Resgate de VGBL por morte do titular: da possibilidade de isenção do IRPF sob a ótica jurisprudencial
Área: Contábil Publicado em 25/07/2025A complexa teia tributária brasileira, frequentemente palco de debates e divergências interpretativas, tem visto um avanço significativo no entendimento acerca da tributação de planos de previdência privada, em especial o Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL). Recentemente, a jurisprudência, notadamente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tem solidificado a tese de que os valores recebidos pelos beneficiários de VGBL, em decorrência do falecimento do titular, não devem sofrer a incidência do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), reforçando sua natureza indenizatória e securitária em detrimento da classificação como renda tributável.
Inicialmente concebido como um seguro de vida com cobertura por sobrevivência pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), o VGBL tem sua natureza jurídica profundamente debatida no cenário jurídico-tributário. Embora formalmente classificado como produto de seguro, o STJ corrobora essa compreensão ao afirmar que o VGBL “tem natureza jurídica de contrato de seguro de vida”.
Uma implicação fundamental dessa classificação é a sua exclusão da partilha da herança, conforme o Artigo 794 do Código Civil, que estabelece que o capital estipulado em seguro de vida não é considerado herança para todos os efeitos de direito. Esse entendimento foi consolidado pelo STF no Tema 1.214 (RE 1.363.013/RJ), que declarou a inconstitucionalidade da cobrança de Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre a transferência de valores de VGBL ou PGBL aos beneficiários em caso de falecimento do titular. Essa decisão é crucial, pois desvincula esses pagamentos de bens herdados tradicionalmente sujeitos a impostos de transmissão causa mortis.
Caráter dos planos de previdência complementar
Contudo, a jurisprudência, em especial do STJ e dos Tribunais Regionais Federais da 3ª e 5ª [1] Região, tem reconhecido o caráter “multifacetado” dos planos de previdência complementar aberta, incluindo o VGBL, abrangendo “tanto aspectos securitários quanto previdenciários”. Esse reconhecimento de uma natureza dual permite uma interpretação mais ampla do propósito do VGBL, abrindo caminho para argumentos relacionados a isenções de previdência privada e equiparando-o funcionalmente ao PGBL na acumulação de recursos para prover renda ou pagamento único.
O cerne da tese da não incidência reside no artigo 6º, inciso VII, da Lei nº 7.713/1988, que isenta do IRPF os “seguros recebidos de entidades de previdência privada em razão de morte ou invalidez permanente do participante”. Essa isenção é reiterada pelo artigo 35, II, alínea “l”, do Decreto nº 9.580/2018.
O desafio interpretativo para o VGBL reside na sua classificação formal como “seguro de vida”, e não diretamente como “previdência privada” para todos os fins. No entanto, a intenção legislativa de proporcionar alívio financeiro em momentos de vulnerabilidade é clara, distinguindo esses pagamentos de rendimentos regulares.
Equivalência do resgate de valores de VGBL
Crucialmente, a jurisprudência tem consolidado a equivalência do “resgate” de valores de VGBL por morte ao recebimento de um “benefício” de uma entidade de previdência complementar. O TRF-3, em diversas decisões [2], tem afirmado que “resgate é equivalente ao recebimento de benefício de entidade de previdência complementar”. Essa interpretação é vital, pois harmoniza o termo formal “resgate” (frequentemente associado a saques tributáveis) com o “benefício” (explicitamente isento pela lei).
O STJ tem reforçado essa linha de raciocínio, entendendo que os valores de resgate de VGBL e PGBL possuem uma “natureza secundária”, o que os enquadra no escopo da isenção. Isso implica que a forma de pagamento (resgate em parcela única ou renda periódica) não deve alterar o status de isenção fiscal quando o evento gerador é a morte ou invalidez permanente. O TRF-3 ainda salienta que o “caráter securitário” [3] dos valores aplicados nesses planos, seja como benefício ou resgate, assegura o alinhamento com a isenção do artigo 6º, VII, da Lei nº 7.713/1988, ao focar no evento que gera o pagamento, e não no mecanismo de desembolso.
A tese da isenção do IRPF sobre o VGBL por morte tem encontrado respaldo robusto nos tribunais. Um precedente de grande relevância é o Agravo em Recurso Especial (AREsp) nº 2734276 – SP, onde a Fazenda Nacional buscou reverter acórdão do TRF-3 que havia reconhecido a isenção. A ementa do TRF-3, mantida pelo STJ, é categórica:
“TRIBUTÁRIO – IMPOSTO SOBRE A RENDA – RESGATE DE VGBL E PGBL – MORTE DO CONTRATANTE – ISENÇÃO 1. É isento da exação do imposto de renda o resgate de planos de previdência privada decorrente da morte ou invalidez permanente, a teor do artigo 6o, VII, da Lei n° 7.713/1988 e artigo 35, II, alínea ‘I’. do Decreto 9.580/2018 (Regulamento do Imposto de Renda). 2. A União sustenta que a isenção do Imposto de Renda só se aplica aos benefícios e não ao resgate dos valores. Ocorre que, o legislador não diferenciou entre resgate e benefício, assim não cabe ao interprete fazê-lo. 3. O Egrégio Superior Tribunal de Justiça tem decidido que os valores de resgate de VGBL e PGBL se revestem de natureza secundária, entendimento que foi sintetizado na Ementa do REsp 1.961.488/RS. 4. Existindo expressa previsão legal para isenção do Imposto de Renda sobre os valores recebidos de plano de previdência privada, sendo que o artigo 176, caput, do Código Tributário Nacional, prescreve que as isenções decorrem da lei e devem atender aos requisitos e condições legais. Assim, os impetrantes possuem direito a isenção sobre o resgate dos valores de VGBL e PGBL, objeto da presente ação. 5. Apelação e remessa oficial não providas.”
