Sinais de afrouxamento das regras fiscais podem ser nefastos, diz ministro do TCU

Área: Fiscal Publicado em 22/06/2020 | Atualizado em 23/10/2023 Imagem coluna Foto: Divulgação
O relator das contas do primeiro ano de governo Jair Bolsonaro, o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas, chamou a atenção nesta quarta-feira, 10, para situações que, segundo ele, "insinuam movimento de afrouxamento das regras fiscais". Para o ministro, esses sinais podem ser "nefastos" para a saúde das contas públicas.

Em seu parecer, Dantas apontou uma série de dribles às normas que regem as contas públicas. O voto do relator foi pela aprovação com ressalvas.

"O País precisa evitar a todo custo a relativização das regras fiscais, seja sob qual pretexto for. A responsabilidade fiscal dever ser o pilar a ser perseguido não apenas formalmente, mas, sobretudo, materialmente", alertou durante a sessão do para julgamento das contas. Bolsonaro participou por meio de videoconferência.

Como antecipou o Estadão/Broadcast, o pagamento de R$ 1,5 bilhão em benefícios previdenciários sem o devido respaldo no Orçamento foi um dos motivos de ressalva às contas. A despesa deveria ter sido executada em 2019, mas acabou virando um "orçamento paralelo" que só foi devidamente registrado no início de 2020.

O INSS ficou sem dotação orçamentária, mas continuou executando os pagamentos aos aposentados, pensionistas e outros beneficiários do órgão. A prática fere a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Constituição e pode ser considerada crime contra as finanças públicas.

O achado foi considerado especialmente grave porque no fim de 2019 o próprio INSS liberou espaço que detinha no Orçamento para que o governo pudesse atender a outros pedidos de recursos. À época, o INSS ajustou projeções de gastos e liberou, ao todo, R$ 9 bilhões para outros ministérios. As verbas foram remanejadas em seis créditos aprovados pelo Congresso e sancionados por Bolsonaro entre o fim de novembro e o fim de dezembro de 2019, além de uma portaria do Ministério da Economia de 20 de dezembro do ano passado.

Mais R$ 1,2 bilhão para pagamento a organismos internacionais fiaram sem respaldo no Orçamento. O Ministério da Economia tinha dotação de R$ 2,3 bilhões, mas quitou R$ 680 milhões que já estavam irregulares desde anos anteriores (ou seja, sem respaldo no Orçamento) e ainda assumiu novas obrigações de R$ 2,9 bilhões.

"Para além da violação a dispositivo constitucional, a assunção de compromissos sem autorização orçamentária configura descumprimento da autorização legal para realização de despesas. No limite, o Poder Executivo estaria extrapolando a competência do Parlamento de autorizar dispêndios governamentais", disse Dantas, classificando a prática de "rolagem irregular" de obrigações.

O relator das contas chamou atenção ainda para a instituição de R$ 182,86 milhões em renúncias tributárias de forma irregular em 2019. Segundo ele, não foram cumpridos os requisitos de compensação exigidos pela Constituição e pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Outra irregularidade apontada no parecer foi a capitalização da Emgepron, estatal militar criada para financiar a construção de corvetas e navios para a Marinha. Segundo Dantas, o aporte de R$ 7,6 bilhões na empresa foi feito apenas para "formar caixa" na estatal e destravar a despesa para a construção das embarcações.

Se o gasto com as corvetas fosse feito pela Marinha, ele esbarraria no teto de gastos, mecanismo que limita o avanço das despesas à inflação. Já a capitalização de estatal fica fora desse teto.

"A atipicidade do procedimento revela que a modelagem adotada configurou medida de escape ao teto de gastos, visando à execução de despesas públicas por meio de empresa estatal em favor de órgão da administração direta", disse o relator. Ele alertou ainda que, se esse expediente virar corriqueiro, o teto será ineficaz, e o "escape" poderia significar quebra do compromisso do País com o equilíbrio das contas públicas.

Fantasias arbitrárias

Em meio ao acirramento da tensão entre os poderes e após a ida de Bolsonaro a atos antidemocráticos, Dantas fez um discurso enfático em defesa da democracia e alertou que todas as constituições da República trazem mecanismos "contra eventuais fantasias arbitrárias de algum governante". Ele disse ainda que não há necessidade de "temer turbulências" porque as reações de sociedades maduras "são sempre na direção da liberdade e contra o absolutismo, o arbítrio e a negação da ciência".

Na sessão, o ministro lembrou que a corte de contas surgiu há 129 anos quando "barões, numa época longínqua, numa ilha longínqua da Europa, se ergueram contra a falta de limites do déspota que os governava".

"A democracia brasileira pode ser jovem, mas seu conceito não é recente e nem é efêmera sua construção. O abalo dos alicerces de nosso Estado de Direito Democrático não é um mero recuo à década de 60 do século passado. É um recuo de oito séculos, ao período medieval", disse Dantas.

A atuação do TCU tem barrado uma série de atos considerados irregulares do Poder Executivo, incluindo a transferência de recursos do Bolsa Família para a propaganda do governo, como mostrou o Estadão/Broadcast, e o uso de verbas publicitárias do Banco do Brasil para financiar portais que divulgam "fake news", entre outros casos.

Na abertura do seu voto, Dantas disse que todas as constituições brasileiras do período republicano, sem exceção, consagram princípios como equilíbrio, harmonia, independência e cooperação mútua dos poderes "dentro de um sólido modelo de freios e contrapesos que funciona como anteparo do Estado de Direito contra eventuais fantasias arbitrárias de algum governante".

"Por tudo isso tenho tranquilidade em afirmar que os Poderes constituídos encontrarão o justo ponto de equilíbrio para reduzir as iniquidades e promover o bem-estar de nossa sofrida população. Nosso povo quer paz para voltar a sonhar com dias melhores. Não podemos frustrar nossa gente num momento em que postulam tão pouco", disse o ministro.

Gastos com publicidade oficial

Dantas recomendou que o governo dê transparência aos gastos com publicidade e propaganda dos órgãos públicos, inclusive estatais federais. A sugestão vem depois de um relatório da CPMI das Fake News identificar publicidade do governo em sites de conteúdo impróprio, incluindo páginas que disseminam fake news.

O ministro já proferiu decisão determinando a suspensão de publicidade do Banco do Brasil em sites acusados de publicar informações falsas.

No ano passado, o Poder Executivo empenhou R$ 524 milhões em Comunicação Social, sendo a maior parte (97%) distribuída entre publicidade de utilidade pública (R$ 283 milhões) e comunicação institucional (R$ 226 milhões) - essa integralmente empenhada pela Presidência da República.

Considerando os cinco maiores contratantes públicos em publicidade (Secom, Banco do Brasil, Caixa, Petrobras e Ministério da Saúde), as despesas ultrapassaram R$ 935 milhões.

Fonte: Portal Terra NULL Fonte: NULL