ISS na base do PIS/Cofins: O Tema 118 e o voto decisivo do ministro Fux
Área: Contábil Publicado em 15/07/2025O texto integra análise detalhada dos votos no STF, mapeamento jurisprudencial dos TRFs, abordagem contábil e análise da modulação de efeitos.
O STF aproxima-se da conclusão de mais um julgamento tributário de grande relevância: a definição sobre a inclusão do ISS - Imposto Sobre Serviços na base de cálculo das contribuições para o PIS e para a Cofins, objeto do RE 592.616 (Tema 118). Esta controvérsia representa desdobramento direto do histórico precedente firmado pelo STF no RE 574.706/PR (Tema 69), conhecido como a "tese do século", que determinou a exclusão do ICMS da base de cálculo dessas mesmas contribuições, decisão com impacto estimado de R$ 35,4 bilhões em cinco anos, conforme projeções da LDO - lei de diretrizes orçamentárias.
Evolução do julgamento e placar atual
O julgamento do Tema 118 teve início em 2020 no plenário virtual, quando quatro ministros se manifestaram pela exclusão do ISS da base de cálculo do PIS/Cofins, fundamentando seus votos no entendimento de que o ISS constitui mero ingresso financeiro transitório, não podendo ser considerado faturamento para fins de incidência das contribuições. Os demais ministros, que votaram contra a exclusão, basearam seu posicionamento na diferença entre a técnica de arrecadação do ISS (cumulativo) e a do ICMS (não-cumulativo), entendendo que esta distinção justificaria tratamento tributário diferenciado:
Votos favoráveis aos contribuintes (pela exclusão do ISS):
Min. Celso de Mello (aposentado)
Min. Rosa Weber (aposentada)
Min. Ricardo Lewandowski (aposentado)
Min. Cármen Lúcia (em atividade)
Votos contrários aos contribuintes (pela inclusão do ISS):
Min. Dias Toffoli
Min. Alexandre de Moraes
Min. Luís Roberto Barroso
Min. Edson Fachin
A retomada do julgamento em 2024
O julgamento foi interrompido quando o ministro Luiz Fux, então presidente do STF, conferiu destaque ao caso - posteriormente cancelado - para que fosse apreciado no plenário físico. Apesar do cancelamento do destaque, os votos já proferidos pelos ministros (inclusive os agora aposentados) foram mantidos.
Posteriormente, incluído o processo na sessão física de 28/8/2024, o julgamento foi retomado com a manifestação de apenas três ministros:
Voto favorável aos contribuintes:
Min. André Mendonça
Votos contrários aos contribuintes:
Min. Dias Toffoli (reafirmando seu voto anterior)
Min. Gilmar Mendes
A sessão foi suspensa pelo horário avançado, consolidando um placar momentâneo de 5 votos favoráveis à exclusão do ISS (Celso de Mello, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e André Mendonça) contra 5 votos contrários (Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Gilmar Mendes).
O voto de minerva do ministro Fux
Com o empate em 5 x 5, o voto do ministro Fux assumirá papel decisivo como fiel da balança na resolução definitiva da controvérsia. Sua posição no julgamento do Tema 69 (exclusão do ICMS) foi favorável aos contribuintes, o que pode sinalizar uma tendência para seu posicionamento no caso do ISS. No julgamento da "tese do século", ele fundamentou seu voto na interpretação constitucional do conceito de faturamento, afirmando categoricamente que valores transitórios destinados ao Erário não podem ser considerados receita própria do contribuinte. Este raciocínio, se mantido de forma coerente, favoreceria a tese de exclusão do ISS da base de cálculo do PIS/Cofins.
A expectativa dos contribuintes, inicialmente depositada no Ministro André Mendonça (que correspondeu ao votar pela exclusão), transfere-se agora integralmente para o Ministro Fux, cujo voto definirá não apenas o desfecho do caso concreto, mas estabelecerá importante precedente para a interpretação constitucional do conceito de faturamento no sistema tributário brasileiro.
