Reforma tributária : SAF e o dono da bola

Área: Contábil Publicado em 01/07/2025

A recentemente, a programação televisiva da TV aberta transmitiu o Mundial de Clubes de Futebol com o objetivo de popularizar o esporte em um dos poucos países que ainda oferecem certa resistência ao esporte: os Estados Unidos.

O futebol, que há décadas movimenta milhões, deixou de ser uma mera diversão das massas para se transformar num negócio bilionário, é por isso também passou a ter um tratamento tributário especial. Na reforma tributária brasileira e um pouco antes, pela legislação da SAF - Sociedade Anônima de Futebol, as operações dos clubes em seu formato novo, passaram a ser tributadas.

Além das partidas em si, o setor movimenta fortunas por meio de patrocínios, direitos de transmissão e, mais recentemente, das apostas esportivas. O foco deste artigo é a SAF, sem adentrar novamente no debate sobre a tributação das apostas, tema já abordado em artigos anteriores.

1. O que é a SAF?

A SAF foi criada pela lei 14.193/21, sancionada em 6 de agosto de 2021. Trata-se de um novo regime jurídico que permite aos clubes de futebol se transformarem em empresas, com o objetivo de atrair investimentos, profissionalizar a gestão e modernizar a administração dos clubes brasileiros.

Principais aspectos da lei 14.193/21:

Criação da SAF: Institui a Sociedade Anônima do Futebol como um tipo específico de empresa, com regras próprias;

Transformação: Estabelece os procedimentos para que clubes associativos migrem para o modelo de SAF;

Governança e transparência: Regras de compliance, prestação de contas e governança corporativa passam a ser obrigatórias;

Tratamento dos passivos: Permite a reestruturação de dívidas, inclusive as de natureza trabalhista e previdenciária;

Regime tributário específico: Criação de um modelo fiscal diferenciado para incentivar a adesão ao novo formato.

2. Tributação incidente sobre a SAF

A SAF, quando regularmente constituída nos termos da lei 14.193/21, está sujeita ao regime de TEF - Tributação Específica do Futebol, que incide sobre:

I - IRPJ - Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas;

II - Contribuição para o PIS/Pasep;

III - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL);

IV - Cofins;

V - Contribuições Previdenciárias (art. 22 da lei 8.212/1991)

A contribuição previdenciária da associação desportiva que mantém equipe de futebol profissional corresponde a 5% da receita bruta, considerando receitas de espetáculos desportivos, patrocínios, licenciamento de marcas, publicidade, propaganda e direitos de transmissão.

Além disso, pela sua natureza empresarial, a SAF também está sujeita a outros tributos incidentes sobre o mercado financeiro e de capitais:

IOF - Imposto sobre Operações Financeiras;

Imposto de Renda sobre aplicações financeiras (fixa ou variável);

Imposto de Renda sobre ganho de capital em alienações de bens;

FGTS;

Imposto de Renda Retido na Fonte sobre pagamentos a pessoas físicas;

Demais contribuições sociais sobre a folha, inclusive para o Sistema S (conforme art. 240 da CF/88).

Historicamente, os clubes brasileiros acumularam dívidas milionárias, muitas de natureza trabalhista e previdenciária. A criação da SAF buscou criar um ambiente mais transparente e atrativo para investidores, além de viabilizar a captação de recursos por meio da emissão de títulos.

Os seguintes estados têm SAF:

AM: Amazonas e Sete FC;

BA: Bahia e Fluminense de Feira

CEF: Fortaleza e Tirol

DF: Brasiliense e Capital

ES: Nova Venécia e Rio Branco

GO: Atlético-GO, Centro Oeste e Grêmio Anápolis

MT: Cuiabá

MG: América-MG, Athletic Club, Atlético-MG, Boston City FC, Coimbra, Cruzeiro, Ipatinga, Itabirito e Pouso Alegre

PB: CSP

PR: Araucária, Azuriz, Cianorte, Coritiba, Foz do Iguaçu, Galo Maringá, Londrina, Maringá, Paranavaí e PSTC

PE: Flamengo de Arcoverde (encerrou as atividades em 2024)

RJ: Boavista, Botafogo e Vasco

RN: América-RN, Clube Laguna, Quinho e Rio Grande

RS: Futebol com Vidai

RR: Monte Roraima

SC: Figueirense, Hercílio Luz e Tubarão

SP: América-SP, Botafogo-SP, Capivariano, EC São Bernardo, Ferroviária, Inter de Limeira, Ituano, Linense, Monte Azul, Novorizontino, Primavera, São Bento, São Bernardo e São José EC

SE: Falcon

TO: Capital FC

Além dos times já estruturados, outros estão em processo de adoção da SAF, como o Santa Cruz em Pernambucano com proposta de 1 bilhão. O Náutico pode seguir o mesmo caminho.

 

3. A tributação da SAF na LC 214/25

A LC 214/25, que regulamenta aspectos da reforma tributária, aborda a tributação das SAFs a partir do art. 292.

Segundo o art. 293, §3º, a base de cálculo do pagamento mensal unificado dos tributos inclui a totalidade das receitas mensais, abrangendo, entre outras:

I - Prêmios e programas de sócio-torcedor;

II - Cessão dos direitos desportivos dos atletas;

III - Cessão de direitos de imagem;

IV - Transferências de atletas para outras entidades desportivas.

As alíquotas do Regime Unificado são:

4% para os tributos federais unificados;

1,5% para a CBS;

3% para o IBS, sendo dividido igualmente entre Estado e município (1,5% para cada).

A SAF poderá apropriar e utilizar créditos de IBS e CBS apenas nas operações de aquisição de direitos desportivos de atletas. Por outro lado, os adquirentes de bens e serviços fornecidos pela SAF não poderão apropriar créditos desses tributos, salvo na aquisição desses direitos desportivos.

O valor recolhido no pagamento mensal unificado será distribuído internamente entre os tributos federais da seguinte forma:

43,5% para o IRPJ;

18,6% para a CSLL;

37,9% para as contribuições previdenciárias (art. 22 da lei 8.212/1991).

Alguns pontos da nova legislação chamam atenção:

Importação de direitos desportivos de atletas: Incidirá IBS e CBS.

Exportação de direitos desportivos: Quando cedidos a residentes no exterior, será considerada exportação para fins de imunidade do IBS e CBS, conforme prevê a Constituição.

4. Conclusão

A SAF representa um marco na profissionalização da gestão dos clubes de futebol no Brasil. Desde a profissionalização do futebol, no século XX, já se percebia que o esporte extrapolava a esfera da mera recreação. Hoje, o futebol é uma verdadeira indústria de entretenimento e negócios, com impactos relevantes sobre o mercado de trabalho, a mídia e o setor financeiro.

Para os interessados na história da transformação do futebol de um esporte elitizado para um fenômeno global de massas, uma boa dica é a série "O Jogo Inglês", que retrata a profissionalização do futebol na Inglaterra no século XIX.

A reforma tributária brasileira, ao criar regimes específicos como o SAF e prever tratamento diferenciado na LC 214/25, reconhece essa realidade, buscando equilibrar a arrecadação fiscal com a necessidade de sustentabilidade financeira do setor.

 

link: https://www.migalhas.com.br/depeso/433032/reforma-tributaria-29-saf-e-o-dono-da-bolaReforma tributária 29: SAF e o dono da bola

Fonte: Migalhas.com