Quando o imposto chega antes da receita: o novo desafio de caixa das clínicas

Área: Contábil Publicado em 08/12/2025

Nova regra fiscal impõe desafios ao setor de saúde e exige revisão urgente de gestão de caixa.

A implementação da reforma tributária inaugurou um novo regime de recolhimento que altera de forma estrutural a dinâmica financeira do setor de saúde. A retenção automática do imposto no momento do pagamento ao prestador, mecanismo que aproxima o modelo brasileiro do split payment adotado em jurisdições europeias, introduz uma ruptura significativa no fluxo de caixa de clínicas e consultórios, com efeitos que vão muito além do mero ajuste operacional.

Historicamente, as clínicas recebiam o valor integral de pacientes e operadoras e recolhiam o tributo apenas no mês seguinte. Esse intervalo funcionava como uma fonte de capital de giro, essencial para custear folha, fornecedores e despesas fixas. A partir de agora, esse colchão desaparece. O faturamento bruto permanece igual, mas o ingresso líquido é reduzido imediatamente. Em muitos casos, essa queda representa uma compressão de 10% a 20% do caixa disponível, uma mudança súbita para um setor cujas margens já vêm sendo pressionadas por reajustes insuficientes de repasses e aumento de custos assistenciais.

O problema se agrava quando se observa o fenômeno que chamo de inadimplência oculta. Em boa parte das operações com planos de saúde, o prestador não recebe integralmente o valor faturado no ato da cobrança. Glosas, revisões e pagamentos parciais fazem parte da rotina. Com a nova sistemática, porém, o imposto é retido integralmente na origem, independentemente de a clínica ter recebido tudo a que tem direito. Cria-se, assim, um risco jurídico-financeiro relevante: o prestador paga tributo sobre receita que ainda não ingressou, e que, em alguns casos, talvez nunca venha a ingressar.

Esse descasamento entre a base de cálculo presumida e o fluxo financeiro real pode produzir efeitos sistêmicos. Clínicas com margem estreita — realidade comum em especialidades de alto custo e baixa previsibilidade — podem entrar em ciclos de caixa negativos, com repercussões diretas sobre sua capacidade de manter equipes, honrar compromissos contratuais e investir em qualidade assistencial. O risco jurídico também aumenta: tensões contratuais com operadoras, dificuldade crescente de compliance tributário e possível judicialização para correção de distorções.

Embora a transição prevista para 2026 tenha caráter experimental, seus impactos não podem ser tratados como meramente operacionais. Trata-se de uma mudança que redistribui riscos entre Estado, operadoras, prestadores e, no desenho atual, o setor que presta o serviço é o elo mais vulnerável da cadeia.

Para atravessar esse período com segurança, as clínicas precisarão profissionalizar sua gestão financeira com rapidez. Será inevitável rever modelos de projeção de caixa, recalibrar reservas, estruturar políticas de antecipação de recebíveis e reforçar governança contratual com operadoras. Ao mesmo tempo, o setor precisará dialogar de forma mais incisiva com o regulador para evitar que a mecânica da retenção automática produza distorções incompatíveis com a sustentabilidade da prestação de serviços de saúde.

A reforma busca simplificação, eficiência e maior aderência entre arrecadação e fato gerador. Mas, no setor de saúde, a calibragem final dessa transição será determinante para que o modelo cumpra seus objetivos sem comprometer a viabilidade econômica de clínicas e consultórios que atendem milhões de brasileiros.

 

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Fonte: Jota Informações