Opinião - Anacronismo na proteção da mulher pela CLT
Área: Pessoal Publicado em 29/12/2022
Fonte: Jornal Valor Econômico
O artigo 386 da Consolidação das Leis do Trabalho deve ser relativizado considerando a realidade atual
O artigo 386 da CLT, localizado no capítulo da proteção do trabalho da mulher e que prevê que, havendo necessidade de trabalho aos domingos, deverá ser organizada escala de revezamento quinzenal que favoreça o repouso dominical em semanas alternadas, tem gerado acalorados debates no meio jurídico, em especial em relação às comerciárias, em razão do que preceitua o art. 6º, § único, da Lei nº 10.101/2000 e a Constituição Federal.
O referido artigo, em que pese tenha sido de grande relevância na época em que foi criado (1943), deve ser relativizado de acordo com a atual realidade do mercado, bem como deve ser observada a evolução legislativa, como a Lei da Liberdade Econômica e, especificamente, do trabalho da mulher como no caso do trabalho noturno, insalubre e perigoso e em relação às horas extras. Desde 1943, todos evoluíram, devendo ser observada a evolução e flexibilização também com relação ao art. 386 da CLT.
O artigo 386 da Consolidação das Leis do Trabalho deve ser relativizado considerando a realidade atual
Recentemente chegou ao STF a primeira ação que trata sobre o tema (0000619-11.2017.5.12.0054), movida pelo Sindicato dos Empregados no Comércio de São José e Região em face de Lojas Riachuelo S.A.
Nesta, o sindicato alega que a empresa descumpriu o art. 386 da CLT e pretendeu que nos casos em que for identificado que o descanso semanal remunerado (DSR) foi usufruído após dois domingos consecutivos de trabalho, o seu pagamento seja feito com adicional de 100% e reflexos, e que a empresa seja condenada a cumprir a determinação do art. 386 da CLT.
A tese de defesa, em resumo, sustenta que o referido artigo sequer foi recepcionado pela Constituição Federal, em razão de afronta direta aos art. 5º, I, que prevê que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, art. 7º, XX, que estabelece a proteção do mercado de trabalho da mulher, não devendo prevalecer normas que importem em direto ou indireto desestímulo à garantia ou abertura do mercado de trabalho para estas e art. 7º, XV, que estatui que o DSR será preferencialmente aos domingos e não obrigatoriamente.
A discussão para comerciárias, entretanto, vai além.
Isto porque, no caso do comércio em geral, há lei específica e posterior sobre o tema, dispondo o art. 6°, § único, da Lei n° 10.101/2000 que o repouso semanal remunerado deverá coincidir, pelo menos uma vez no período máximo de três semanas, com o domingo, respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho e outras a serem estipuladas em negociação coletiva.
Dessa forma, ainda que se considere que o art. 386 da CLT tenha sido recepcionado pela Constituição Federal, tratando-se de trabalhadora do comércio, tem aplicabilidade o disposto no artigo acima citado, pois trata-se de norma superveniente e específica aplicável para os comerciários em geral.
Na ação em referência, o TRT da 12ª Região, deu provimento ao recurso ordinário da empresa para julgar totalmente improcedente a ação, sob a fundamentação de que deve se aplicar o teor da Lei nº 10.101/2000. O sindicato apresentou recurso de revista, que não foi conhecido e, por fim, após novo recurso, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, decidiu que deve ser observada a regra do art. 386 da CLT.
O entendimento, entretanto, vai na contramão do que o comércio em geral tem adotado, ao indicar em suas escalas o descanso aos domingos apenas a cada três semanas, conforme a Lei 10.101/2000.
A D. Ministra vice-presidente do TST deu seguimento ao recurso extraordinário interposto pela empresa. Entretanto, foi proferida decisão monocrática no STF, a qual negou provimento ao recurso, sob o fundamento de que o STF já tinha se manifestado sobre o assunto no Tema 528 da repercussão geral (RE 658.312).
