Notícia - TRF-6 dispensa indústrias de publicar relatórios de transparência salarial

Área: Pessoal Publicado em 25/09/2025

Fonte: Jornal Valor Econômico

Decisão foi dada em ação civil pública ajuizada pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais contra a Lei da Igualdade Salarial.

A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) decidiu ontem, por maioria, que as indústrias mineiras não são obrigadas a dar publicidade aos relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios de seus funcionários. O entendimento foi dado em uma ação civil pública movida pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) contra a Lei da Igualdade Salarial (nº 14.611, de 2023) e sua regulamentação.

Atendendo a pedido da União, a decisão do TRF-6 ficou limitada, contudo, às empresas mineiras do setor industrial com mais de cem empregados, apesar da entidade defender que poderia ter efeito em todo o Brasil. Não é necessário que elas sejam filiadas à Fiemg. O entendimento prevalece até haver a sentença.

Conforme a decisão, o Executivo não pode criar obrigações além do que estava previsto em lei. “As normas infralegais impugnadas determinam a elaboração e ampla divulgação de relatórios que, embora embasados formalmente na lei, introduzem exigências não previstas”, diz o relator do caso, o desembargador Lincoln Rodrigues de Faria.

Os desembargadores analisaram recurso contra decisão da 10ª Vara Federal Cível de Belo Horizonte e suspenderam os efeitos do Decreto nº 11.795, de 2023, e da Portaria do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) nº 3.714, de 2023. As normas tornavam obrigatória a publicação do relatório de transparência salarial entre homens e mulheres.

O documento deve ser publicado duas vezes no ano, em março e em setembro. O relatório é disponibilizado no site do MTE e deve ser replicado no site e redes sociais das empresas. Mas muitas das empresas entraram com ações individuais na Justiça para não precisar publicar o documento, assim como sindicatos e associações.

De acordo com advogados, os dispositivos infralegais inovam e extrapolam o que foi previsto na Lei nº 14.611, além de desrespeitarem a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) - nº 13.709, de 2018. Na visão deles, a publicação dos relatórios traria prejuízo social e econômico, colocando em risco direitos fundamentais como a proteção aos dados pessoais, diretamente relacionada aos direitos da personalidade e à dignidade da pessoa humana.

Isso porque, segundo eles, o decreto e a portaria do governo não indicaram como seria a anonimização dos dados dos empregados, portanto, não cumpririam requisitos mínimos de segurança previstos na LGPD. Os especialistas ainda citam a necessidade de garantir os valores constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência.

Na visão da Fiemg, o relatório tem se mostrado pouco efetivo para fins de transparência social, além de gerar custos e burocracias adicionais para as empresas. “Essa decisão representa uma conquista relevante para o setor produtivo porque afasta uma obrigação que, na prática, não cumpre o propósito de trazer mais transparência à sociedade. Ao contrário, acaba impondo ônus desnecessário às empresas, sem clareza metodológica e sem benefícios concretos”, afirma Letícia Lourenço, superintendente jurídica da Fiemg.

“A política pública vem sendo conduzida de forma arbitrária e pouco transparente”

— Luciano A. Pinheiro

Para o consultor jurídico contencioso da entidade, Pedro Henrique Coelho, “além de conferir segurança jurídica e paz social, a decisão assegura o sigilo de informações estratégicas e garante a legitimidade da Fiemg na defesa de direitos empresariais coletivos” (processo nº 6002221-05.2024.4.06.0000).

A decisão do TRF-6 destoa do entendimento majoritário no Judiciário, segundo especialistas. Leticia Ribeiro, sócia trabalhista do escritório Trench Rossi Watanabe, destaca que, em um primeiro momento, a jurisprudência entendeu que a exigência de publicação do relatório extrapolava as previsões da lei e que poderia haver violação à LGPD. Depois, no entanto, acrescenta, a Justiça passou a rever o próprio posicionamento e entender que os dados eram anonimizados e não haveria violação aos direitos dos trabalhadores.

A 6ª Vara Cível Federal de São Paulo, por exemplo, negou um pedido de uma empresa de tecnologia para ser desobrigada de publicar o relatório. “Não sendo demonstradas inconstitucionalidades e nem ilegalidades, não é lícito ao Poder Judiciário interferir na formulação e execução das políticas públicas adotadas, de forma legítima, pelo Poder Executivo", afirma o juiz Daniel Chiaretti (processo nº 5007885-51.2024.4.03.6100)

Érika de Siqueira Seddon, sócia trabalhista do Mattos Filho, entende que, quando há análise aprofundada, a divulgação do relatório é suspensa. Para ela, embora o objetivo do documento seja louvável, há problemas estruturais no levantamento que criam distorções, porque ele se baseia na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).

“O relatório considera comparável, para fins de aferição de disparidade salarial, os cargos de analista e diretor de marketing, funções de responsabilidade claramente diversas e que a legislação e o senso comum entendem que serão remuneradas de forma distinta”, explica.

Luciano Andrade Pinheiro, sócio do Corrêa da Veiga Advogados, afirma que, embora a busca pela equiparação salarial seja legítima, a política pública vem sendo conduzida de forma arbitrária e pouco transparente. “Caso sejam cumpridos nos moldes atuais, os decretos do Executivo podem resultar na divulgação de dados sensíveis de pessoas e empresas, em afronta à LGPD e à legislação concorrencial”, diz. Ele defende o Grupo Cyrela, que obteve sentença contra a obrigação.

Segundo o juiz Leonardo Tocchetto Pauperio, da 16ª Vara Federal Cível do Distrito Federal, a obrigação teria “possíveis efeitos nocivos à livre concorrência, derivados da exposição de informações sensíveis que ultrapassam a finalidade primordial da política pública pretendida” (processo nº 1020692-80.2024.4.01.3400).

A constitucionalidade do relatório, porém, ainda será analisada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), em duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADI 7612 e ADI 7631), que estão sob relatoria de Alexandre de Moraes. Ainda não há previsão para julgamento.