A natureza jurídica do tributo como elemento decisivo para além da técnica de arrecadação
O argumento central daqueles que defendem a inclusão do ISS na base de cálculo do PIS e da Cofins fundamenta-se na diferença entre as técnicas de arrecadação do ICMS (não-cumulativo) e do ISS (cumulativo). Esta distinção técnica foi expressamente adotada pelo ministro Dias Toffoli em seu voto-vista no RE 592.616/RS:
"No ICMS, por força da não cumulatividade, existe um crédito em razão da entrada da mercadoria no estabelecimento. (...) No ISS, contudo, não existe aquela técnica de arrecadação, que é própria do ICMS. O imposto municipal não está sujeito à não cumulatividade."
Tal argumentação, contudo, incorre em equívoco conceitual ao confundir o aspecto meramente formal (técnica de arrecadação) com o aspecto material (natureza jurídica do tributo). A sistemática de arrecadação - seja cumulativa ou não-cumulativa - constitui mero instrumento operacional que não modifica a natureza intrínseca do tributo como valor que não pertence ao contribuinte, mas sim ao ente tributante.
O ministro Fux, em seu voto no Tema 69, estabeleceu premissa fundamental para a correta compreensão da controvérsia, deslocando o debate do plano infraconstitucional para o constitucional. Conforme suas palavras: "O que nós estamos discutindo aqui é a acepção constitucional do faturamento, tal como encartado no art.195, inciso I." Para o Ministro, permitir a tributação de valores que não compõem a verdadeira riqueza do contribuinte representa clara distorção do conceito constitucional de faturamento. Ele enfatizou que a Constituição não precisa prever expressamente a exclusão de um imposto para que este não integre a base de cálculo de outro tributo, pois: "O fato de a Constituição não se referir à possibilidade de exclusão do ICMS não significa dizer que ela está autorizando essa exclusão da base de cálculo. Até porque um dos princípios mais importantes do Direito Tributário é o princípio da legalidade."
Em abordagem que nos parece acertada (e rigorosa), o ministro Fux recorreu ao Direito Comercial para extrair o conceito constitucional de faturamento, invocando a lei 6.404/1976 (Lei das S.A.), que, ao regular as demonstrações financeiras, prevê expressamente a discriminação dos impostos e deduções da receita bruta. Esta perspectiva interdisciplinar reafirma que tributos como o ISS, por sua própria natureza, não se consolidam como receita própria da empresa.
Tal entendimento foi corroborado pela citação que fez do voto do ministro Celso de Mello: "Realmente, nos termos da Constituição, o PIS e a Cofins só podem incidir sobre o faturamento, que, conforme vimos, é o somatório dos valores das operações negociais realizadas. A contrario sensu, qualquer valor diverso deste não pode ser inserido na base de cálculo destes tributos."
O ministro Fux aprofundou a análise constitucional ao enfatizar os limites do poder de tributar e a impossibilidade de distorção de conceitos constitucionais pela legislação ordinária. Citando o ministro Celso de Mello, destacou que: "Se fosse dado ao legislador (ordinário ou complementar) redefinir as palavras constitucionais que delimitam o campo tributário das várias pessoas políticas, ele, na verdade, acabaria guindado à posição de Constituinte, o que, por óbvio, não é juridicamente possível." Esta observação reforça a primazia da interpretação constitucional sobre arranjos infraconstitucionais na definição dos limites da competência tributária.
A conclusão do voto do ministro Fux no Tema 69 sintetiza, com precisão técnica, os fundamentos constitucionais que impedem a inclusão de tributos na base de cálculo do PIS/Cofins: "(...) o ICMS não poderá integrar a base de cálculo da Cofins pelos seguintes motivos: (I) o alcance do conceito constitucional de faturamento e receita não permite referida dilação na base de cálculo da exação; (II) isso representaria afronta aos princípios da isonomia tributária e da capacidade contributiva; e (III) o previsto no art. 154, I, da Constituição Federal seria afrontado."
Estes mesmos fundamentos constitucionais aplicam-se integralmente ao caso do ISS, uma vez que ambos os tributos compartilham idêntica natureza jurídica de valores transitórios que não se incorporam definitivamente ao patrimônio do contribuinte, independentemente de suas distintas sistemáticas de arrecadação.
