Advocacia no Simples Nacional: alento ou armadilha?

Área: Contábil Publicado em 13/07/2020 | Atualizado em 23/10/2023 Imagem coluna Foto: Divulgação
Fonte: Consultor Jurídico
https://www.conjur.com.br/2020-mai-28/josimar-souza-advocacia-simples-nacional

As atividades desenvolvidas por profissionais liberais sempre foram vistas pelo Fisco (e uma considerável parte da sociedade) como lucrativas e sob as quais o peso tributário deveria ser acentuado. Lembro-me bem, no manejo de uma ação, em causa própria, talvez a primeira depois de formado, que a nobre magistrada negou-me gratuidade processual — ainda que demonstrada a paupérrima situação financeira — e asseverou em sua decisão o fato de a ação estar sendo movida por um advogado solteiro, concluindo que o ofício advocatício se mostrava lucrativo. Exatamente isto, foi o arremate.

Por tempos houve uma presunção quase absoluta de que o exercício de profissões regulamentadas como de advogado, contador, corretor de imóveis, engenheiro, fisioterapeuta, jornalista, entre outras, revelavam-se atividades muito rentáveis, desmerecendo, portanto, a benesse jurídica outorgada pelo artigo 170, inciso IX da Constituição Federal [1].

No âmbito empresarial, ancorando-se na Constituição Federal, vimos o aflorar da Lei nº 9.317/1996, que criou o sistema integrado de pagamento de impostos e contribuições conhecido como o regime tributário das microempresas e empresas de pequeno porte (Simples). Durante sua vigência, os entes federados aduziram um emaranhado de regras específicas com o intuito de complementar a lei federal, para os mais antigos, falávamos de Simples Federal e Simples Estadual.

Os critérios definidores de microempresa e empresa de pequeno porte eram obtidos pelo montante da receita bruta anual fixados em R$ 120 mil e R$ 240 mil, respectivamente [2]. Posteriormente, a Lei nº 9.317/1996 foi revogada, instituindo-se através da Lei Complementar nº 123/2006 o Supersimples, ou, como a lei estatuiu: regime tributário do Simples Nacional.

Muitas profissões regulamentadas, não se exaurindo nas citadas, foram gradualmente recebendo permissão para optarem pelo Simples Nacional, cabendo a estas, analisadas as particularidades e as névoas que pairavam sobre a regulamentação não tão simples do Simples Nacional aderirem ou não. Diga-se isso pois a revolucionária legislação trouxe caminhos espinhosos nas entrelinhas de seus muitos artigos que, se não observados, podem levar o empresário a arcar com uma carga tributária ainda maior que em outro regime que não tenha "todas essas facilidades".

Pois bem. A classe jurídica, restrinja-se aos advogados, em campanha encetada pelo CFOAB, laborou com fervor para que a atividade advocatícia fosse incluída no Simples Nacional, e obteve êxito. Mas, registre-se, a União Federal lutou bravamente contra. Após o tramitar burocrático nos órgãos de registro, o próximo passo era pedir o enquadramento no Simples Nacional. Ocorre que a Receita Federal negava em unanimidade os pleitos. Segundo o Fisco, o artigo 3º da LC nº 123/2006 [3] deveria ser interpretado restritivamente, visto que a atividade advocatícia apresentava peculiaridades que desautorizavam o tratamento tributário diferenciado. O pleito da advocacia vingou, assentando-se em decisão da 5ª Vara Federal do Distrito Federal (TRF da 1ª Região) [4] a inclusão irretratável da atividade advocatícia no Simples Nacional.

Feitas as considerações históricas, cumpre-nos destacar que nem tudo é motivo para festejo. Os prestadores de serviços que optam pelo Simples Nacional têm aspectos tributários, dentro do mesmo regime, bem diversificados. A título ilustrativo, e até superficialmente [5], notamos que escritórios de contabilidade são tributados com base nas alíquotas do anexo III e os escritórios de advocacia são tributados com base no anexo IV do Simples Nacional [6]. Há razão concreta? Temos dúvidas [7].

A partir daí, temos visto, tristemente, muitos colegas esbarrarem em questões sensíveis da dinâmica empresarial. Atua-se, com frequência, sem distinguir a pessoa jurídica (sociedade unipessoal) da figura (física) do advogado, ainda que saibamos que aquela só exista em razão deste. Compreenda-se, ainda que pareça óbvio, que o tema tem sido deixado em segundo plano, pois muitos colegas têm embaralhado os honorários recebidos da PJ e da PF. Por vezes, emite-se a nota fiscal pela sociedade unipessoal, mas o dinheiro é depositado na conta bancária da pessoa física. Noutro momento, os clientes depositam honorários na conta bancária da PJ, mas o advogado utiliza os dinheiros indiscriminadamente, ou seja, sem fazer distribuição de lucros ou retirada de pro-labore, despreocupando-se, talvez por ignorância, que está praticando confusão patrimonial ao manter indistintos os patrimônios da pessoa jurídica e pessoa física, fato que poderá causar, como bem sabemos, inúmeros problemas na vida financeira (e pessoal) do profissional.

