Receita entende que parcela do crédito presumido de ICMS deve ser tributada pelo Imposto de Renda

Área: Fiscal Publicado em 17/10/2024

Receita entende que parcela do crédito presumido de ICMS deve ser tributada pelo Imposto de Renda

Receita Federal entende que apenas uma parcela dos créditos presumidos de ICMS pode ser excluída da base de cálculo do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL. O posicionamento está em recente comunicado do órgão sobre o tratamento que deve ser dado às subvenções para investimento (benefícios fiscais), o que, para advogados, desrespeita o que foi estabelecido, em 2023, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O comunicado foi editado porque, no ano passado, foi alterada a legislação sobre o assunto. Com a Lei nº 14.789, todos os tipos de subvenções para investimento recebidas a partir deste ano passaram a ser tributados pelo IRPJ, CSLL, PIS e Cofins. A nova norma alterou a Lei nº 12.973, de 2014, que permitia, sob determinadas condições, a exclusão dos benefícios fiscais do cálculo dos tributos federais.

Além disso, a nova norma abriu a possibilidade de autorregularização e de acordos (transações tributárias) com a Fazenda Nacional para débitos com base na lei anterior. Até então, de acordo com a Receita, 80 empresas foram multadas em R$ 8,74 bilhões por exclusões tributárias indevidas feitas até o ano passado. Outros 200 casos estão em andamento.

Segundo tributaristas, o informe é uma tentativa de ampliar a tributação dos incentivos fiscais de ICMS. O comunicado do órgão também entende que outros tipos de benefícios - como isenção, diferimento, e redução de base de cálculo - não são subvenções de investimento, mas devem ser tributadas.

Para a Receita, deve ser aplicado o mesmo racional do julgamento da “tese do século” pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Por isso, “qualquer exclusão do lucro real a esse título, seja no regime legal anterior, seja no regime atual, torna-se arbitrária e sem amparo legal”.

Essa associação, diz Luiz Fernando Sachet, sócio da Marchiori, Sachet, Bardos e Dias Sociedade de Advogados, “não tem pé nem cabeça”. “Ela tenta dizer que o ICMS [o benefício] não compõe a receita, mas como não compõe se ela quer tributar pelo PIS e pela Cofins? E como não compõe a renda se quer tributar pelo IRPJ e CSLL?”, questiona. “Não faz sentido porque o ICMS é tributo, que é custo da operação.” Na visão dele, a afirmação pode ser “um veneno que volta contra a própria Receita” e ser usada pelos contribuintes para afastar a tributação prevista na Lei 14.789.

O informe, de acordo com tributaristas, apesar de não ter força de lei, mostra que a União não considera a decisão tomada em 2023 pelo STJ em recurso repetitivo que, em tese, teria pacificado o tema. Os contribuintes se respaldam no precedente para fugir da cobrança tributária, pelos menos para os anos anteriores a 2024 - e têm saído vitoriosos nos Tribunais Regionais Federais (TRFs).

As empresas se apegam à Lei nº 12.973/2014, que no artigo 30 elenca critérios para afastar a tributação dos benefícios fiscais de ICMS, como ter reserva de lucros. O STJ, em abril de 2023, validou esse dispositivo, afirmando, porém, que não valeria para crédito presumido, só para os demais tipos de benefício fiscal (Tema 1182).

Com a Lei nº 14.789/2023, porém, todas as subvenções passaram a ser tributadas em 2024. Os contribuintes podem tomar um crédito fiscal de 25% no fim de cada ano, se aprovado pela Receita. Desde então, as empresas têm corrido ao Judiciário para afastar a aplicação da norma.

Anderson Mainates, sócio do Cascione Advogados, diz que o comunicado desrespeita o julgado do STJ. “O crédito presumido de ICMS é diferente de outras modalidades de benefício e não poderia ser tributado, porque é uma renúncia dos Estados”, afirma.

Nova lei não derruba o entendimento do STJ para casos anteriores”

— Rafael Nichele

Para Rafael Nichele, tributarista do Rafael Nichele Advogados Associados, é um alerta para os contribuintes ao sinalizar que o entendimento do STJ pode ser superado. Na prática, diz, a Receita tenta abrir as portas para aumentar a tributação mesmo antes da vigência da lei de 2023. “A União, quando não ganha, fura a bola. A meu ver, essa nova lei não derruba o entendimento do STJ para casos anteriores, pois os contribuintes entraram com ação, ganharam, a decisão transitou em julgado e o Supremo não vai reanalisar”, afirma.

O aumento da base de cálculo do IRPJ e CSLL decorre da parcela dedutível do crédito presumido considerada pela Receita. Para os contribuintes, seria o valor total dos créditos concedidos pelos Estados. Mas para a fiscalização é o ganho que a empresa teve com o crédito, devendo ser abatido dele o valor total de ICMS que seria pago.

“Historicamente, os contribuintes não fazem isso. Eles consideram o valor escriturado integral do crédito presumido”, diz Anderson Mainates. “A Receita está focando no delta [variação], não no crédito presumido, contrariando o entendimento do STJ.” Segundo Sachet, a Solução de Consulta da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) nº 55/2021 já trazia essa forma de cálculo.

Ele cita que, além do STJ, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) tem vários julgados favoráveis aos contribuintes sobre os incentivos. E que a própria Receita, na Solução de Consulta Cosit nº 11, de 2020, reconheceu os benefícios agora elencados no comunicado como subvenções - mas a norma foi revogada no mesmo ano pela Solução de Consulta Cosit nº 145.

Esse entendimento, contudo, afirma, destoa do sistema dos precedentes judiciais. “Escracha o descolamento com a ordem jurídica e é algo preocupante, principalmente no momento de uma reforma tributária que está se defendendo uma sintonia entre Receita, Estados e municípios. Se ela nega cumprir uma decisão do STJ, é um indicativo difícil.”

Para Sachet, é preocupante o Fisco não considerar o diferimento do ICMS como benefício. “Se você posterga o pagamento do imposto, não é incentivo fiscal, não precisa nem de convênio, mas de ato normativo do Estado. Mas quando se transfere a responsabilidade para outro contribuinte, é, sim, subvenção”, diz ele, citando sentença favorável a um cliente obtida recentemente.

Além do diferimento, créditos cedidos para o setor de transportes também não seriam incentivo fiscal, mas apenas uma forma de simplificar o pagamento do tributo. “Trata-se de créditos presumidos ditos ‘operacionais' concedidos com a finalidade de simplificar o cumprimento das obrigações relativas à apuração do imposto. Nessa situação, a totalidade do crédito presumido de ICMS não se configura um benefício fiscal”, afirma a Receita no comunicado.

Fonte: Valor Econômico