Dissolução irregular de empresas na alça de mira da PGFN
Área: Contábil Publicado em 07/03/2025A nova portaria da PGFN altera regras do PARR, reforçando a responsabilização de sócios em casos de dissolução irregular de empresas e ampliando a fiscalização.
A Portaria 1.160, de 29-7-2024, da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional - PGFN, altera o Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade - PARR - regulado pela portaria 948/17 e revoga a portaria 180/10 que dispunha sobre a matéria.
Ambas as portarias, a alterada e a revogada obedeciam ao princípio da estrita legalidade.
Segundo a portaria sob exame o PARR - Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade será instaurado por iniciativa da CDA - Coordenação-Geral da Dívida Ativa da União ou da CGR - Coordenação-Geral de Estratégia de Recuperação de Créditos mediante notificação do terceiro, cuja responsabilização se pretende apurar, por meio de carta eletrônica/correio e por edital no sítio da PGFN, considerando-se realizada após 15 dias da publicação do edital.
O terceiro notificado terá o prazo de 15 dias para apresentar sua impugnação por meio do REGULARIZE, contendo elementos aptos que comprovem a ausência de sua responsabilidade e cópias de documentos que sustentam as alegações do impugnante.
O PARR passou a ser instaurado a partir de novembro de 2024 como parte do programa de governo de otimizar a arrecadação tributária, para fazer face à espiral de despesas que não para de crescer, aprofundando dia a dia o déficit público. Outro instrumento normativo subalterno para arrecadar na base do susto estava representado pela INRFB nº 2.219/2024, que atentava contra expressa disposição do art. 6º da LC 105/01, foi revogado após reação do grande público a pretexto de que houve disseminação de fakes news em torno da taxação do Pix. Aquela INRFB de 2.219/24 interpretava isolada e literalmente o art. 5º da mencionada LC 105/02, sem a menor preocupação com sigilo de dados protegido pela Constituição Federal.
O governo Lula herdou o erário com superávit de cerca de R$ 700 milhões e, no primeiro ano de seu governo, Lula conseguiu a grande façanha de cavar um déficit fantástico de R$ 250 bilhões. Qual a mágica para isso?
Essa portaria de 1.160/24 mantém a aparência de legalidade, mas, na prática, verifica-se que alguns sócios de empresas já foram alvos de protesto no curso do prazo de defesa.
O alvo principal dessa malsinada portaria é a dissolução irregular de sociedade que implica, segundo a jurisprudência do STJ, a responsabilização dos sócios pelos créditos tributários preexistentes à referida dissolução, interpretando-se canhestramente o inciso III, do art. 135 CTN que, na realidade, somente responsabiliza pessoalmente o sócio pelas obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes, ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Não há responsabilidade objetiva em matéria tributária.
A dissolução irregular seria um "ato ilegal", mas ela, por si só, não pode implicar responsabilização pelos créditos tributários existentes antes desse "ato ilegal", mas só pelos créditos tributários dele decorrentes.
A "dissolução irregular" não é fato gerador de obrigação tributária principal. Pode, quando muito, caracterizar descumprimento da obrigação acessória, desde que expressamente prevista em lei.
O que os agentes fazendários e os senhores magistrados têm que saber é que a insolvência, que inviabiliza o prosseguimento da atividade econômica, não é algo que dependa da vontade do empresário. Ela ocorre por condições de mercado, pela retração da economia e outros fatores que escapam do controle do empresário. Ninguém deseja simplesmente baixar as portas de seu estabelecimento comercial.
O empresário em dificuldade financeira elege a prioridade no emprego do dinheiro disponível. Em primeiro lugar, o pagamento da folha; em segundo lugar, o pagamento de fornecedores por razões óbvias. Em último lugar, o fisco.
Mesmo assim, não tendo condições financeiras para prosseguir na atividade empresarial, porque caiu na insolvência total ao ponto de não conseguir qualquer empréstimo bancário, não resta outra alternativa aos sócios senão baixar as portas do estabelecimento.
Mas, esse fato é considerado dissolução irregular ao teor da súmula 435 o STJ:
"Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente".
O redirecionamento automático da execução, por sua vez, contraria dispositivos do Código Civil e do CPC:
Art. 50 do CC:
"Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica".
Art. 133 do CPC:
"O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo"
Art. 135 do CPC:
"Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias"
Art. 137 do CPC:
"Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude a execução, será ineficaz em relação ao requerente".
E mais, enquanto as 1ª e 2ª turmas do STJ exige a prévia instauração do IDPJ, as 3ª e 4ª turmas do mesmo STJ promovem redirecionamento direto da execução, confundindo os bens da sociedade com os bens dos sócios que a compõem.
Outrossim, baixa da empresa na Junta Comercial, como quer a jurisprudência do STJ, requer pagamento prévio de todos os créditos tributários, para a obtenção da certidão negativa exigida pela Junta Comercial para dar baixa regular da firma.
Ora, isso equivale a exigência de pagamento prévio de todos os credores como condição para requerer a recuperação judicial. É coisa insana!
Impõe-se a revisão da jurisprudência do STJ que caracteriza a dissolução irregular se cerrar as portas do estabelecimento sem comunicar o seu novo endereço, como se a empresa insolvente estivesse mudando para um lugar mais privilegiado.
Outrossim, a responsabilização dos sócios nesse caso de dissolução irregular por todos os créditos tributários existentes na sociedade insolvente inova a lei significando o acréscimo do inciso IV ao elenco do art. 135 do CTN, assim mesmo contrariando o disposto no caput que somente permite a responsabilização do sócio pelos créditos tributários resultantes de excesso de poder, infração de lei, contrato social ou estatutos.
É lamentável que a PGFN faça uso de uma jurisprudência ilegal para penalizar sócios de empresas para arrecadar por via de sanção política.
Kiyoshi Harada
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Fonte: Migalhas.com