O desafio da reforma tributária para o setor de saneamento

Área: Fiscal Publicado em 18/06/2025

O desafio da reforma tributária para o setor de saneamento

O setor de saneamento é visto como um dos mais promissores para concessões e parcerias público-privadas (PPPs) nos próximos anos. O que, ressalte-se, está longe de ser algo negativo: todo instrumento jurídico que venha a colaborar para a universalização dos serviços de saneamento é benéfico, afinal, salvo raras exceções, os níveis de atendimento ainda são muito baixos (na região nordeste, por exemplo, apenas 31,36% das pessoas tem acesso a tratamento de esgoto[1]), em um serviço essencial, inclusive sob aspectos sanitários.

Contudo, os contratos de concessão e PPP já existentes podem estar ameaçados por um grande desafio que se avizinha: a reforma tributária.

Hoje, o setor se beneficia de uma série de benefícios e hipóteses de não incidência que atenuam o impacto tributário sobre a atividade: no que diz respeito ao PIS e Cofins, o Reidi prevê uma série de benefícios para agentes do setor; além disso, não há recolhimento de ISS nas atividades de saneamento, em virtude de vetos presidenciais à Lei Complementar 116/2003; sendo certo que os agentes do setor gozam ainda de não incidência de ICMS nos serviços de fornecimento de água, devido ao entendimento fixado pelo STF no julgamento do RE 607.056.

Esse tratamento particular faz com que, em média, o custo tributário do setor seja de 9,25%. Porém, com o advento da reforma tributária, esse custo pode ser bastante ampliado. Isto porque a última versão do PLP 68/2024, até a redação desse texto, não incluía o setor de saneamento dentre aqueles que gozam de desconto nas alíquotas do IBS e CBS, levando a um custo tributário total estimado de 26,5%[2].

Dessa forma, se efetivada a reforma tributária conforme atualmente disciplinado pela Câmara, os agentes do setor de saneamento passariam por um aumento de mais de 17% em seus custos tributários, representando um impacto financeiro que inegavelmente desequilibra os contratos de concessão já celebrados.

E aqui cabe observar que, embora a legislação preveja para os concessionários o direito ao reequilíbrio de seus contratos, tais procedimentos de reequilíbrio costumam demorar anos. Ou seja, os parceiros privados terão que suportar por longos períodos um aumento repentino e inesperado de custos, tendo ainda um grande volume de investimentos por realizar. Essa é a receita para o insucesso de qualquer projeto de infraestrutura. Podendo, inclusive, em situações limite, levar à insolvência dos concessionários, em prejuízo de toda a sociedade, usuária final do serviço.

E a despeito do relevante debate legislativo acerca da concessão de desconto na alíquota para as atividades de saneamento nos moldes do desconto concedido às atividades de saúde, como vem pleiteando o setor, é preciso também que as agências reguladoras locais exerçam seu protagonismo em torno do tema, refletindo sobre possíveis remédios alternativos para a situação, dado que a ninguém interessa um cenário de insolvência dos concessionários.

E aqui gostaríamos de sugerir um possível remédio: a edição de atos normativos que regulem a possibilidade de reequilíbrio cautelar de contratos afetados pela reforma tributária.

O reequilíbrio cautelar, se não impede o impacto da reforma tributária, ao menos atenua os seus efeitos negativos, evitando cenários prejuízo à execução dos serviços ou mesmo insolvência dos concessionários.

Afinal, através do reequilíbrio cautelar, os concessionários poderão ter acesso mais célere a parte dos recursos necessários ao reequilíbrio dos seus contratos, garantindo-lhe sobrevida para aguardar a conclusão das discussões em torno do valor total a ser compensado mediante reequilíbrio. Se não é possível evitar o problema, o reequilíbrio cautelar ao menos atenua os seus efeitos, diminuindo o impacto da reforma tributária.

Contudo, a ausência de previsão expressa em lei gera receio na concessão por parte de agentes da Administração Pública. Problema que poderia ser facilmente resolvido mediante edição de atos normativos por parte das agências reguladoras locais. Ressalte-se que o reequilíbrio cautelar hoje já é amplamente difundido entre a doutrina e, inclusive, já foi objeto de regulamentação em outros setores sujeitos a concessões e PPPs, como é o caso da ANTT[3], de forma que compreende medida não apenas possível, mas, de certa forma, já consolidada.

Ressalte-se, contudo, a centralidade das agências reguladoras locais em tal processo, visto que, no caso do setor de saneamento, a Agência Nacional de Águas (ANA) produz apenas normas de referência, que se tornam vinculantes dos agentes do setor somente se, e na medida em que, sejam incorporadas pelas agências reguladoras locais competentes.

Portanto, considerando a centralidade do setor de saneamento para o desenvolvimento nacional sustentável, bem como para a difusão da saúde sanitária, torna-se imprescindível debater o possível impacto da reforma tributária sobre o setor e pensar formas de evitar que a reforma afete o sucesso das concessões e PPPs já existentes no setor de saneamento.

[1] Informação retirada do Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento – SNIS: https://appsnis.mdr.gov.br/indicadores-hmg/web/site/index

[2] A Fundação Getúlio Vargas desenvolveu estudo bastante interessante onde faz o levantamento da carga tributária atual do setor e a provável carga tributária futura, comparando ainda com a realidade do saneamento de outros países, o qual pode ser encontrado no seguinte link: https://justica.fgv.br/sites/default/files/2024-12/estudo_impactos_reforma_tributaria_consumo_saneamento.pdf

[3] Trata-se da Instrução Normativa n.º 33, de 14 de novembro de 2024.

Fonte: Jota