Reforma tributária: riscos no período de transição

Área: Contábil Publicado em 03/12/2025

A Reforma tributária introduzida pela Emenda Constitucional nº 132/2023 tem sido tema constante nas publicações especializadas dos últimos meses. Neste artigo, contudo, mais do que analisar sua necessidade, vantagens ou eventuais fragilidades, busca-se examinar os riscos presentes no período de transição (até 2032) e, consequentemente, as providências que cabem às empresas para evitar eventuais judicializações.

É perceptível para qualquer observador atento que, nos próximos anos, o país vivenciará mudanças profundas no ambiente jurídico-tributário. O desenho do IBS e da CBS foi aprovado com a promessa de maior racionalidade, neutralidade e simplicidade, mas se antevê um caminho complexo até 2032.

Essa complexidade decorre, em grande parte, do fato de que normas antigas e novas irão conviver por um período prolongado. Essa sobreposição tende a gerar incertezas. As novas regras, por sua inovação, tendem a estimular disputas judiciais. Serão necessárias adaptações significativas nos sistemas e documentos fiscais em razão da criação dos novos tributos, cada qual com regras próprias. Deve-se considerar, inclusive, a eventual necessidade de migração de regime tributário, como a passagem do Simples Nacional para o regime de lucro presumido. Assim, compreender os riscos e o papel das empresas nesse momento é essencial para evitar conflitos e reduzir custos de conformidade.

Modelos distintos

Um dos desafios mais evidentes surge da interação entre dois modelos distintos: o sistema atual, marcado por tributos cumulativos e regras fragmentadas, e o regime futuro, orientado pela neutralidade, legislação única nacional e pelo crédito financeiro. As dúvidas relativas ao aproveitamento de créditos, à conversão de saldos acumulados e ao momento adequado de sua apropriação tendem a gerar tensão interpretativa, que pode levar a litígios administrativos e judiciais.

A própria estrutura administrativa do IBS acrescenta outra camada de incerteza. A criação de um Comitê Gestor, composto por representantes dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, representa inovação institucional relevante, mas ainda não testada. Antes da consolidação de jurisprudência, é provável que surjam controvérsias quanto ao foro competente para julgar litígios envolvendo o imposto, sobretudo em operações interestaduais. Já se cogita, inclusive, nova alteração constitucional para instituir uma instância nacional única para o contencioso judicial do IBS e da CBS, a fim de evitar decisões conflitantes sobre os mesmos fatos tributários. A definição desses contornos processuais será determinante para que o contribuinte saiba a quem recorrer e como dimensionar seus riscos.

As obrigações acessórias também prometem gerar controvérsias. A adoção de um novo documento fiscal eletrônico, o destaque das alíquotas e a integração dos sistemas de controle exigirão ajustes substanciais nos ERPs das empresas. Problemas de consistência nas informações, falhas de comunicação com plataformas governamentais ou autuações decorrentes de equívocos formais podem se multiplicar enquanto o modelo ainda estiver em fase de calibração. A adoção do “split payment”, em modalidade “inteligente” ou simplificada, poderá comprometer o fluxo de caixa das empresas. Em tais situações, é comum que o litígio decorra mais de dificuldades práticas na implantação de um sistema novo e complexo do que de divergências jurídicas propriamente ditas.

Não se pode esquecer que determinados setores poderão questionar o Imposto Seletivo, especialmente quando a tributação incidir de forma expressiva sobre atividades intensivas em produtos classificados como nocivos ao meio ambiente ou à saúde. A fronteira entre a extrafiscalidade legítima e a intervenção desproporcional é estreita, e discussões sobre razoabilidade, isonomia e impactos concorrenciais provavelmente chegarão ao Judiciário. Também não se deve desconsiderar que setores como o de serviços deverão sofrer significativa elevação de carga tributária com o IBS e a CBS, o que certamente resultará em pressão política por revisão de seus regimes.

Diante desse cenário, as empresas desempenham papel decisivo para o sucesso do novo sistema tributário. Mais do que acompanhar a legislação, é necessário estruturar uma governança tributária capaz de interpretar normas em constante evolução, organizar fluxos internos e registrar, de maneira consistente, as posições adotadas. A interação permanente entre as áreas jurídica, fiscal, contábil e de tecnologia poderá reduzir falhas, antecipar riscos e facilitar ajustes rápidos quando houver mudanças regulatórias.

Medidas de prevenção e documentação robusta — como pareceres internos, mapeamento de impactos e registro de critérios de tomada de decisão — reforçam a segurança jurídica. Em pontos de dúvida relevante, a apresentação de consultas formais às autoridades fiscais poderá evitar disputas futuras e demonstrar atuação de boa-fé. Por outro lado, embora a transição criada pela EC nº 132/2023 seja fértil em potenciais controvérsias, a litigiosidade não é destino inevitável. Empresas que adotarem postura ativa, informada e organizada — com o apoio de tributaristas, especialistas em TI e profissionais de contabilidade —, tendem a atravessar o período com maior estabilidade, previsibilidade e menor exposição a conflitos.

Fonte: Conjur