Uma proposta de contencioso célere, democrático e previsível para IBS e CBS

Área: Fiscal Publicado em 18/10/2024

Uma proposta de contencioso célere, democrático e previsível para IBS e CBS

Promulgada a reforma da tributação do consumo e iniciada a fase de sua regulamentação[1], paira a dúvida sobre como será o contencioso judicial do IBS e da CBS, pois se trata de um IVA dual, metade de competência dos estados, Distrito Federal e municípios, e a outra metade da União.

Partindo-se do pressuposto de que a harmonização prévia ao contencioso administrativo, proposta no PLP 68[2], e que o contencioso administrativo propriamente dito, que virá na sequência, como regulamentado no PLP 108[3], não vão dirimir todas as controvérsias geradas pelo IBS/CBS, o Judiciário será provocado a resolvê-las, pois é quem o faz em definitivo, em razão da cláusula pétrea da inafastabilidade da jurisdição.[4]

Se tudo continuar como está hoje, para as situações de litígio comum ao IBS/CBS, os contribuintes terão que ajuizar duas ações judiciais, uma na justiça estadual e outra na federal, para discutir o mesmo e idêntico fato. Como tal consequência fere a lógica mais comezinha, o atual advogado-geral da União entregou ao presidente do STF, no dia 14 de março de 2024, minuta de uma proposta de emenda à Constituição, que passou a ser apelidada “minirreforma do Judiciário”.

Primeiro, propõe a criação de um controle concentrado de legalidade no âmbito do STJ, a partir de uma ação declaratória de legalidade ou de ilegalidade de ato normativo ou de interpretação de lei federal, exclusivamente para questões relacionadas ao IBS/CBS.

Depois, no âmbito do controle difuso de constitucionalidade, busca coibir a pulverização de ações que questionarão aspectos do IBS/CBS país afora, possibilitando a criação de órgãos judiciários especializados, em primeiro e segundo graus, com competência sobre todo o território nacional, para decidir, inicialmente, somente sobre IBS/CBS. [5]

Mas sugere a criação de tais órgãos no âmbito da Justiça Federal.

Caso a referida proposta comece formalmente a tramitar e, eventualmente, venha a ser assim promulgada, isto implicará em uma drástica amputação de competência da magistratura estadual de todo o país, em primeiro e segundo graus de jurisdição.

É que, como o ICMS, principal fonte de receita dos estados, e o ISS, o imposto de maior arrecadação dos municípios de médio e grande porte, se converterão no IBS, passará a ser decidido pela Justiça Federal, conforme pretendido naquela PEC. À Justiça Estadual restará apenas o julgamento dos tributos de menor expressão econômica, quais sejam, o ITCD, o IPVA, o IPTU e o ITBI, além das taxas estaduais e municipais, o que não pode ser aceito, à evidência. E isto sem falar nas repercussões federativas da ideia.

Mas a proposta acerta na necessidade de criação de um fórum judicial de abrangência nacional, em que se possam concentrar as discussões e pacificar as divergências daqueles dois tributos.

Em outra oportunidade, neste espaço, sugerimos a criação de Núcleos de Justiça 4.0, integrados por magistrados federais e estaduais, em primeiro e segundo graus de jurisdição, com competência especializada e abrangência nacional para tanto.[6]

Em cada uma das seis regiões da Justiça Federal do país, haveria um núcleo em primeiro grau, integrando juízes federais e estaduais, e outro em segundo grau, unindo desembargadores federais e estaduais, especialistas no assunto, quantos fossem necessários, de acordo com a demanda processual em cada região, com competência exclusiva para julgarem CBS/IBS. Eventualmente, pode-se pensar em um único núcleo, com abrangência nacional, como proposto naquela PEC.

Pode-se definir que as decisões proferidas por tais magistrados, tanto em primeiro quanto em segundo graus, sejam monocráticas ou colegiadas, conforme se pretenda priorizar o aspecto democrático ou a celeridade processual. E tal modelo precisaria ser validado por uma emenda à Constituição, pois apenas magistrados federais podem decidir litígios oriundos de tributos federais[7].

Destarte, da mesma forma que aquela proposta encaminhada pelo governo federal sugeriu o acréscimo de uma alínea XII ao artigo 109 da CR/88, para dizer que “aos juízes federais compete processar e julgar as causas relativas aos tributos previstos nos arts. 195, V e art. 156-A, nos termos da lei”, poderia-se estabelecer, ao invés, que a tais núcleos, integrados por magistrados federais e estaduais, competirá o julgamento do IBS e da CBS.

Mas, se referidos núcleos não integrarão a estrutura da Justiça Federal, estariam vinculados a qual órgão ou tribunal? Por que não ao Superior Tribunal de Justiça?

