Jurisprudência - TRT18 - Tribunal afasta condenação por dano moral após xingamento isolado de empregado a ex-patrão

Área: Pessoal Publicado em 30/07/2025

Fonte: Portal Migalhas 

Mulher atuou como missionária por cinco anos sem registro formal. Decisão considerou subordinação, habitualidade e remuneração.

Após atuar por cinco anos como missionária em uma igreja evangélica, sem carteira assinada e submetida a jornadas exaustivas, a esposa de um pastor teve reconhecido o vínculo de emprego com a instituição religiosa. A decisão é da 8ª câmara do TRT da 15ª região, que também condenou a igreja ao pagamento de verbas trabalhistas e de uma indenização por danos morais no valor de R$ 15 mil.

Jornada extensa, salário indireto e gravidez de risco

Durante o período em que prestou serviços à igreja, a trabalhadora exercia diversas funções administrativas, operacionais e de apoio à liderança religiosa. Seu expediente começava às 7h e se estendia até as 21h30, de domingo a sexta-feira, com folga apenas aos sábados. Dentre suas atribuições estavam o cuidado com a relação com os fiéis, a organização contábil da congregação, a contabilização de doações, a participação obrigatória em reuniões de pastores, mulheres e do ministério infantil, além de ser responsável pelas refeições diárias de bispos e pastores.

Em juízo, a autora relatou que o salário era depositado diretamente na conta do marido, pastor da mesma igreja, e afirmou que, desde o casamento, passou a trabalhar para a instituição por imposição: segundo ela, todas as esposas de pastores eram obrigadas a prestar serviços à congregação. Disse ainda que, caso descumprisse suas tarefas, o marido poderia sofrer punições, como rebaixamento ou transferência de cargo.

Mesmo grávida e em condição de risco, a missionária foi transferida para uma cidade a 1.358 quilômetros de sua residência, que não possuía estrutura médica adequada. O filho nasceu prematuramente e enfrentou intercorrências de saúde, o que motivou, além do pedido de vínculo empregatício, o pedido de indenização por dano moral.

A 3ª vara do Trabalho de Campinas, em 1ª instância, julgou os pedidos improcedentes, por entender que a mulher prestou serviços de natureza religiosa e voluntária, sem configurar vínculo de emprego. Inconformada, ela recorreu da decisão.

Relatório destaca subordinação e gênero

Ao julgar o recurso, a 8ª câmara do TRT da 15ª região entendeu que estavam presentes os elementos legais da relação de emprego - pessoalidade, subordinação, onerosidade e não eventualidade - e reconheceu o vínculo. A relatora, desembargadora Adriene Sidnei de Moura David, destacou que até mesmo a testemunha da própria igreja, ainda que com a intenção de caracterizar o trabalho como voluntário, confirmou a obrigatoriedade de atuação das esposas de pastores, a existência de remuneração fixa e a imposição de presença da autora em cultos diários, em diversos horários.

Segundo a magistrada, ficou claro que a trabalhadora "exercia, de fato, uma função dentro da organização da Igreja com atividades determinadas, amplas, diversificadas, com habitualidade, remuneração e subordinação", o que afasta a ideia de que estivesse apenas respondendo a um chamado vocacional ou auxiliando o marido por fé.

A decisão também aplicou os parâmetros do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero (resolução 492/23 do CNJ), ressaltando a necessidade de visibilizar e valorizar a atuação da mulher, que não pode ser tratada como simples extensão do trabalho do cônjuge. O colegiado ainda reconheceu o nexo causal entre a transferência forçada durante a gestação e os danos sofridos, responsabilizando a igreja pelos prejuízos.

Para a relatora, o caso evidencia como o trabalho de cuidado, frequentemente associado às mulheres, tende a ser precarizado e invisibilizado, o que torna ainda mais importante o reconhecimento da contribuição efetiva da autora na organização da igreja.

Diante desse contexto, o tribunal reformou a sentença de primeiro grau e condenou a igreja ao pagamento de verbas rescisórias, multa do art. 477 da CLT, horas extras com reflexos, indenização estabilitária e R$ 15 mil por danos morais.

Processo0010260-33.2021.5.15.0043