O critério constitucional: A definitividade como elemento essencial do conceito de receita
O conceito constitucional de receita, como precisamente definido pelo ministro Celso de Mello em seu voto no RE 592.616/RS, pressupõe dois elementos fundamentais:
A incorporação positiva de valores (acréscimo patrimonial);
O caráter definitivo dessa incorporação.
Os valores destinados ao pagamento de tributos, sejam eles ICMS ou ISS, não atendem ao segundo requisito, pois são meros ingressos transitórios que não se incorporam definitivamente ao patrimônio do contribuinte, conforme bem destacado pelo ministro:
"Inaceitável, por isso mesmo, que se qualifique qualquer ingresso como receita, pois a noção conceitual de receita compõe-se da integração, ao menos para efeito de sua configuração, de 02 (dois) elementos essenciais: a) que a incorporação dos valores faça-se positivamente, importando em acréscimo patrimonial; e b) que essa incorporação revista-se de caráter definitivo."
Este entendimento encontra respaldo na doutrina de Geraldo Ataliba, cuja distinção entre "entrada" e "receita" foi adotada pelo ministro Celso de Mello e posteriormente referendada pelo ministro Luiz Fux no Tema 69, quando afirmou: "a parcela correspondente ao ICMS pago não tem, pois, natureza de faturamento (e nem mesmo de receita), mas de simples ingresso de caixa (na acepção 'supra'), não podendo, em razão disso, comportar a base de cálculo quer do PIS, quer da Cofins."
Esta distinção doutrinária é decisiva para o caso do ISS, pois evidencia que os valores arrecadados a título deste imposto configuram meras "entradas" de caráter transitório, e não "receitas" propriamente ditas, uma vez que não se incorporam definitivamente ao patrimônio do contribuinte, sendo destinados aos cofres municipais. Tal característica, compartilhada com o ICMS, demonstra a impossibilidade constitucional de incluir o ISS na base de cálculo do PIS e da Cofins, sob pena de violação ao conceito constitucional de faturamento previsto no art. 195, I, 'b' da Constituição Federal.
A irrelevância da voluntariedade na inclusão do tributo no preço
Em contraposição aos argumentos dos contribuintes, o ministro Dias Toffoli sustenta que o prestador de serviços inclui voluntariamente o valor do ISS no preço cobrado, diferentemente da sistemática supostamente obrigatória do ICMS. Este argumento, contudo, não se sustenta por duas razões fundamentais:
Falsa premissa: A inclusão do valor do ICMS no preço da mercadoria também resulta de decisão empresarial, não sendo uma imposição legal. A lei apenas determina o destaque do imposto na nota fiscal para fins de controle, mas não obriga o contribuinte a repassar esse valor ao consumidor.
Irrelevância para a caracterização jurídica: A voluntariedade ou não da inclusão do tributo no preço não altera sua natureza jurídica. O elemento determinante é o destino do valor, que, no caso tanto do ICMS quanto do ISS, é o ente tributante, não o contribuinte.
O ministro Luiz Fux, em seu voto no Tema 69, foi categórico ao afirmar que a tentativa de fazer o contribuinte "faturar imposto" é uma "contraditio in terminis" que subverte a lógica jurídica: "O destinatário desse faturamento é o Poder Público, não é o contribuinte. [...] uma coisa é a base de cálculo sobre o faturamento derivado do fato gerador do tributo; e a outra coisa é exatamente o imposto incidir sobre um tributo, sob o pálio da alegação de que o pagamento do tributo que tem como destinatário o Poder Público é um faturamento do contribuinte."
A evidência contábil da natureza transitória do ISS
A análise contábil do ISS oferece evidência objetiva de sua natureza transitória, similar à do ICMS. Ambos os tributos, apesar de suas diferentes técnicas de arrecadação, apresentam a mesma natureza de valores que não se incorporam definitivamente ao patrimônio do contribuinte, conforme demonstram os seguintes exemplos:
Operação com ICMS (não-cumulativo)
Consideremos uma empresa comercial que adquire mercadorias por R$ 1.000,00 (com ICMS de 18% = R$ 180,00) e as revende por R$ 1.500,00 (com ICMS de 18% = R$ 270,00).