Como é cediço, uma de suas principais atribuições consiste em uniformizar a interpretação da lei federal em todo o país,[8] exatamente o que aqui se pretende em relação ao IBS/CBS. E tal Corte Superior, inclusive, já foi eleita, pelo constituinte derivado, como o foro originário para processar e julgar os conflitos entre entes federativos, ou entre estes e o Comitê Gestor do IBS, relacionados à sistemática do IBS/CBS.[9]

Assim como já funcionam junto ao STJ a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) e o Conselho da Justiça Federal (CJF),[10] por que não poderiam igualmente funcionar os Núcleos de Justiça 4.0, dedicados ao julgamento exclusivo dos tributos gêmeos?

Inclusive porque, caso as divergências interpretativas entre IBS/CBS persistam após os julgamentos em primeiro e segundo graus de jurisdição, os recursos especiais eventualmente admitidos serão decididos por aquele Tribunal Superior. Ou seja, toda a estrutura de julgamento do IBS/CBS, tanto no controle difuso, quanto no concentrado, estaria unificada sob a governança do STJ.

E como seria o recrutamento de magistrados para tais núcleos?

Os magistrados federais e estaduais que integrarão os Núcleos de Justiça 4.0 em primeiro e segundo graus de jurisdição serão cedidos por seus tribunais de origem. Assim é feito atualmente e com frequência quanto a magistrados que passam a funcionar como juízes instrutores ou auxiliares em tribunais superiores.

Mas, para os núcleos, recomenda-se um processo seletivo – ainda que simplificado – como forma de garantir-se isonomia entre os interessados. A Enfam, que estaria igualmente albergada sob a estrutura do STJ, poderia conduzir o procedimento.

Muitas outras questões desafiam o modelo ora proposto. Algumas delas foram muito bem formuladas pela procuradora do Distrito Federal Luciana Marques Vieira da Silva Oliveira, também neste espaço.[11]

A título de exemplo: 1) Sendo o IBS nacional e só se sabendo ao final da cadeia de consumo (princípio do destino) a quais entes será devido, quem deve ser o(s) réu(s) em uma ação declaratória ou a autoridade coatora em um mandado de segurança? 2) Caberá ao contribuinte escolher o estado ou município contra quem litigará no IBS? 3) A razão de decidir das ADIs 5.492 e 5.737 e do ARE 1.327.576 (repercussão geral) deverá ser superada?

São perguntas – dentre outras – que acreditamos possam ser respondidas a contento pelo modelo ora proposto, como se terá oportunidade de demonstrar em momento oportuno.

Mas não se pode encerrar sem dizer, por essencial, que o novo contencioso judicial do IBS/CBS precisa dialogar com as propostas sugeridas pela Comissão de Juristas, trabalho notável, coordenado pela ministra Regina Helena Costa, do STJ.[12]

Enfim, a nova arquitetura de contencioso judicial tributário do IBS/CBS que ora se propõe ainda pode ser uma espécie de embrião de uma futura justiça tributária especializada que possa albergar um contencioso célere, justo e previsível em oposição ao caótico em que estamos inseridos há décadas.

[1]No momento em que o presente artigo é escrito, o PLP 68/2024 teve seu exame concluído na Câmara dos Deputados, na forma do substitutivo PLP 68-A/2024 e enviado ao Senado Federal. Além de pretender regulamentar o IBS/CBS e o IS, também propõe uma instância harmonizadora prévia ao contencioso administrativo, a partir de um Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias e um Fórum de Harmonização Jurídica das Procuradorias de Estados, DF e Municípios (artigo 318, incisos I e II do PLP 68-A), como se vê em

https://www.congressonacional.leg.br/materias/materias-bicamerais/-/ver/plp-68-2024

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2438459

[2]Artigo 318 a 322 do PLP 68-A/2024.

[3]Artigo 66 a 119 do PLP 108/2024.

[4]Artigo 5º, inciso XXXV da CR/88.

[5]https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2024/03/governo-discute-nova-pec-com-minirreforma-do-judiciario-para-solucionar-conflitos-tributarios.shtml

[6] https://www.jota.info/artigos/contencioso-tributario-de-ibs-e-cbs-ha-alternativa-mais-democratica-e-eficiente

[7]Artigo 109, inciso I da CR/88.

[8]Artigo 105, inciso III, alíneas “a”, “b” e “c” da CR/88. Vide também https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Institucional/Atribuicoes

 [9]Artigo 105, inciso I, alínea “j” da CR/88, com a redação que lhe foi conferida pela EC 132, de 2023.

[10]Artigo 105, §1º, incisos I e II da CR/88.

[11]https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/elas-no-jota/contencioso-judicial-pos-reforma-ou-revolucao-tributaria

 [12]https://www.cnj.jus.br/comissao-de-juristas-aprova-proposta-de-reforma-dos-processos-administrativo-e-tributario/

Fonte: Jota