Do caviar aos ultraprocessados: veja propostas na reforma tributária para alimentos e Imposto Seletivo

Área: Fiscal Publicado em 22/04/2024

Do caviar aos ultraprocessados: veja propostas na reforma tributária para alimentos e Imposto Seletivo

Em meio à crise entre Legislativo e Executivo e à expectativa de que o governo federal encaminhe sua proposta de regulamentação da reforma tributária sobre consumo, 13 projetos de lei complementar (PLP) foram apresentados sobre o tema na Câmara dos Deputados para regular pontos da Emenda Constitucional 132/2 e tornam mais claro o tamanho do desafio da regulamentação das chamadas “exceções” aos novos tributos e também da regulamentação do Imposto Seletivo.

A tributação do que vai à mesa do brasileiro mostra bem o tamanho das polêmicas à frente. Um dos PLPs apresentados permite a inclusão na cesta básica de produtos como salmão, caviar e bacalhau. Já para o Imposto Seletivo, outro PLP traz quase que uma “camisa de força” para sua aplicação e propõe também uma introdução gradativa do tributo.

A reforma tributária sobre o consumo vai substituir os atuais tributos federais PIS, Cofins e IPI, além do ICMS estadual e do ISS municipal pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de cobrança da União, e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que será gerido conjuntamente por Estados e municípios. Além da CBS e do IBS, que são tributos sobre valor agregado, não cumulativos e que terão mesma base de cálculo e mesmo fato gerador, a reforma também cria o Imposto Seletivo (IS), a ser cobrado sobre bens e serviços com externalidades negativas para saúde e meio ambiente.

Os alimentos podem entrar em três “listas” de tratamento mais benéfico do IBS e da CBS e que prometem ser disputadas: a lista da cesta básica — que garante alíquota zero —, a lista da alíquota com redução de 60% ou a lista da alíquota com redução de 100%. Pelo conjunto dos projetos de lei apresentados na Câmara, bens e serviços dessas listas não só ficam com menor carga dos novos tributos como também podem ficam livres do Imposto Seletivo.

A expectativa é que o governo federal mande seus projetos de lei na semana que vem.

A forma como os projetos do governo e os PLPs já apresentados vão tramitar no Legislativo é outro ponto que poderá ser alvo de negociação difícil em meio ao atual ambiente conturbado entre Legislativo e Executivo, diz Júlio de Oliveira, tributarista do Machado Associados.

Para Oliveira, as proposições refletem a falta de maior abertura para participação dos diversos setores para debater “questões sensíveis” no processo de definição das propostas de regulamentação da reforma que serão apresentadas pelo governo federal. O processo acabou se concentrando mais na convergência de União, Estados e municípios.

Cada projeto já protocolado na Câmara dos Deputados se concentra em temas específicos, que vão desde a fiscalização dos novos tributos instituídos pela reforma até a Zona Franca de Manaus.

Parte dos PLs propõe regulamentação para os chamados regimes de “exceção” que foram criados pela Emenda Constitucional 132/23, como a Cesta Básica Nacional de Alimentos, o tratamento específicos e o diferenciado.

Para a cesta básica, o PLP 35/2024 traz uma lista dos “alimentos destinados a consumo humano ou utilizados na industrialização de produtos que se destinam ao consumo humano, independentemente da forma como apresentados”. Um lugar nessa lista será altamente disputado, já que os produtos contarão com alíquota zero do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).

Ao listar proteínas animais, o PLP 35/24, apresentado pelo deputado Pedro Lupion (PP-PR), permite que itens como salmão, carne de coelho, bacalhau e caviar entrem na cesta básica. Pelo texto as proteínas animas da cesta incluem “carne e demais produtos comestíveis frescos, resfriados, congelados, salgados, secos ou temperados, resultantes do abate de aves, leporídeos e gado bovino, bufalino, caprino, ovino e suínos, além de peixes, crustáceos e outros invertebrados aquáticos”.

A tributação de alimentos também é contemplada em outro PLP, de nº 48/2024, de autoria do deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), que traz proposta de regulamentação para o regime diferenciado. Nesse regime a emenda da reforma estabelece que os “alimentos destinados ao consumo humano” contarão com redução de 60% nas alíquotas do IBS e da CBS.

A definição do PLP para esses alimentos também é ampla: “toda substância que se ingere no estado natural, semi-elaborada ou elaborada, destinada ao consumo humano, incluídas as bebidas e qualquer outra substância utilizada em sua elaboração, preparo ou tratamento, excluídos os cosméticos, o tabaco e as substâncias utilizadas unicamente como medicamentos, desde quando o produto for caracterizado como tal, sendo efetivada até o recebimento pelo consumidor, independentemente do local e da forma pela qual for consumido”.

Um outro tratamento diferenciado da emenda da reforma tributária também prevê redução de 100% de IBS e CBS para “produtos hortícolas, frutas e ovos”. Nesse item, o PLP 48/2024 inclui “flores e plantas cultivadas para fins alimentares, ornamentais e medicinais relativo à horticultura”.

Na tributação dos alimentos, diz Oliveira, um tema que pode gerar discussão são os chamados produtos ultraprocessados. Há um grande debate, explica, sobre a tributação desse tipo de alimento pelo Imposto Seletivo e é um ponto que precisará ser definido nas discussões que envolvem a regulamentação dos regimes mais benéficos e o IS.

O Imposto Seletivo é também alvo de um dos PLPs da Câmara dos Deputados, o de nº 29/24, apresentado pelo deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP). Por essa proposta os bens e serviços com redução de alíquota de IBS e CBS ficam livres do IS, o que alcançaria os produtos da cesta básica, que têm alíquota reduzida a zero, e também os alimentos com redução de 60% ou 100%.

Oliveira ressalta que o PLP de Orleans e Bragança traz uma série de procedimentos para a cobrança do Imposto Seletivo. A proposta estabelece que a cobrança do IS deve ter “estudos prévios, de monitoramento e acompanhamento e avaliação de seus resultados”. Os estudos prévios, “deverão ser realizados, estruturados e organizados para fins de assegurar a participação pública na definição das finalidades, metas, alíquotas, indicadores e na análise do impacto do imposto”. O projeto estabelece, em vez da cobrança cheia, já de imediato, uma entrada gradativa para o Imposto Seletivo, que se iniciaria em 2027 e chegaria à alíquota integral em 2033.

O texto diz ainda, ressalta Oliveira, que os mecanismos de estudo prévio do IS deve ter, entre outras condições, “análise da definição da alíquota a partir de critério de proporcionalidade em relação à prejudicialidade à saúde ou ao meia ambiente e a essencialmente do bem ou serviço”.

“Provavelmente haverá um embate grande porque o governo deve atuar de forma a mudar isso.”

Para Oliveira, o PLP do Imposto Seletivo na verdade é uma reação ao texto “muito aberto” que foi estabelecido para o tributo na emenda da reforma.

“O texto da emenda permite que uma miríade de coisas sejam tributadas sob justificativa de externalidade negativa ao meio ambiente e à saúde. Ficamos com dois extremos: em um texto [da EC 132/23] pode tudo e no outro [no PLP 29/2024] não pode quase nada.”

Fonte: Valor Econômico