Registro contábil:
Na compra:
Débito: Estoque (Ativo) = R$ 820,00
Débito: ICMS a Recuperar (Ativo) = R$ 180,00
Crédito: Fornecedores (Passivo) = R$ 1.000,00
Na venda:
Débito: Clientes (Ativo) = R$ 1.500,00
Crédito: Receita de Vendas (Resultado) = R$ 1.230,00
Crédito: ICMS a Recolher (Passivo) = R$ 270,00
Na apuração do ICMS:
Débito: ICMS a Recolher (Passivo) = R$ 270,00
Crédito: ICMS a Recuperar (Ativo) = R$ 180,00
Crédito: Caixa/Bancos (Ativo) = R$ 90,00 (valor efetivamente recolhido)
Impacto no resultado:
Receita de Vendas = R$ 1.230,00 (já líquida do ICMS)
O ICMS de R$ 90,00 (R$ 270,00 - R$ 180,00) é efetivamente uma despesa, não uma receita.
Operação com ISS (cumulativo)
Consideremos uma empresa prestadora de serviços que cobra R$ 1.500,00 por um serviço, com ISS de 5% (R$ 75,00).
Registro contábil:
Na prestação do serviço:
Débito: Clientes (Ativo) = R$ 1.500,00
Crédito: Receita de Serviços (Resultado) = R$ 1.425,00
Crédito: ISS a Recolher (Passivo) = R$ 75,00
No recolhimento do ISS:
Débito: ISS a Recolher (Passivo) = R$ 75,00
Crédito: Caixa/Bancos (Ativo) = R$ 75,00
Impacto no resultado:
Receita de Serviços = R$ 1.425,00 (já líquida do ISS)
O ISS de R$ 75,00 é efetivamente uma despesa, não uma receita.
Esta análise contábil-tributária nos permite concluir que:
i. Natureza jurídica idêntica como passivos transitórios: Tanto o ICMS quanto o ISS são registrados como obrigações fiscais (passivo circulante), conforme o CPC 25 e CPC 00 (R2). Estes valores transitam temporariamente pelo patrimônio da empresa com destinação específica aos entes tributantes, sem jamais se incorporarem ao patrimônio empresarial de forma definitiva.
ii. Reconhecimento contábil da receita líquida de tributos: O CPC 47 ("Receita de Contrato com Cliente"), correlato à IFRS 15, determina que a receita operacional seja reconhecida pelo seu valor líquido, excluindo-se os tributos incidentes. Este tratamento confirma que os valores de ICMS e ISS não constituem faturamento ou receita própria da empresa, mas meros ingressos destinados ao Erário.
iii. Irrelevância da sistemática de apuração para a caracterização jurídica: A diferença técnica entre o ICMS (não-cumulativo) e o ISS (cumulativo) não altera a natureza jurídica de ambos como valores que não pertencem ao contribuinte. Esta distinção afeta apenas o valor a ser recolhido, não a natureza transitória dos tributos, conforme estabelecido no CPC 47 e na Interpretação Técnica ICPC 22.
iv. Uniformidade de tratamento no plano contábil-fiscal: O Comitê de Pronunciamentos Contábeis, por meio do CPC 47 e a legislação fiscal (decreto 9.580/18 e IN RFB 1.700/17) conferem tratamento uniforme a ambos os tributos quanto à sua natureza jurídica, reconhecendo-os como obrigações fiscais a serem repassadas aos entes tributantes, e não como componentes da receita própria do contribuinte, posição também sustentada pelo Manual de Contabilidade Societária da FIPECAFI.
O panorama jurisprudencial: A convergência dos tribunais regionais federais
A análise da jurisprudência recente revela um cenário consolidado e favorável aos contribuintes. Levantamento nos cinco Tribunais Regionais Federais mostra que a maioria das Cortes (TRF-1, TRF-2, TRF-3 e TRF-5) aplica a mesma ratio decidendi do Tema 69 aos casos envolvendo o ISS.
Esta convergência interpretativa nas instâncias ordinárias da Justiça Federal constitui importante vetor hermenêutico e elemento de segurança jurídica, especialmente considerando o princípio da isonomia tributária e a necessidade de tratamento uniforme entre contribuintes em situações equivalentes.
