Reforma tributária traz benefícios e muitos obstáculos para o agronegócio

Área: Fiscal Publicado em 27/08/2024

Reforma tributária traz benefícios e muitos obstáculos para o agronegócio

Conforme avançam os debates e votações sobre a Reforma Tributária, abrem-se lacunas que precisam ser previstas e solucionadas nas leis complementares que constituirão no final, o formato operacional das novas regras sobre tributação no Brasil. Entre os setores atingidos, um que ainda precisa de ampla discussão é o agronegócio.

Pilar da economia brasileira e responsável por mais de 24% do PIB do país, o setor se vê em uma trama delicada perante às novas regras propostas no texto inicial. Uma das principais mudanças previstas pelo texto é a simplificação e redução de custos nas operações de exportação, com a unificação de tributos como PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS em dois impostos sobre valor agregado: o Imposto sobre Bens e Serviços(IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).

As mudanças podem beneficiar produtores de commodities agrícolas e frigoríficos, tornando suas exportações mais atrativas e competitivas no mercado global. Contudo, a variação na distribuição de benefícios fiscais entre produtores pessoa física e jurídicas pode trazer desafios adicionais para o setor.

Em vias gerais, a análise, hoje, é de que os novos impostos incidirão em aumentos tanto para o produtor rural quanto para o consumidor. Na ponta inicial da cadeia, alguns problemas previstos serão o pagamento de novos tributos antes isentos, seja pelo regime de operação ou pela natureza dos produtos finais desenvolvidos pelo empreendedor.

Os pequenos produtores rurais operam majoritariamente na pessoa física, segundo levantamento do Empresômetro, do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), divulgado no final do ano passado. São mais de 3,8 milhões os que atuam dessa forma.

A tributação do consumo e do patrimônio para a atividade rural na pessoa física abrange atualmente o ICMS, IPVA, ITCMD, além de contribuições a fundos estaduais e outras taxas, excluindo-se a contribuição pelo PIS e da Cofins. Sob esse regime, de acordo com a nova lei, esse produtor passará a pagar PIS/Cofins dentro da CBS através das aquisições de insumos, maquinários e outras situações.

Por sua vez, o consumidor também poderá ser afetado com as mudanças ao longo da cadeia. Um exemplo é o aumento de tributação de itens da cesta básica que hoje são isentos, como laticínios, óleos vegetais e ovos.

Na prática, contabilizamos que, mantendo-se as definições previstas no texto atual, mesmo com a redução de 60% do valor do IBS e da CBS, o preço final desses itens chegará a 10,6% em estados como São Paulo. Ou seja, se o consumidor pagava R$ 0,40 a cada R$ 10 de compra desses itens, com a reforma ele pagará R$0,35 de CBS e R$0,71 de IBS, resultando em uma diferença de tributação de R$0,66 de aumento na carga tributária a cada R$ 10.

A transição da reforma tributária para o agronegócio pode ser mais complexa devido a vários fatores, como a mudança de regime tributário, que altera a forma como os impostos são cobrados - passando de um sistema cumulativo para um não cumulativo, o que pode exigir ajustes significativos nas práticas contábeis e fiscais. Outro impacto serão os custos: a unificação de tributos e a criação do Imposto Sobre Valor Agregado (IVA) podem afetar a produção e, consequentemente, os preços dos produtos agrícolas.

O atual modelo também pode modificar ou eliminar incentivos fiscais dos quais o agronegócio se beneficia, impactando a competitividade do setor. A adaptação tecnológica também será um desafio, pois será preciso investir em sistemas de gestão para se adequar às novas exigências fiscais e tributárias.

Outro aporte necessário será em capacitação e treinamento, para que as equipes possam entender e implementar as mudanças trazidas pela reforma tributária para o planejamento estratégico da empresa. A transição pode ser acompanhada de novas regulamentações e um aumento na fiscalização, exigindo maior atenção ao cumprimento das normas.

Mas a reforma prevê benefícios para quem opera no setor, nem todos coerentes com as restrições apontadas anteriormente. Um exemplo a entrada da carne na lista de isenções. Do mesmo modo, está prevista a isenção da tributação do IVA para produtor rural, pessoa física ou jurídica, de faturamento anual de até R$ 3,6 milhões e que opte por ser contribuinte da CBS e do IBS, segundo Art. 153 da PL 68/2024.

Entre outros pontos considerados realmente positivos para o agro estão a concessão de crédito presumido do IBS e da CBS, que poderá ser requisitado inclusive na pessoa física, e a não cumulatividade plena. Esta, por sua vez, é um dos principais pontos favoráveis ao agronegócio, uma vez que o Art. 154 do atual texto prevê que os tributos pagos ao longo da cadeia gerarão créditos imediatos, inclusive os pagos na aquisição de bens do ativo fixo (máquinas, equipamentos, etc), como em bens de uso e consumo, como energia elétrica, material administrativo e serviços de telecomunicação.

O creditamento dos tributos pagos pelas empresas desonera a cadeia econômica, os investimentos e as exportações de forma que, na prática, a tributação recai apenas sobre o consumo final da mercadoria ou serviço. Tendo em vista que os tributos incidentes nas etapas anteriores geram crédito para os prestadores e fornecedores, o (IVA) é neutro para os negócios, independentemente da forma de organização da produção e do tipo de bem ou serviço adquirido.

Ainda há temas não discutidos dentro do texto que são de extrema urgência para o setor, especialmente em relação aos benefícios oferecidos hoje, como crédito presumido, EFD-Reinf (Escrituração Fiscal Digital de Retenções e Outras Informações Fiscais), Reporto (Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária), desoneração de folha, entre outros. Essas isenções geralmente são aplicadas atualmente e não têm uma definição de como serão geridas a longo prazo dentro da reforma.

Mas todas essas não definidas, criam gatilhos que acabarão sendo discutidos judicialmente a depender das situações contempladas e excluídas da PL 68/2024, até sua aplicação final. Falta, em última instância, uma melhor interlocução entre agentes reformadores e sociedade, uma vez que a reforma tributária pode representar um novo pacto social brasileiro, suprindo lacunas e criando novos entendimentos do que queremos para o futuro do nosso país.

Sem isso, todos os reforços em definir leis e regras podem virar um tiro no escuro.

Fonte: Valor Econômico