê Gestor do IBS e os novos tributos instituídos pela LC 214/25 atentam contra o pacto federativo. No entanto, considero que o golpe mais certeiro contra o federalismo brasileiro foi a retirada da autonomia dos Estados e municípios de utilizar políticas fiscais para atrair empresas e investimentos. O fim das políticas fiscais locais é a verdadeira corrosão do pacto federativo.

Outro ponto de atenção é a destinação dos 25% da parcela estadual do IBS aos municípios: 80% devem ir para os municípios mais populosos. O mesmo critério será aplicado para a composição do Comitê Gestor, com 13 representantes escolhidos entre os municípios mais populosos. Essa concentração de recursos e de poder decisório pode gerar uma migração populacional forçada para os grandes centros urbanos, esvaziando e inviabilizando municípios menores. A reforma tributária pode, na prática, induzir à concentração municipal e à extinção de entidades administrativas locais.

A PEC 188/19 propõe o fim dos municípios com menos de 5 mil habitantes. Mais de 1.500 municípios poderiam ser extintos. A reforma tributária, por sua vez, caminha nessa direção - mas de forma silenciosa.

Concluímos....

Não podemos dizer que existe princípio da neutralidade. Não passa de um conceito aberto sem sustentação em explicações históricas e políticas econômicas ativa. O grande desafio é que municípios e Estados fora da rota do eixo sul e sudeste terão que ser muito criativos para terem acesso aos recursos do FNDR. Não existe resposta fácil para um país continental e diversificado. As estratégias de desenvolvimento precisam ser recriadas.

 

https://www.migalhas.com.br/depeso/432138/reforma-tributaria-26-a-falacia-da-neutralidade-tributaria

Fonte: Migalhas.com
Ao usar nosso site, você reconhece que leu e entendeu nossa Política de Privacidade e nossa Política de Cookies.