A escolha (nada óbvia) do regime tributário para startups
Área: Contábil Publicado em 05/09/2025Até mesmo o regime do Simples Nacional pode se tornar mais complexo
A constituição de uma startup no Brasil navega em um ambiente de dualidades. De um lado, o legislador cria mecanismos, como o Marco Legal das Startups (Lei Complementar 182/2021) e o Inova Simples (Lei Complementar 167/2019), buscando fomentar a inovação.
De outro, há complexidade no sistema tributário. Assim, a escolha do regime de tributação que poderia ser uma mera formalidade contábil, trata-se, em verdade, de uma decisão estratégica.
Inova Simples no fomento à inovação
O regime tributário do Inova Simples foi projetado para permitir a formalização ágil de modelos de negócio inovadores. Sua premissa é clara: um CNPJ rápido, de baixo custo, para uma operação em fase “experimental".
Os números oficiais, no entanto, podem gerar um debate sobre a efetividade. Dados disponibilizados pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC) indicam que, até o final de 2023, o país contava com 2.563 empresas ativas no Inova Simples. Embora demonstre alguma tração e ainda não tenham sido disponibilizadas as estimativas relativas à 2024, o número já se mostrava tímido frente ao universo de startups em atividade e em comparação aos anos anteriores.
Mas, afinal, a baixa adesão das startups ao Inova Simples seria fruto de desconhecimento ou da limitação imposta pelo teto de faturamento de R$81mil anuais, que torna o regime um estágio excessivamente curto para negócios com qualquer grau de escala? Acredito que a justificativa seja uma conjugação de ambas as situações.
O paradoxo do Simples Nacional para startups
Ao esgotar o teto do Inova Simples (R$ 81 mil), a transição para o Simples Nacional é frequentemente vista como o passo natural da startup. Contudo, para uma startup — especialmente as com planos de captação de investimento — essa escolha pode ser uma armadilha.
Uma das principais controvérsias nasce da complexa regra sobre os créditos de PIS e Cofins. A Lei Complementar 123/2006, em seu artigo 23, veda de forma geral que empresas do Simples Nacional transfiram créditos. Contudo, uma interpretação posterior da Receita Federal (Ato Declaratório Interpretativo 15/2007) permite que um cliente no regime de Lucro Real se credite, mas com uma condição crucial: a aquisição deve ser classificada como insumo para sua própria atividade.
Além disso, o regime tributa o faturamento bruto e não o lucro. Portanto, mesmo que não haja restrição advinda do objeto social, condição dos sócios, porte da empresa e natureza jurídica, em um modelo de negócio que reinveste em crescimento e/ou opera com prejuízo nos primeiros anos, a startup acaba sendo penalizada em detrimento da facilidade contábil.
Nesse cenário, por exemplo, o Lucro Real serviria como uma ferramenta estratégica. Ao tributar o resultado líquido, ele se alinha perfeitamente à jornada de uma startup que reinveste todo o seu caixa em prol do crescimento.
Complexidade contábil como vantagem tributária estratégica
Para ilustrar que a escolha do regime tributário para startups não é algo óbvio e imediato, vale analisar (ainda que em termos gerais) a Pipefy – unicórnio curitibano constituído em 2014 e que, por sua natureza, exemplifica a lógica de startups que nunca optaram pelo Simples Nacional.
A Pipefy oferece uma plataforma global de software como serviço (SaaS) que permite a automação de processos sem a necessidade de programação. Seus clientes são, majoritariamente, empresas de médio e grande porte.
Ainda que sua atividade de software fosse legalmente permitida no Simples Nacional, a escolha seria estrategicamente desastrosa, já que para a startup competir globalmente e atrair grandes clientes empresariais exige-se, desde o início, uma análise tributária atrelada ao modelo de crescimento, baseado em altos investimentos em tecnologia e expansão.
Em casos como esses, é comum verificar prejuízo nos primeiros anos de atuação. À vista disso, o Lucro Real poderia ser o regime potencialmente mais vantajoso. Contudo, passando a obter ganhos, importa realizar análise detalhada, comparando os custos e investimentos com a própria margem de lucratividade da startup (e futuro unicórnio, tal como no caso da Pipefy).
Portanto, a recomendação pelo Simples Nacional, por sua aparente facilidade operacional, pode ser vantajosa para a rotina da contábil, mas, na maior parte das vezes, é prejudicial ao crescimento estratégico da startup.
Novo contexto com a reforma tributária
A reforma tributária, advinda da Emenda Constitucional 132/2023, aprofunda a complexidade para as empresas do Simples Nacional. A promessa de resolver o problema do crédito de PIS/Cofins com o novo IVA Dual (IBS e CBS) não é uma solução automática, mas sim um novo dilema estratégico às empresas.
A Lei Complementar 214/2025, que regulamenta o novo sistema, instituiu uma bifurcação de caminhos para as empresas optantes pelo Simples Nacional, criando duas possibilidades:
1) Apuração unificada pelo Simples Nacional
A empresa pode optar por continuar recolhendo seus tributos de forma unificada no Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS).
Neste caso, para não quebrar a cadeia não-cumulativa do novo imposto, o art. 47 da LC 214/2025 estabelece no §9º, inciso II que o adquirente da mercadoria ou serviço (o cliente da startup) terá direito “a apropriação de créditos do IBS e da CBS, correspondentes aos valores desses tributos devidos por meio do Simples Nacional” (sic).
Sendo assim, a empresa optante pela tributação unificada, não aproveita créditos de CBS e IBS em suas aquisições, somente o posterior adquirente dos seus produtos ou serviços, mas de modo limitado ao montante apurado via Simples Nacional.
2) Opção de apuração da CBS e do IBS pelo regime geral
Alternativamente, o art. 21, § 1º da LC 214/2025, permite que a empresa do Simples Nacional opte por apurar o IBS e a CBS pelo regime geral de débitos e créditos, enquanto mantém os demais impostos (IRPJ, CSLL e CPP) na sistemática unificada.
A vantagem é clara: a startup passa a aproveitar (na aquisição de insumos) e a gerar o crédito integral do imposto ao adquirente. Tal possibilidade elimina a limitação de crédito descrita no item anterior. O contraponto é a perda da simplicidade, pois o negócio terá que gerenciar a complexa apuração do IVA-dual e suas novas obrigações acessórias.
Além dessas opções, a LC 214/2025 ainda introduz impactos operacionais relevantes, como a necessidade de adequação ao sistema de pagamento dividido do imposto (split payment) e a ampliação do conceito de receita bruta, que pode afetar o enquadramento no regime.
Diante dos apontamentos acima, uma conclusão é fato.
Até mesmo o regime do Simples Nacional – que resolveria a trava de faturamento do Inova Simples e, na maioria das vezes é escolhido por simplicidade contábil – pode se tornar mais complexo, não mais servindo de justificativa para deixar de realizar um detalhado planejamento tributário.
Nestes moldes, assim como não se recomenda a escolha do regime tributário por facilidade contábil, não há fundamento lógico para exigir que tal escolha seja procedida no ato do registro do CNPJ.
O planejamento tributário, para ser efetivo, precisa caminhar em conjunto com o planejamento estratégico da empresa e isso envolve uma análise detalhada, considerando não somente a redução de custo, mas todo o contexto empresarial.
Autor(a): Isabela Cristina Berger
Fonte: Fonte: Jota