Destacam-se os seguintes julgados recentes que já se consolidam como orientação jurisprudencial predominante:
TRF da 1ª Região: "(...) O valor correspondente ao Imposto Sobre Serviços ISS está embutido no preço dos serviços comercializados e não integra o faturamento do contribuinte, assim como o valor relativo ao ICMS. (...)". (1008137-16.2019.4.01.3300).
TRF da 2ª Região: "(...) Da mesma forma que a decisão da Suprema Corte considerou que o ICMS não pode ser entendido como receita ou faturamento, por se tratar de um mero ingresso no caixa da empresa que depois será repassado ao Estado, o mesmo ocorre com o ISS em relação ao Município. (...)". (5002131-48.2024.4.02.5004).
TRF da 3ª Região: "(...) Deve ser aplicado o raciocínio que originou a tese firmada pela Corte Suprema no julgamento do RE 574.706 também para fins de exclusão do ISS na base de cálculo do PIS e da Cofins, uma vez que o ISS apresenta mesma sistemática de arrecadação do ICMS. (...)". (5006178-47.2023.4.03.6144).
TRF da 5ª Região: "(...) A interpretação conferida pelo STF ao art. 195, I, b, da Constituição Federal, no sentido de que o conceito de receita bruta ou faturamento não abrange valores que apenas transitam pela contabilidade do contribuinte, foi aplicada analogicamente ao caso do ISS. (...)". (0808154-84.2024.4.05.8300).
Esta convergência jurisprudencial evidencia o reconhecimento, pela maioria dos Tribunais Regionais Federais, da identidade de natureza jurídica entre o ICMS e o ISS, bem como a coerência lógica de se estender ao ISS o mesmo tratamento conferido ao ICMS pelo STF no julgamento do Tema 69.
Em contraste com a orientação predominante, o TRF da 4ª Região mantém posicionamento divergente:
TRF da 4ª Região: "(...) Diversamente do ICMS, o ISS é um tributo cumulativo. E, ao decidir o Tema 69, o STF conferiu acentuada relevância ao caráter não cumulativo do ICMS para declarar a impossibilidade de o valor correspondente a este imposto integrar a base de cálculo do PIS e da Cofins. (...)". (5002486-06.2024.4.04.7105)
Este posicionamento minoritário, ao focar na técnica de arrecadação, alinha-se ao entendimento do Ministro Dias Toffoli no Tema 118, incorrendo em interpretação restritiva do precedente do STF no Tema 69. Tal abordagem ignora a natureza jurídica transitória comum ao ICMS e ao ISS, divergência que provavelmente persistirá até o pronunciamento definitivo da Corte Constitucional.
A coerência sistêmica do Direito Tributário: Por que a exclusão do ISS é imperativa?
A exclusão do ISS da base de cálculo do PIS e da Cofins não representa mera preferência interpretativa, mas um imperativo jurídico que decorre da estrutura constitucional do Sistema Tributário Nacional. A inclusão do ISS nesta base de cálculo viola o princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º, da CF) e a vedação ao confisco (art. 150, IV, da CF), na medida em que tributa valor que não representa riqueza efetiva do contribuinte, mas sim do ente público municipal. Esta distorção cria uma tributação em cascata, onde um tributo federal (PIS/Cofins) incide sobre um tributo municipal (ISS), comprometendo a base econômica real sobre a qual deveria incidir a tributação - o faturamento efetivo da empresa.
Conforme destacado pelo ministro Fux, a questão transcende tecnicismos jurídicos e alcança o próprio senso comum de justiça fiscal: "Se nós perguntarmos a um leigo ou mesmo àqueles estudantes da área jurídica: no seu entender, pagar imposto é faturamento? É algo que efetivamente conduz a algo ilógico, que foge, inclusive, à lógica do razoável."
A exclusão do ISS promove três valores fundamentais:
a) Coerência interpretativa: Aplica o mesmo raciocínio jurídico a situações materialmente idênticas (ICMS e ISS como valores transitórios);
b) Previsibilidade: Estabelece um critério claro para a definição da base de cálculo de tributos que incidem sobre a receita;
c) Tratamento isonômico: Confere a mesma solução jurídica a contribuintes em situação equivalente.