No momento, aguarda-se julgamento do agravo interno, em que a empresa sustenta que, diferente do que decidiu a decisão agravada, o STF nunca se manifestou sobre o tema, de modo que a compreensão externada pela Corte no RE 658.312, não tem aderência estrita ao caso, eis que a discussão diz respeito à antinomia entre o disposto no art. 386 da CLT e o que preceitua o art. 6º, § único da Lei 10.101/2000, sob o enfoque dos artigos 5º, I; 7º, XV e XX da CF.
A decisão será de grande impacto para a sociedade, em especial para o setor do comércio, que vem aplicando, em nosso entendimento, de modo totalmente legal, o disposto no art. 6º, § único, da Lei nº 10.101/2000.
No mais, o art. 386 da CLT é anacrônico e deve ser relativizado considerando a realidade atual, sendo extremamente penoso admitir que empresas sejam condenadas ao pagamento de horas extras com adicional de 100% por descumprimento do referido, se o DSR foi gozado em outro dia da semana que não o domingo e se a Constituição Federal prevê que o DSR será gozado preferencialmente e não obrigatoriamente aos domingos.
Isso caracterizaria enriquecimento ilícito, além de violação ao princípio da legalidade, já que não há disposição legal prevendo o pagamento de horas com adicional de 100% diante do não cumprimento do disposto no art. 386 da CLT.
Ainda, ao decidir, o STF deve observar se existe norma coletiva sobre a matéria, visto que o art. 611-A da CLT prevê que a convenção coletiva de trabalho tem prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre pacto quanto à jornada de trabalho.
Neste sentido, se há norma coletiva autorizando e não fazendo qualquer distinção entre o trabalho aos domingos para homens e mulheres, esta deve ser observada, em respeito ao referido dispositivo legal e ao art. 7º, XXVI, da CF que prevê o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho.
Resta acompanhar a decisão final pelo STF e ver seus novos desdobramentos, em especial em razão do grande impacto que esta terá no setor do comércio como um todo.
Gabriela Duarte Lopes e Jorge Gonzaga Matsumoto são, respectivamente, sócia e sócio-conselheiro do Bichara Advogados.
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O artigo 386 da Consolidação das Leis do Trabalho deve ser relativizado considerando a realidade atual
O artigo 386 da CLT, localizado no capítulo da proteção do trabalho da mulher e que prevê que, havendo necessidade de trabalho aos domingos, deverá ser organizada escala de revezamento quinzenal que favoreça o repouso dominical em semanas alternadas, tem gerado acalorados debates no meio jurídico, em especial em relação às comerciárias, em razão do que preceitua o art. 6º, § único, da Lei nº 10.101/2000 e a Constituição Federal.
O referido artigo, em que pese tenha sido de grande relevância na época em que foi criado (1943), deve ser relativizado de acordo com a atual realidade do mercado, bem como deve ser observada a evolução legislativa, como a Lei da Liberdade Econômica e, especificamente, do trabalho da mulher como no caso do trabalho noturno, insalubre e perigoso e em relação às horas extras. Desde 1943, todos evoluíram, devendo ser observada a evolução e flexibilização também com relação ao art. 386 da CLT.
O artigo 386 da Consolidação das Leis do Trabalho deve ser relativizado considerando a realidade atual
Recentemente chegou ao STF a primeira ação que trata sobre o tema (0000619-11.2017.5.12.0054), movida pelo Sindicato dos Empregados no Comércio de São José e Região em face de Lojas Riachuelo S.A.
Nesta, o sindicato alega que a empresa descumpriu o art. 386 da CLT e pretendeu que nos casos em que for identificado que o descanso semanal remunerado (DSR) foi usufruído após dois domingos consecutivos de trabalho, o seu pagamento seja feito com adicional de 100% e reflexos, e que a empresa seja condenada a cumprir a determinação do art. 386 da CLT.
