Reforma tributária: ITCMD na distribuição desproporcional de lucros ou dividendos
Área: Fiscal Publicado em 01/10/2024Reforma tributária: ITCMD na distribuição desproporcional de lucros ou dividendos
A aprovação do PLP 108/2024, que regulamenta a reforma tributária e traz regras gerais para outros pontos, como o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD), o que, segundo especialistas, tem provocado certo alvoroço acerca do dispositivo que trata da incidência na distribuição desproporcional de lucros (ou dividendos) lastreados em liberalidade.
Segundo explicam os auditores fiscais Jefferson Valentin e Rodrigo Spada, da Receita Estadual de São Paulo ao JOTA, com a popularização e difusão das holdings como instrumento (legítimo) de planejamento sucessório, a concorrência para oferecer modelos com o objetivo quase que exclusivo de encobrir doações e reduzir o ITCMD a pagar tem criado um terreno fértil para deturpação dos institutos de direito societário. Um deles é a distribuição desproporcional de lucros.
Eles esclarecem que nas sociedades simples, um escritório de advogados ou arquitetos, por exemplo, é comum que os lucros sejam divididos conforme um critério de atuação dos sócios (clientes captados, ações exitosas etc.). Na sociedade empresária, no entanto, o Código Civil proíbe a participação no capital social na forma de serviços (art. 1055), ou seja, os lucros remuneram o capital investido enquanto eventual atuação laboral dos sócios deve ser remunerada por pró-labore.
É possível, no entanto, a ocorrência de inúmeras situações que justifiquem a distribuição desproporcional de lucros. Um grande chef, por exemplo, pode exigir receber mais que seu sócio mero investidor ao abrirem um restaurante juntos. Algumas quotas podem não dar direito a voto, ou ter preferências na distribuição de lucros ou na liquidação da sociedade, etc.
Em nenhum desses casos haverá a incidência de ITCMD porque a distribuição desproporcional será feita em amparo a uma razão negocial, de mercado, e não à liberalidade. Liberalidade, aliás, é conceito positivado no Direito pátrio há mais de 100 anos.
O Código Civil, prevê, ainda, que o contrato social deve mencionar a participação de cada sócio nos lucros ou nas perdas (art. 997, inc. VII) e que a distribuição dos lucros pode ser desproporcional (art. 1007). No mundo dos negócios é fácil concluir que ninguém entra em uma sociedade sem saber exatamente quais são os percentuais de lucros a que terá direito.
Ocorre que diversos profissionais têm vendido a ideia de que a livre manipulação dos percentuais de lucros a receber, entre os sócios, estaria autorizada pela legislação, não caracterizando doação. Assim, por exemplo, um pai empresário que queira doar, digamos, R$ 100 milhões a um filho, ao invés de fazer uma retirada de lucros de R$ 100 milhões e fazer a doação, pagando o ITCMD, poderia, simplesmente, incluir o filho no contrato social com participação ínfima (digamos, 0,001%) e entregar a ele o montante de R$ 100 milhões por mera liberalidade, sem que ocorresse a incidência do ITCMD.
O fato de a distribuição desproporcional ser autorizada por lei não implica em não ocorrência de fato gerador, afinal, como dispõe o art. 3° do CTN, tributo não é sanção por ato ilícito. O CTN, ainda, no art. 118, dispõe que a definição de fato gerador deve ser interpretada abstraindo-se a validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes.
O artigo 112 do Código Civil, por sua vez, nos diz que nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem, ou seja, o nomen iuris não é relevante para a caracterização do contrato, mas sim, a intenção das partes.
Dessa forma, se a intenção (e o resultado) é praticar uma transmissão a título gratuito, por liberalidade, há tributação pelo ITCMD. Há tributação se transmite por liberalidade uma conta bancária, um veículo, um imóvel, quotas de uma empresa, ou, ainda, o direito de receber dividendos.
Quando há uma razão negocial a motivar a distribuição desproporcional, os sócios sabem (ou têm meios de saber) quanto, exatamente, lhes pertence. Cada sócio tem o direito de reivindicar o dividendo a que tem direito porque é direito seu. Quando temos a distribuição amparada por mera liberalidade, o beneficiário não tem o direito de reivindicar nada, visto que tal direito não lhe pertence originalmente e só lhe pertencerá se ocorrer uma liberalidade da outra parte, ou seja, doação.
Cabe ainda informar que para empresas sujeitas à Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76), inclusive sociedades limitadas que optam pela regência supletiva desta, ações/quotas de mesma classe não admitem desproporcionalidade (art. 109). A criação de classes distintas de ações/quotas, que permitiria tal distribuição, é possível mediante uma das justificativas constantes do rol exaustivo do artigo 16, entre os quais não se encontra a liberalidade.
A previsão constante do PLP 108 de tributação de “benefícios desproporcionais praticados por liberalidade” não cria nova possibilidade de incidência, como tem sido propagado, tampouco carrega qualquer tipo de inconstitucionalidade.
O artigo apresenta um rol exemplificativo de situações caracterizáveis como doação, positivando o que já encontra amparo jurisprudencial como, por exemplo, nos processos 1089011-58.2023.8.26.0053 e 1087688-18.2023.8.26.0053, ambos do TJSP. O texto deixa claro que o objetivo não é cobrar imposto sobre distribuição desproporcional de lucros, mas sobre a cessão de direitos de lucros a receber que é entregue a outro sócio por liberalidade.
Eventual exclusão do texto do PLP, portanto, não terá o condão de imunizar tal doação da incidência tributária, mas será péssimo para os contribuintes, que sem a clareza e transparência do texto legal continuarão a ser induzidos a erro.
A única inconstitucionalidade verificável no texto aprovado é a previsão de redução de alíquota para tal fato gerador, em primeiro lugar porque diferente do que ocorre com o IBS, as normas do PLP, que se referem ao ITCMD, não instituem o imposto. São, na verdade, normas gerais em matéria tributária e, como tal, não podem dispor sobre alíquotas, matéria reservada à lei do ente tributante. Em segundo lugar, pesa sobre tal dispositivo a inconstitucionalidade por efetivar uma quebra da progressividade, trazida pela EC 132 como princípio de observância obrigatória para o ITCMD.
Fonte: Contábeis