Esta interpretação decorre de uma leitura sistemática da Constituição Federal, que define faturamento como a receita bruta das vendas de mercadorias e da prestação de serviços (art. 195, I, "b"), estabelece que os tributos devem ser graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte (art. 145, § 1º), e veda a utilização de tributo com efeito de confisco (art. 150, IV). A harmonia entre estes princípios e regras constitucionais somente se realiza com o reconhecimento da impossibilidade de inclusão do ISS na base de cálculo do PIS e da Cofins.
A questão da modulação de efeitos: Análise crítica
Caso o STF decida pela exclusão do ISS da base de cálculo do PIS/Cofins, a modulação dos efeitos temporais da decisão assumirá relevância crucial, conforme sinalizado pelo ministro André Mendonça na sessão de 28/8/2024:
"Em relação aos valores ainda não recolhidos ou ainda não convertidos em renda, não há incidência do PIS e da Cofins sobre o ISS; e, em relação aos créditos tributários já extintos, em função de excepcional interesse social concernente à preservação da higidez do ciclo orçamentário, modulo os efeitos da presente decisão, atribuindo efeitos prospectivos a partir da publicação da ata deste julgamento."
Inconsistências técnico-jurídicas da proposta
Ausência do pressuposto legal para modulação: O art. 927, §3º do CPC exige "alteração de jurisprudência dominante" como requisito para modulação. O próprio voto do ministro André Mendonça reconhece que a exclusão do ISS representaria mera "coerência interna e integridade da jurisprudência" do STF, em linha com os precedentes do RE 240.785, RE 606.107 e RE 574.706 (Tema 69).
Violação à proteção da confiança legítima: A modulação proposta contraria a confiança dos contribuintes que, baseados na jurisprudência do Tema 69, tinham expectativa justificada de ressarcimento integral.
Ofensa à isonomia tributária (art. 150, II, CF): O critério distintivo adotado (extinção ou não do crédito tributário) cria tratamento desigual entre contribuintes em situação equivalente, privilegiando inadimplentes em detrimento dos que cumpriram a obrigação fiscal sob protesto judicial.
Inversão da lógica de compliance tributário: A modulação beneficia contribuintes que descumpriram a legislação e penaliza aqueles que, mesmo discordando da exação, cumpriram suas obrigações fiscais e buscaram a via judicial.
Insuficiência do argumento consequencialista: O "excepcional interesse social" invocado é argumento subsidiário que, isoladamente, não justifica a modulação, especialmente quando inexiste base de confiança legítima para a Fazenda Pública.
O caminho constitucionalmente adequado
Caso o STF entenda necessária a modulação, vale recordar que a Corte, em seus (menos atribulados) precedentes tributários (RE 574.706/PR e RE 593.849/MG), adotou critérios objetivos de modulação, como marcos temporais específicos, sem criar distinções baseadas em fatores aleatórios. Esta jurisprudência da Corte Suprema, muito embora alvo de críticas (razoáveis), notadamente por compreender alto o impacto nos cofres públicos, talvez, ao menos comparativamente, seja o "caminho menos pior" para eventual (repita-se) modulação no Tema 118.
O modelo adotado naqueles precedentes citados - estabelecendo como marco temporal a data do julgamento ou da publicação do acórdão, com ressalva das ações já em curso - apresenta-se como a solução que melhor equilibra:
A preservação da segurança jurídica;
O respeito à isonomia tributária;
A proteção da confiança legítima dos contribuintes;
A previsibilidade necessária ao planejamento fiscal.
Este modelo, já testado e validado em precedentes de grande impacto econômico como o Tema 69, ao menos evita as distorções concorrenciais e as violações a princípios constitucionais que decorreriam de critérios subjetivos ou aleatórios de modulação.
Conclusão
A análise jurídica e contábil desenvolvida ao longo deste estudo evidencia que o ISS, à semelhança do ICMS, não pode integrar a base de cálculo do PIS e da Cofins, por razões que transcendem meras preferências interpretativas e constituem verdadeiro imperativo constitucional.
