Reforma tributária e o mercado de carbono
Área: Fiscal Publicado em 04/02/2025Reforma tributária e o mercado de carbono
A reforma tributária em debate no Congresso Nacional, em fase de regulamentação, e a recém-aprovada Lei Federal nº 15.042/2024, que instituiu o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), oferecem uma oportunidade histórica para o Brasil alinhar seu sistema tributário aos compromissos climáticos e ao desenvolvimento sustentável. Esses dois instrumentos, embora distintos em sua essência, possuem verdadeiro potencial transformador que, se harmonizado, pode criar um modelo integrado de governança fiscal e ambiental, capaz de induzir comportamentos econômicos responsáveis e financiar ações climáticas de impacto positivo.
A reforma tributária introduz o modelo de IVA dual, que reestrutura a tributação sobre o consumo por meio da criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). O IBS substitui tributos estaduais, municipais e federais como ICMS, ISS, PIS e Cofins, sendo de competência compartilhada e com repartição de receitas entre União, Estados e municípios. Já a CBS é um tributo exclusivamente federal, que também substitui o PIS e a Cofins, mas com foco na arrecadação destinada à União. Ambos são tributos não cumulativos, contemporâneos e alinhados às práticas internacionais, promovendo eficiência econômica e simplificação tributária.
A Lei nº 15.042/2024, por sua vez, cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), um sistema que regula emissões de gases de efeito estufa (GEE), estabelecendo limites para grandes emissores e permitindo a negociação de permissões de emissões (as Cotas Brasileiras de Emissões) e Certificados de Redução ou Remoção Verificada de Emissões, gerados por atividades específicas. O artigo 22 da lei, por sua vez, proíbe explicitamente a dupla regulação ou tributação direta sobre emissões já controladas pelo SBCE, preservando a integridade desse mecanismo de mercado.
Essa vedação é duplamente importante. Primeiro porque evita que o legislador tributário avance na tributação e regulação do mercado de carbono, criando inconsistências regulatórias e gerando insegurança jurídica. Segundo porque permite que a reforma tributária, notadamente por meio do IBS e da CBS, atue como um complemento essencial ao mercado de carbono, utilizando a extrafiscalidade e o efeito indutor da norma tributária para estimular ou desestimular comportamentos econômicos alinhados às metas climáticas não alcançados pela Lei nº 15.042/2024.
A interação entre esses dois diplomas legais oferece ao legislador complementar a oportunidade histórica de tornar a norma tributária um verdadeiro instrumento de transformação em prol do desenvolvimento sustentável. O IBS, com sua repartição de receitas entre os entes federativos, pode financiar projetos regionais de mitigação climática, adaptação a eventos extremos e infraestrutura mais resiliente. Estados e municípios, que possuem papel central na execução de políticas ambientais, poderiam utilizar esses recursos para ações como reflorestamento, recuperação de áreas degradadas e gestão de resíduos sólidos. A CBS, por sua vez, pode apoiar programas nacionais, como a transição para fontes de energia renováveis e o incentivo à inovação tecnológica, complementando o alcance do SBCE.
Além disso, a extrafiscalidade do modelo de IVA dual permite a ação direta sobre os agentes econômicos. Alíquotas diferenciadas no IBS e na CBS podem ser utilizadas para desestimular produtos e serviços com alto impacto ambiental e, ao mesmo tempo, incentivar práticas sustentáveis. Essa capacidade indutora da norma tributária complementa mecanismos econômicos como o mercado de carbono, ampliando seus efeitos positivos e promovendo uma transformação mais ampla e estruturada em direção a uma economia mais verde.
O legislador complementar tem, neste momento, a responsabilidade de harmonizar essas normas de forma estratégica. Isso implica desenhar o sistema tributário reformado com atenção às limitações impostas pela Lei nº 15.042/2024, mas também explorar ao máximo as oportunidades que ele pode gerar. A alocação dos recursos arrecadados pelo IBS e pela CBS pode ser direcionada para fortalecer o papel do Brasil como líder na agenda climática global, financiando ações concretas que vão além da regulação de emissões e ampliam os benefícios para toda a sociedade.
Ao alinhar a reforma tributária ao mercado de carbono, o Brasil demonstra que a integração entre política fiscal e ambiental não é apenas viável, mas essencial para enfrentar os desafios das mudanças climáticas. A complementariedade entre o SBCE e os novos tributos cria um modelo que combina eficiência econômica com responsabilidade ambiental, promovendo uma transição para uma economia de baixo carbono e resiliente que seja tanto justa quanto competitiva.
O debate em torno da regulamentação da reforma tributária oferece ao Brasil uma oportunidade única de criar um sistema fiscal que funcione de forma harmônica com o mercado de carbono, atuando como um catalisador para transformações que o SBCE não alcance. Harmonizar a norma tributária com os objetivos climáticos permitirá que o país não apenas cumpra suas metas no Acordo de Paris, mas também consolide um modelo de desenvolvimento econômico alinhado à necessária adaptação às mudanças climáticas inevitáveis e construção de uma sociedade mais resiliente. Este é o momento de conciliar esses dois instrumentos legais, posicionando o Brasil como referência mundial em governança fiscal e ambiental.
Fonte: Valor Econômico