Notícia - Salários de aprendizes entram no cálculo da contribuição previdenciária patronal

Área: Pessoal Publicado em 27/08/2025

Fonte: Jornal Valor Econômico 

Decisão da 1ª Seção do STJ definiu que o aprendiz não é um segurado facultativo.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que os salários pagos a menores aprendizes integram a base de cálculo da contribuição previdenciária patronal, dos adicionais e das contribuições a terceiros - como o Sistema S. A decisão foi tomada pela 1ª Seção, em recente julgamento no Plenário Virtual, e serve de orientação para as instâncias inferiores.

O entendimento adotado é importante porque a última palavra será a do STJ. No ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a questão é infraconstitucional, ao julgar o Tema 1294. Todos os processos que tratavam do assunto foram suspensos e poderão voltar a tramitar após o trânsito em julgado da decisão da 1ª Seção (REsp 2191479 e REsp 2191694).

A discussão foi gerada porque a Receita Federal entende que o contrato de aprendizagem é um contrato normal de trabalho. Podem ser aprendizes os jovens com idade entre 14 e 24 anos, conforme a Lei nº 10.097, de 2000. Empresas de médio e grande porte são obrigadas a manter entre 5% e 15% de aprendizes entre os trabalhadores de cada estabelecimento.

Para os contribuintes, no entanto, o contrato de aprendizagem não equivale a uma relação de emprego, o que faz com que o menor de idade seja um segurado facultativo, nos termos do artigo 14 da Lei nº 8.212, de 1991, e do artigo 13 da Lei nº 8.213, de 1991.

Além disso, defendem que o artigo 4º do Decreto-Lei nº 2.318, de 1986, criava uma isenção, ao expressamente excluir a remuneração dos “menores assistidos” da base de cálculo de encargos previdenciários. Essa modalidade de trabalho envolve adolescentes de 12 a 18 anos, mas a Receita Federal considera que foi tacitamente revogada pela Constituição e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Acompanhando o entendimento da relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura, a 1ª Seção entendeu que o aprendiz é empregado e que, segundo o artigo 428 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o contrato de aprendizagem é um “contrato de trabalho especial”.

Para eles, “não se sustenta o argumento de que o aprendiz é segurado facultativo, na forma do artigo 14 da Lei nº 8.212/1991 e de seu correspondente artigo 13 da Lei nº 8.213/1991”. Esses dispositivos, acrescentam, apenas trazem uma idade mínima para a filiação como facultativo. “A forma de filiação de uma pessoa com menos de 18 anos de idade que tenha um contrato de trabalho será a de empregado”, afirmam os ministros no acórdão.

Assim, o colegiado definiu a tese de que a remuneração decorrente do contrato de aprendizagem integra a base de cálculo da contribuição previdenciária patronal, da Contribuição do Grau de Incidência de Incapacidade Laborativa decorrente dos Riscos Ambientais do Trabalho (GIIL-RAT) e das contribuições a terceiros.

Segundo especialistas, a decisão surpreendeu os contribuintes e pode ter impacto nas contratações de aprendizes pelas empresas. Em razão do aumento de custos, diz Márcio Miranda Maia, sócio do Maia & Anjos Advogados, as empresas podem ter de rever suas políticas internas de contratação.

“A medida pode acabar produzindo um efeito deletério, reduzindo o acesso dos jovens ao mercado de trabalho e gerando resultado contrário à própria política social que fundamenta a implementação do programa”, afirma.

Contrato de aprendizagem é de trabalho, ainda que especial”

— Alessandra Brandão

O advogado defende que o vínculo entre aprendizes e empregadores tem como objetivo primordial o desenvolvimento educacional do jovem, e não constitui uma relação empregatícia comum. “Assim, a exigência de contribuições previdenciárias sobre tais valores pode contrariar o princípio da legalidade, que está no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal.”

Beatriz Bourguy De Medeiros, tributarista do LLH Advogados, defendia o contribuinte em um dos recursos julgados pelo STJ (REsp 2191694). De acordo com ela, a decisão da 1ª Seção poderia ter se aprofundado mais no debate a respeito da relação de emprego. “Esse ponto merece reflexão, pois, além de não haver na legislação dispositivo que equipare os aprendizes aos empregados de maneira expressa, desconsidera a natureza jurídica especial do contrato de aprendizagem”, diz.

Ela destaca, além do aumento do custo das empresas, que pode haver consequências no longo prazo para a Previdência Social, “na medida em que o tempo de contribuição do jovem aprendiz poderá ser contabilizado para concessão da aposentadoria”.

Uma vez que o período de aprendizagem vai contar para a aposentadoria do trabalhador no futuro, “seria necessário que, nesse momento, o contrato representasse um ingresso de recursos para o INSS fazer frente à aposentadoria futura”, defende Alessandra Brandão, professora de direito tributário da PUC-MG e sócia do Marcelo Tostes Advogados. “O contrato de aprendizagem é de trabalho, ainda que especial”, afirma.

Segundo a especialista, embora haja possibilidade de impacto financeiro para as empresas, ele não será tão significativo, mesmo para as empresas que têm muitos aprendizes, uma vez que os salários pagos aos menores de idade costumam ser mais baixos.

A decisão também surpreendeu os defensores dos contribuintes porque ainda não havia jurisprudência consolidada no STJ. Até a afetação dos repetitivos, a Corte sequer conhecia os recursos dos contribuintes. Na maioria dos casos, eram mantidas as decisões favoráveis ao Fisco.

Uma decisão da 2ª Turma entendeu que, ao não equiparar menores aprendizes e menores assistidos, o tribunal de origem tinha respeitado a jurisprudência do STJ no sentido de que “a lei de outorga de isenção ou exclusão tributária deve ser interpretada literalmente” (REsp 2146118).

Na 1ª Turma, os ministros entenderam que a qualificação de segurado facultativo “não tem aptidão para afastar a contribuição previdenciária patronal incidente sobre os valores pagos aos menores aprendizes, na medida em que não ilide a qualificação deles como segurado empregado” (REsp 2150803).

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) foi procurada pelo Valor, mas não deu retorno até o fechamento da edição.