Os fundamentos técnico-jurídicos que sustentam esta conclusão podem ser sintetizados em cinco pilares essenciais:
i) Natureza jurídica do tributo como elemento decisivo: A distinção entre as técnicas de arrecadação do ICMS (não-cumulativo) e do ISS (cumulativo) é irrelevante para a caracterização da natureza jurídica de ambos como valores transitórios que não se incorporam definitivamente ao patrimônio do contribuinte. Conforme demonstrado pela análise contábil, tanto o ICMS quanto o ISS são registrados como passivos transitórios (obrigações fiscais) e reconhecidos como deduções da receita bruta, nunca como faturamento próprio da empresa.
ii) Definitividade como elemento essencial do conceito constitucional de receita: O conceito de receita, conforme precisamente definido pelo Ministro Celso de Mello, pressupõe a incorporação definitiva de valores ao patrimônio do contribuinte. O ISS, como valor destinado aos cofres municipais, constitui mero ingresso transitório, não atendendo ao requisito constitucional de definitividade para caracterização como receita ou faturamento.
iii) Impossibilidade de "faturar imposto": Na expressão contundente do ministro Luiz Fux, pretender que o contribuinte "fature imposto" constitui uma "contraditio in terminis" que subverte a lógica jurídica. O destinatário final do ISS é o Poder Público municipal, não o contribuinte, o que descaracteriza sua natureza como receita própria da empresa.
iv) Convergência jurisprudencial: A maioria dos Tribunais Regionais Federais (TRF1, TRF2, TRF3 e TRF5) já reconhece a identidade de natureza jurídica entre o ICMS e o ISS para fins de exclusão da base de cálculo do PIS/Cofins, aplicando a mesma ratio decidendi do Tema 69. Esta tendência interpretativa predominante nas instâncias ordinárias constitui importante vetor hermenêutico e elemento de segurança jurídica, reforçando a tese de exclusão do ISS.
v) Coerência sistêmica do Direito Tributário: A exclusão do ISS promove valores fundamentais do sistema tributário nacional, como a coerência interpretativa (aplicando o mesmo raciocínio jurídico a situações materialmente idênticas), a previsibilidade (estabelecendo critério claro para definição da base de cálculo) e o tratamento isonômico (conferindo a mesma solução jurídica a contribuintes em situação equivalente).
O voto de desempate do ministro Luiz Fux no julgamento do Tema 118 assumirá papel decisivo não apenas para o desfecho do caso concreto, mas para a consolidação da interpretação constitucional do conceito de faturamento. Sua fundamentação no Tema 69, que priorizou o conceito constitucional de faturamento e desqualificou valores transitórios como base de incidência, indica tendência favorável à exclusão do ISS, em consonância com a tese proposta pelo ministro Celso de Mello: "O valor do ISS não integra a base de cálculo das contribuições sociais referentes ao PIS e à Cofins, pelo fato de o ISS qualificar-se como simples ingresso financeiro que meramente transita, sem qualquer caráter de definitividade, pelo patrimônio e pela contabilidade do contribuinte, sob pena de transgressão ao art. 195, I, 'b', da Constituição da República."
Quanto à eventual modulação de efeitos, a análise das inconsistências técnico-jurídicas da proposta apresentada pelo ministro André Mendonça recomenda cautela. Caso o STF entenda necessária a modulação, o modelo historicamente adotado pela Corte em seus precedentes tributários (RE 574.706/PR e RE 593.849/MG) - estabelecendo marco temporal objetivo com ressalva das ações já em curso - representa a solução que melhor equilibra a segurança jurídica, a isonomia tributária e a proteção da confiança legítima dos contribuintes, evitando as distorções que decorreriam de critérios subjetivos ou aleatórios.
A exclusão do ISS da base de cálculo do PIS/Cofins, além de tecnicamente correta sob a perspectiva jurídica, contábil e constitucional, promoverá a coerência do sistema tributário nacional, a segurança jurídica e o respeito aos princípios constitucionais tributários, especialmente o da capacidade contributiva, consolidando a interpretação do conceito constitucional de faturamento e estabelecendo parâmetros claros para a tributação sobre a receita no ordenamento jurídico brasileiro.
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Fonte: Migalhas.com