Desse modo, a par do equívoco mais corriqueiro, é de suma importância que o advogado saiba (e pratique no dia a dia) que os valores recebidos através da sociedade unipessoal de advocacia não podem ser utilizados pelo advogado se não houver distribuição do lucro ou pagamento de pro-labore pela pessoa jurídica. Acrescendo-se que, retirando dinheiros da conta bancária da pessoa jurídica (como, por exemplo, o pro-labore mensal), estes devem ser submetidos à incidência de impostos e contribuições. Vejamos:

a) Contribuição Previdenciária de 11% (artigo 21, §2º, inciso I, da Lei nº 8.212/1991);

b) Contribuição Previdenciária Patronal de 20% (artigo 22, inciso I, da Lei nº 8.212/1991);

c) Contribuição de Terceiros (conhecido como Sistema S [8], que pode chegar a 5,8%);

d) Contribuição RAT — de Riscos Ambientais do Trabalho — variando de 1% a 3% (artigo 22, inciso II, da Lei nº 8.212/1991);

e) IRPF (observada a progressividade em tabela do artigo 1º, inciso IX, da Lei nº 11.482/2007).

Nesse sentido, ilustrativamente, se a sociedade unipessoal de advocacia faturou no mês R$ 6 mil e "pagou" ao sócio, a título de pro-labore, o valor de R$ 5 mil, teremos o seguinte quadro:

Pro-labore: R$ 5 mil.

a) Contribuição Previdenciária do advogado (11%): R$ 550;

b) Contribuição Previdenciária Patronal (20%): R$ 1 mil;

c) Contribuição ao Sistema S [9] (5,8%): R$ 290;

d) Contribuição RAT (1% a 3%): R$ 50;

e) Imposto de Renda (22,5% — redutor R$ 636,13): R$ 365,12;

f) Simples Nacional (4,5%): R$ 270.

Portanto, sobre os R$ 5 mil que o advogado utilizou (ou recebeu), terá que pagar como PF o valor de R$ 915,12 (soma dos itens "a" + "e"). Como PJ pagará o valor de R$ 1.610 (soma dos itens "b" + "c" + "d" + "f"). No total, pagará R$ 2.525,12. Desse modo, terá desembolsado a título de impostos e contribuições quase a metade do que ganhou [10].

O tema é importante por dois aspectos: I) pela armadilha do que se vende como simples, mas que, em verdade, é extremamente complicado e camufla meios de onerar (e tributar) com voracidade os serviços advocatícios [11], opondo-se flagrantemente ao objetivo inscrito no artigo 170, IX, da Constituição Federal; e II) pela ausência de planejamento (e descuido) do advogado que se vale da sociedade unipessoal como se fosse uma mera extensão do seu ofício (sem implicância jurídica), despreocupando-se, por conseguinte, dos aspectos tributários.

Por fim, reconhecemos que o regime tributário do Simples Nacional, enquanto agregador de vários impostos, contribuições e inúmeras obrigações acessórias, pode desonerar e formalizar juridicamente milhares de advogados, especialmente quando comparado com outros regimes de tributação (Lucro Presumido, Lucro Real e Lucro Arbitrado). No entanto, há uma sensível (e quase incolor) nódoa que acaba passando despercebida pela classe dos advogados mas requer cuidado. Solução? Uma delas é o planejamento tributário.

Reconheça-se que é uma aspiração legítima o anseio do advogado pelo crescimento econômico, aliás extensível a todo empresário brasileiro. Contudo, parece-nos que a compreensão de crescimento econômico, do qual decorre a produção de riquezas, é tema incompreensível na Fazenda, pois a cegueira arrecadatória avança com ímpeto esfuziante. No lugar de apoiar o empreendedor, seja em qual matiz atue (comércio, indústria ou serviço), permitindo-se a estruturação do negócio, sem que o peso dos tributos determine sua derrocada precoce, vimos que o comportamento predatório do Estado asfixia o pequeno empresário desde o nascedouro, mutatis mutandis, retira-se da terra tudo, absolutamente tudo o que ela pode fornecer, depois a inutiliza-se ou, no mais das vezes, dá-se uma destinação inglória: servirá de pasto ao rebanho. Entre nós: a informalidade.

Nesse compasso, enquanto a construção de leis não outorgar proteção ampla e estruturante para pequenos empresários, incluindo as profissões regulamentadas, teremos a desfiguração de leis com favorecimento de grupos que têm melhor capacidade de representação legislativa. Por ora, sentimos o peso do sistema simplificado que dá tratamento favorecido e diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte.


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