A decisão do STJ no AREsp nº 2734276 – SP, ao negar provimento ao recurso da Fazenda Nacional, reafirma que a isenção aplica-se tanto a “benefícios” quanto a “resgates”, pois o legislador não fez essa distinção, e que os valores de VGBL/PGBL possuem “natureza secundária”. Essa decisão é particularmente relevante por tratar diretamente da isenção por morte (artigo 6º, VII) e por rechaçar a tentativa da Fazenda Nacional de restringir a isenção apenas a “benefícios”, não a “resgates”.
Além disso, o STJ já havia se posicionado favoravelmente à isenção de IRPF para portadores de moléstias graves em resgates de VGBL e PGBL (artigo 6º, XIV), considerando ambos os planos dentro da definição de previdência complementar privada. O princípio subjacente é que a distinção formal entre VGBL e PGBL não deve impedir a aplicação de isenções fiscais baseadas em sua similaridade funcional. Essa lógica é perfeitamente aplicável à isenção por morte.
Decisões dos tribunais federais
Os Tribunais Regionais Federais têm acompanhado esse entendimento. O TRF-2, por exemplo, tem proferido decisões [4] reconhecendo a isenção de IRPF sobre VGBL em casos de moléstia grave, rejeitando argumentos da União sobre a natureza jurídica do VGBL e classificando-o como rendimento isento e não tributável.
Apesar da consolidação jurisprudencial favorável, ainda existem posições divergentes, como a do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que tem um entendimento desfavorável à isenção. O Carf argumenta que o VGBL possui natureza jurídica de seguro e não de previdência complementar, o que o afastaria da isenção do IR prevista, por exemplo, para moléstia grave.
Entretanto, as decisões administrativas do Carf, assim como decisões judiciais, não se constituem em normas gerais e seus julgados não se aproveitam em relação a qualquer outra ocorrência senão aquela objeto da decisão, exceto as decisões do STF sobre inconstitucionalidade. Dessa forma, o posicionamento do Carf não se sobrepõe à pacificação da jurisprudência dos tribunais superiores.
Isenção em momentos de fragilidade
A tese da não incidência do Imposto de Renda sobre os valores de VGBL recebidos pelos beneficiários em razão da morte do titular encontra sólido respaldo na legislação e, principalmente, na jurisprudência dos tribunais superiores. A interpretação extensiva e teleológica do artigo 6º, inciso VII, da Lei nº 7.713/88, aliada ao reconhecimento da natureza multifacetada do VGBL e à equivalência de “resgate” a “benefício” para fins de isenção, garante a proteção dos beneficiários em um momento de fragilidade.
A recente decisão do STJ no AREsp nº 2734276 – SP reforça a concretização em andamento desse entendimento, consolidando o direito à isenção e afastando a pretensão da Fazenda Nacional de tributar esses valores. É imperativo que os contribuintes estejam cientes desse panorama favorável para buscar a restituição de valores indevidamente retidos ou para garantir a correta aplicação da isenção em suas declarações futuras a partir da orientação de profissionais tributaristas especializados.
[1] PROCESSO: 08174758020234058300, APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO ALVES DOS SANTOS JÚNIOR, 5ª TURMA, JULGAMENTO: 11/03/2025
[2] TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApCiv – APELAÇÃO CÍVEL – 5002020-36.2023.4.03.6115, Rel. Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, julgado em 27/03/2025, DJEN DATA: 02/04/2025
[3] TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApelRemNec – APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA – 5016885-75.2024.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal LUIZ ALBERTO DE SOUZA RIBEIRO, julgado em 16/06/2025, DJEN DATA: 25/06/2025
[4] TRF2, Apelação/Remessa Necessária, 5073412-98.2023.4.02.5101, Rel. PAULO LEITE, 3a. TURMA ESPECIALIZADA, Rel. do Acordao – PAULO LEITE, julgado em 21/10/2024, DJe 24/10/2024 22:27:57
TRF2, Apelação Cível, 5070494-29.2020.4.02.5101, Rel. LUIZ ANTONIO SOARES, Assessoria de Recursos , Rel. do Acordao – LUIZ ANTONIO SOARES, julgado em 25/04/2023, DJe 08/05/2023 15:02:46
Fonte: Conjur