Desonerações tributárias e acesso a novas terapias

Área: Fiscal Publicado em 28/10/2024

Desonerações tributárias e acesso a novas terapias

A indústria farmacêutica é responsável pela realização de crescentes investimentos na pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos, seja por meio do desenvolvimento de novas moléculas ou pela associação entre diferentes substâncias formando novo medicamento. Em 2021, o investimento global mencionado foi de US$ 249 bilhões apenas com pesquisa e desenvolvimento, de acordo com dados da Evaluate Pharma, sendo US$ 139 bilhões apenas em pesquisa clínica, conforme estimativa feita pela Interfarma, a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa.

Em âmbito nacional, conforme dados divulgados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, em 2017, o investimento total feito em P&D foi de cerca de R$ 73 bilhões. Destes, R$ 2,3 bilhões foram promovidos apenas pela indústria farmacêutica no país. Vale frisar que, ao longo dos anos, esses investimentos têm crescido de maneira acelerada. Em 2020, apenas no Brasil, o investimento total foi de R$ 87,1 bilhões.

Esses investimentos têm como objetivo desenvolver tratamentos que confiram maior benefício aos pacientes, agindo, muitas vezes, de maneira mais eficiente no combate às doenças para as quais foram projetados. Isso quer dizer que, quanto mais novos e modernos os medicamentos e terapias disponibilizados, melhores são os resultados esperados na recuperação de pacientes ou na prevenção de doenças.

Diante desse contexto, seria razoável presumir de interesse público fomentar o desenvolvimento de novas terapias, visto que esses avanços têm uma relação direta com o aumento do bem-estar da população brasileira e de seus indicadores de saúde, assim como um fator de redução da pressão sobre o sistema de saúde brasileiro. Apesar de tal expectativa, o cenário visto no Brasil atualmente é o extremo oposto, uma vez que nossa legislação tributária confere maior competitividade aos tratamentos muitas vezes defasados (moléculas e medicamentos antigos), já que a política de desonerações tributárias, se não for bem monitorada e atualizada, pode servir como importante barreira competitiva.

Em nosso regramento tributário existem normas específicas, relacionadas tanto a tributos federais, como às contribuições sociais PIS e Cofins, quanto a tributos estaduais, mais especificamente para fins de ICMS. Por essas normas, foram fixadas listas exaustivas de medicamentos (ou de seus princípios ativos) que fazem jus a tratamento tributário mais vantajoso, normalmente, isenções tributárias.

A título exemplificativo podemos mencionar a denominada Lista Positiva (Lei nº 10.147/2000), que trata da desoneração do PIS e da Cofins de uma série de medicamentos listados no Anexo do Decreto nº 3.803/2001. Assim como esse caso, existem ainda inúmeros Convênios ICMS aprovados no âmbito do Confaz que também conferem desonerações dessa mesma forma, mas no âmbito da tributação estadual.

Ocorre que, apesar do objetivo dessas normas seja reduzir a tributação dos produtos ali elencados e facilitar o acesso da população a esses medicamentos por viabilizar sua comercialização por preços mais baixos, a morosidade e a falta de iniciativa na atualização de tais normas gera relevantes distorções competitivas e impõe barreiras concorrenciais aos medicamentos novos.

Caso, por exemplo, existam dois medicamentos destinados ao tratamento de um mesmo grupo de pacientes, sendo um primeiro mais antigo, com menos benefícios terapêuticos aos pacientes, mas que já conste da relação dessas legislações, e um segundo, mais novo, com mais benefícios aos pacientes, mas que não faça jus nem às desonerações relacionados ao PIS e Cofins nem ao ICMS, o produto mais novo terá relevante desvantagem competitiva com relação ao seu concorrente por estar sujeito a uma tributação mais onerosa e, consequentemente, sujeito a preços substancialmente maiores.

Atualmente, a depender das alíquotas envolvidas, a tributação em questão pode representar um desequilíbrio competitivo superior a 27%, percentual este extremamente relevante em um mercado de preços regulado e com margens de lucro cada vez mais apertadas. Além disso, devemos nos atentar aos (des)incentivos que estamos dando às indústrias estrangeiras na medida em que as desencorajamos de trazer seus produtos mais modernos ao mercado brasileiro.

Essas barreiras estão em um caminho contrário ao que deveriam, visto que atuam como ferramenta repulsora de novas tecnologias, dificultando que os novos produtos obtidos a partir de vultuosos investimentos feitos por tais empresas no desenvolvimento de novas terapias sejam acessados pela população brasileira.

Sob a perspectiva dos executivos dessas empresas, qual seria o motivo de trazer seus produtos inovadores ao mercado brasileiro, se depois de investir bilhões de dólares ainda terão que se deparar com a fixação de preço de forma altamente regulada e com a imposição de um ônus tributário sensivelmente superior aos de seus concorrentes?

Diante desse cenário estarrecedor, podemos concluir que as desonerações fiscais, atualmente seletivas (legislação sem atualização há mais de uma década), impõem condições adversas aos novos medicamentos, prejudicando tanto sua competividade quanto o acesso da população. Para que tais distorções sejam corrigidas e as políticas públicas possam de fato beneficiar a população, as alterações discutidas no âmbito da regulamentação da reforma tributária podem ter um impacto importante na correção do rumo dos benefícios fiscais como um facilitador do acesso às novas terapias.

Fonte: Valor Econômico