A tese de defesa, em resumo, sustenta que o referido artigo sequer foi recepcionado pela Constituição Federal, em razão de afronta direta aos art. 5º, I, que prevê que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, art. 7º, XX, que estabelece a proteção do mercado de trabalho da mulher, não devendo prevalecer normas que importem em direto ou indireto desestímulo à garantia ou abertura do mercado de trabalho para estas e art. 7º, XV, que estatui que o DSR será preferencialmente aos domingos e não obrigatoriamente.
A discussão para comerciárias, entretanto, vai além.
Isto porque, no caso do comércio em geral, há lei específica e posterior sobre o tema, dispondo o art. 6°, § único, da Lei n° 10.101/2000 que o repouso semanal remunerado deverá coincidir, pelo menos uma vez no período máximo de três semanas, com o domingo, respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho e outras a serem estipuladas em negociação coletiva.
Dessa forma, ainda que se considere que o art. 386 da CLT tenha sido recepcionado pela Constituição Federal, tratando-se de trabalhadora do comércio, tem aplicabilidade o disposto no artigo acima citado, pois trata-se de norma superveniente e específica aplicável para os comerciários em geral.
Na ação em referência, o TRT da 12ª Região, deu provimento ao recurso ordinário da empresa para julgar totalmente improcedente a ação, sob a fundamentação de que deve se aplicar o teor da Lei nº 10.101/2000. O sindicato apresentou recurso de revista, que não foi conhecido e, por fim, após novo recurso, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, decidiu que deve ser observada a regra do art. 386 da CLT.
O entendimento, entretanto, vai na contramão do que o comércio em geral tem adotado, ao indicar em suas escalas o descanso aos domingos apenas a cada três semanas, conforme a Lei 10.101/2000.
A D. Ministra vice-presidente do TST deu seguimento ao recurso extraordinário interposto pela empresa. Entretanto, foi proferida decisão monocrática no STF, a qual negou provimento ao recurso, sob o fundamento de que o STF já tinha se manifestado sobre o assunto no Tema 528 da repercussão geral (RE 658.312).
No momento, aguarda-se julgamento do agravo interno, em que a empresa sustenta que, diferente do que decidiu a decisão agravada, o STF nunca se manifestou sobre o tema, de modo que a compreensão externada pela Corte no RE 658.312, não tem aderência estrita ao caso, eis que a discussão diz respeito à antinomia entre o disposto no art. 386 da CLT e o que preceitua o art. 6º, § único da Lei 10.101/2000, sob o enfoque dos artigos 5º, I; 7º, XV e XX da CF.
A decisão será de grande impacto para a sociedade, em especial para o setor do comércio, que vem aplicando, em nosso entendimento, de modo totalmente legal, o disposto no art. 6º, § único, da Lei nº 10.101/2000.
No mais, o art. 386 da CLT é anacrônico e deve ser relativizado considerando a realidade atual, sendo extremamente penoso admitir que empresas sejam condenadas ao pagamento de horas extras com adicional de 100% por descumprimento do referido, se o DSR foi gozado em outro dia da semana que não o domingo e se a Constituição Federal prevê que o DSR será gozado preferencialmente e não obrigatoriamente aos domingos.
Isso caracterizaria enriquecimento ilícito, além de violação ao princípio da legalidade, já que não há disposição legal prevendo o pagamento de horas com adicional de 100% diante do não cumprimento do disposto no art. 386 da CLT.
Ainda, ao decidir, o STF deve observar se existe norma coletiva sobre a matéria, visto que o art. 611-A da CLT prevê que a convenção coletiva de trabalho tem prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre pacto quanto à jornada de trabalho.
Neste sentido, se há norma coletiva autorizando e não fazendo qualquer distinção entre o trabalho aos domingos para homens e mulheres, esta deve ser observada, em respeito ao referido dispositivo legal e ao art. 7º, XXVI, da CF que prevê o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho.
Resta acompanhar a decisão final pelo STF e ver seus novos desdobramentos, em especial em razão do grande impacto que esta terá no setor do comércio como um todo.
Gabriela Duarte Lopes e Jorge Gonzaga Matsumoto são, respectivamente, sócia e sócio-conselheiro do Bichara Advogados.
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