Notícia - Justiça flexibiliza multa por atraso no pagamento de acordo trabalhista
Área: Pessoal Publicado em 03/10/2025Fonte: Jornal Valor Econômico
Magistrados têm zerado ou reduzido o percentual da penalidade, se a demora para a quitação do devido é pontual ou por pouco tempo.
Historicamente resistente à revisão de acordos, a Justiça do Trabalho tem começado a aceitar pedidos das empresas para flexibilizar o pagamento de multas por atraso na quitação das parcelas estabelecidas em acertos firmados com trabalhadores. O aval é dado quando a demora ocorre de forma pontual ou por pouco tempo.
Os pedidos são aceitos geralmente em acordos firmados via conciliação ou mediação e homologados posteriormente por um juiz. Em alguns processos, a multa é perdoada. Em outros, é reduzida em relação ao patamar fixado originalmente. Ela costuma variar entre 50% e 100% do valor total acordado - pena considerada alta por inadimplemento de contrato.
Segundo especialistas, é difícil explicar o motivo da mudança de entendimento porque os fundamentos mais usados são princípios inscritos no Código Civil desde o ano de 2002. No entanto, eles apontam a medida como uma tendência, por atender ao propósito de evitar prejuízo para o trabalhador.
No processo de um trabalhador contra uma serralheria, por exemplo, a empresa atrasou o pagamento da sexta e última parcela de um acordo firmado para o pagamento de R$ 6 mil em obrigações trabalhistas. Como o atraso foi de apenas dois dias, o Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (TRT-MG) livrou a empresa de uma multa de 50% do total acordado.
Segundo o relator do processo, desembargador Leonardo Passos Ferreira, a cláusula penal que instituiu a multa serve para reparar prejuízo sofrido pelo credor que não recebe o pagamento. “Entretanto, no caso em análise, não é razoável presumir que o exequente [trabalhador] tenha sofrido algum prejuízo em razão do atraso de apenas dois dias no pagamento da última parcela do acordo”, afirma ele na decisão (processo nº 0010290-20.2021.5.03.0070).
Se a empresa pretende cumprir o acordo, não se preocupa com a multa”
— Thereza Carneiro
Em Sergipe, o atraso de um ou dois dias no pagamento de três parcelas, de um total de 20 devidas por um clube a uma trabalhadora, ensejou a aplicação da multa, mas em patamar reduzido de 50% para 5% e somente sobre as parcelas em atraso. O TRT-SE levou em consideração que oito das parcelas haviam sido pagas de forma antecipada.
“Observando-se o princípio da razoabilidade consagrado no artigo 413 do Código Civil, entende esta relatoria que a redução da penalidade para o percentual de 5%, sobre o montante das três parcelas quitadas em atraso, fixando a multa na quantia total de R$ 300, mostra-se adequada para o caso”, diz o acórdão da 1ª Turma (processo nº 0000250-57.2022.5.20.0009).
Em outro processo, um atraso de 21 dias para o pagamento da última parcela do acordo deveria sujeitar a empresa a uma multa de 50%, mas o TRT de Goiás reduziu a penalidade para 20%. Levou em conta que o atraso foi isolado e as demais parcelas foram pagas pontualmente. No caso, o pagamento seria feito em 16 parcelas de R$ 35.965,64 entre uma incorporadora e uma trabalhadora.
“Em consideração ao fato de todas as outras parcelas terem sido pagas até mesmo antes do prazo de vencimento, bem como de ter havido a quitação integral do acordo da parte devida à exequente, deve incidir, na hipótese, o disposto no artigo 413 do Código Civil”, afirma o acórdão. O dispositivo prevê que a penalidade deve ser reduzida se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante for “manifestamente excessivo” (processo nº 0010993-83.2020.5.18.0161).
Segundo a advogada Mayra Palópoli, do Palópoli e Albrecht Advogados, que defendeu a empresa nesse caso, os juízes têm estado mais conscientes a respeito dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade. Ela ressalta ainda uma valorização do princípio da boa-fé. “Tem havido um olhar mais atento para a intenção da parte, extrapolando a leitura meramente legalista, para analisar não só se cumpriu ou descumpriu a norma, mas se houve intenção de prejudicar.”
Porém, mesmo diante da nova tendência, a maioria dos pedidos não é respaldado pelos magistrados. Na maioria das vezes, eles consideram que o acordo homologado forma “coisa julgada”, que não pode ser revista posteriormente sem motivo justo.
Em São Paulo, um estacionamento atrasou o pagamento da segunda parcela de um acordo em 15 dias. A empresa alegou que houve problemas técnicos e que a multa de 50% seria excessiva. Contudo, a 8ª Turma do TRT-SP rechaçou os argumentos. “Tal lapso temporal não pode ser considerado ínfimo ou insignificante a ponto de justificar o afastamento completo da penalidade livremente pactuada”, diz o acórdão (processo nº 1000 862-70.2024.5.02.0053).
No Maranhão, uma empresa de engenharia foi multada por falha em um pagamento único de R$ 4,5 mil. Ela alegou que tentou fazer a transferência via TED, mas que foi estornada porque o número da conta bancária estava errado. “A falha no procedimento, ainda que por mero descuido, caracteriza a culpa da executada pelo inadimplemento da obrigação no tempo e modo pactuados, atraindo a incidência da cláusula penal”, afirma o TRT-MA (processo nº 0016184-92.2024.5.16.0010).
Thereza Carneiro, sócia da área trabalhista do CSMV Advogados, aponta que a natureza da Justiça do Trabalho sempre foi mais conciliatória do que litigante. “A intenção [da multa] era inibir a inadimplência: se a empresa pretende cumprir o acordo, não precisa se preocupar com a multa”, explica. Agora, no entanto, segundo ela, a autorização de flexibilizar tem começado a aparecer como forma de atender aos princípios de proporcionalidade e razoabilidade, “que também são importantes”.
A advogada também destaca que a nova tendência mostra a importância de redigir corretamente os termos dos acordos, avaliando o cenário concreto. "Entendo a frustração do credor [de receber um percentual menor da penalidade por atraso], mas a finalidade da multa é inibir o descumprimento do acordo. Ela não pode virar um fator que fará o credor torcer pelo descumprimento.”