Substituição tributária, a roupa que não nos serve mais

Área: Fiscal Publicado em 04/10/2024

Substituição tributária, a roupa que não nos serve mais

Nada mais propício em tempos de reforma tributária, lembrarmos célebre canção “Velha roupa colorida”, que em certo trecho diz que “o passado é uma roupa que não nos serve mais”. Tal letra, paradoxalmente, não poderia ser mais atual quando estamos falando de reforma tributária e o admirável mundo novo que será inaugurado com a instituição do IBS e da CBS.

A Emenda Constitucional (EC) nº 132/23, instaurou um novo conceito de tributação do consumo no Brasil. Não é perfeita, como tudo nessa vida, porém coloca o país dentre as democracias tributárias mais avançadas em termos de IVA, buscando simplicidade, segurança jurídica, não cumulatividade plena, neutralidade, incidência no destino e fim da guerra fiscal, dentre outros princípios almejados pelo texto constitucional alterado.

Diante dessa nova roupagem do sistema tributário do consumo, com a instituição do IBS e da CBS, ambos ainda em discussão no Senado Federal (PLP 68/24) e na Câmara dos Deputados (PLP 108/24), não cabe mais falar na famigerada substituição tributária, muito praticada pelos Estados no âmbito do ICMS, tributo que será, finalmente, defenestrado.

A substituição tributária mais utilizada, para frente, em relação às operações subsequentes, caracteriza-se pela atribuição a determinado contribuinte (normalmente o primeiro na cadeia de comercialização, o fabricante ou importador) pelo pagamento do valor do ICMS incidente nas subsequentes operações com a mercadoria, até sua saída destinada a consumidor ou usuário final.

Tal sistemática de recolhimento foi criada no âmbito do ICMS com a suposta finalidade de melhorar a fiscalização e reduzir a sonegação em relação a determinados bens produzidos e que são comercializados de forma pulverizada no varejo. Assim, passaram a tributar os fabricantes, que por serem grandes e em pouco número, seriam facilmente fiscalizados, porém, a substituição tributária se transformou num verdadeiro câncer, atingindo tudo e a todos de forma indiscriminada e causando enormes distorções e prejuízos para vários setores produtivos e para os contribuintes.

Ousamos dizer que a substituição tributária causou tantos problemas que hoje ela representa a negação do próprio instituto, pois dentre tantas distorções tem-se aumento de pedidos de ressarcimentos de substituídos atacadistas e distribuidores, causando enormes dificuldades à própria fiscalização, perda da neutralidade na medida em que distorce preços causando até mesmo efeito inflacionário em determinados produtos, bem como induz esquemas elisivos, de modo a dificultar ainda mais a fiscalização.

Além disso, causa dispersão de substitutos e aumento da evasão fiscal em operações intermediárias; dificuldades na devolução de diferenças de bases; segregação de ICMS-ST e ICMS próprio; expansão do pagamento antecipado pela impossibilidade prática de ser firmar acordos para todos os produtos; dispersão dos sujeitos passivos para pagar ICMS-ST na entrada, embaraçando a fiscalização e a cobrança; fim da definitividade da base de cálculo da substituição tributária (julgamento do RE 593849/MG) impondo a necessidade de fiscalizar e cobrar diversos contribuintes varejistas. Em suma, tal instituto, que aparentava ser a panaceia para todos os males do ICMS, a bem da verdade, só causou e ainda causa sandices e distorções em nosso sistema tributário, não sendo um instrumento de racionalização da fiscalização nem de eficiência arrecadatória, sequer reduziu a evasão fiscal.

Some-se a isso o fato de que teremos que conviver com ela (a substituição tributária) até 2033, quando então a sistemática do IBS estará totalmente implementada.

Com a alteração constitucional trazida pela EC 132/23, delimitando que o IBS e a CBS incidirão sobre as operações com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou com serviços, bem como que a sua cobrança será no destino, a sistemática da substituição tributária, em hipótese alguma, se amolda ao desenho constitucional do novo sistema tributário do consumo. É uma técnica de antecipação de recolhimento na origem, ao passo que o IBS e a CBS serão cobrados no destino, ou seja, totalmente incompatível com a norma constitucional. Caso implementada em sede de projeto de lei, seria uma verdadeira apropriação indébita pelo Estado de origem.

Além disso, o simples fato de que na Constituição Federal ainda permaneça a disposição do artigo 150, parágrafo 7º, que dá fundamento de validade para a substituição tributária, ao determinar que a lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, não confere ao legislador infraconstitucional a possibilidade de se criar uma esdrúxula substituição tributária do IBS e da CBS.

Some-se a isso a implementação do crédito vinculado ao pagamento, a implantação do split payment, o ressarcimento imediato ou ao menos num prazo razoável e predeterminado, a redução da complexidade operacional das informações fiscais que tornará o novo modelo mais simplificado para as empresas.

A substituição tributária é o passado, é a velha roupa que não nos serve mais, os órfãos do ICMS-ST não podem nos impor essa herança maldita, tal sistemática não se amolda ao IBS e à CBS, eis que a substituição tributária para frente tributa a produção, é cobrada na origem, enquanto as novas exações incidirão sobre o consumo e serão tributadas no destino.

Por isso, os legisladores devem olhar com olhos de ver, pois a EC 132 e o PLP 68 são “o corpo diferente” e a substituição tributária é a “velha roupa que não nos serve mais”.

Fonte: Valor Econômico