Opinião - Sub-rogação do Funrural e a revisão do PRR

Área: Pessoal Publicado em 12/07/2023 | Atualizado em 23/10/2023 Imagem coluna Foto: Divulgação
Fonte: Jornal Valor Econômico

Como a sub-rogação é inconstitucional, débitos de Funrural jamais poderiam ter sido incluídos em programas de parcelamento

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Muitas foram as discussões no Judiciário envolvendo o Funrural, com decisões pelo Supremo Tribunal Federal (STF) relativas aos mais diversos temas. Ilustrativamente, vale referir o julgamento do RE 596.177, em regime de repercussão geral (Tema 202), quando se declarou a inconstitucionalidade da contribuição em comento, bem como o julgamento do RE 718.874, quando se reconheceu a constitucionalidade, face a Lei nº 10.256/01 (Tema 669).

Ocorre que, quando do julgamento da ADI 4.395/DF, um novo e importante capítulo no histórico jurisprudencial do Funrural foi escrito pelo STF. Isso porque, em tal caso, ainda que se tenha decidido pela constitucionalidade do Funrural devido pelo produtor rural pessoa física (em reafirmação da sua jurisprudência), decidiu-se pela inconstitucionalidade da sub-rogação do Funrural, estabelecida pelo artigo 30, IV, da Lei nº 8.212/91, em nova reafirmação de entendimento já histórico da Corte.

Por força de tal dispositivo, os adquirentes de produção rural são obrigados a reter, declarar e recolher referido tributo em substituição ao produtor rural pessoa física (segurado especial e/ou empregador). Portanto, a sub-rogação nada mais é do que uma modalidade de transferência da responsabilidade pela retenção e recolhimento do tributo, que deixa de ser do produtor pessoa física e passa a ser do adquirente.

O posicionamento do STF pela inconstitucionalidade da sub-rogação do Funrural não é novidade. Em 2010, quando do julgamento do RE 363.852, o STF se manifestou dessa forma, ante a ausência de lei complementar para disciplinar a questão. E como o Funrural foi tido como inconstitucional, a sub-rogação também teria de ser fulminada - afinal, não faria sentido se manter uma modalidade de retenção de tributo inconstitucional.

O entendimento se repetiu em 2011, em regime de repercussão geral, quando do julgamento do famoso RE 596.177 (Tema 202) o STF voltou a declarar a inconstitucionalidade do artigo 1º, da Lei nº 8.540/92, que havia dado nova redação ao artigo 25, I e II, e ao artigo 30, IV, da Lei nº 8.212/91. Uma vez mais, entendeu a Suprema Corte que o Funrural seria inconstitucional por ausência de lei complementar a discipliná-lo. Sendo o tributo inconstitucional, é natural que caia a sub-rogação.

Tanto é fato que o artigo 30, IV, da Lei nº 8.212/91 foi repetidas vezes declarado inconstitucional que até mesmo o Senado Federal, à luz do artigo 52, X, da Constituição Federal, editou a Resolução nº 15/2017, trazendo efeito erga omnes à questão ao estabelecer ficar “suspensa, nos termos do artigo 52, inciso X, da Constituição Federal, a execução do () artigo 30, inciso IV, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991 () declarados inconstitucionais por decisão definitiva proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do Recurso Extraordinário nº 363.852”.

Posteriormente, o STF reviu o posicionamento e declarou a constitucionalidade do Funrural, devido à Lei nº 10.256/01, sanando vícios formais e materiais de inconstitucionalidade que, até então, fulminavam-na (Tema 669). Contudo, o caso não tratou da sub-rogação, eis que foi julgado tendo como referência um recurso extraordinário de um produtor rural pessoa física e que, portanto, tinha na sub-rogação matéria estranha ao feito.

Logo, há mais de 10 anos, o STF vem declarando a inconstitucionalidade da sub-rogação do Funrural, inclusive em julgamento submetidos à sistemática da repercussão geral. Ou seja: inexiste legislação que obrigue o adquirente de produção rural a incorrer na sub-rogação do Funrural. Portanto, não é surpresa alguma que, em dezembro do ano passado, o STF tenha ratificado o posicionamento no julgamento da ADI 4.395.

Especificamente quanto à sub-rogação, os ministros Dias Toffoli, Marco Aurélio, Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello decidiram pela inconstitucionalidade do artigo 30, IV, da Lei nº 8.212/91. Logo, mesmo diante da constitucionalidade do Funrural, o dever de sub-rogação da contribuição quando da aquisição de produção agropecuária segue inconstitucional, conforme jurisprudência de 2010.

Embora a questão imponha discussões e soluções para as competências vindouras, tal decisão tem importante impacto no que diz respeito a cobranças passadas - inclusive dos adquirentes de produção rural que se valeram do Programa Especial de Regularização Tributária Rural, o PRR.

Programa especial de parcelamento de débitos tributários do Funrural, o PRR visou dar condições às agroindústrias e produtores rurais pessoas jurídicas de adimplir com passivos decorrentes da guinada de jurisprudência do STF a respeito dessa contribuição previdenciária. Isso porque, quando do julgamento do RE 718.874, deu-se nova roupagem ao assunto e se decidiu pela constitucionalidade, o que significou novos débitos - e débitos impagáveis.

Por isso, surgiu o PRR. Assim, diversos contribuintes aderiram com débitos do Funrural, inclusive decorrentes de sub-rogação. No entanto, como a sub-rogação é inconstitucional, esses débitos jamais poderiam ter sido incluídos em programas de parcelamento - sob pena de as empresas do setor agroindustrial estarem pagando tributos indevidos.

Como a adesão ao PRR foi realizada por muitas empresas do agronegócio, o assunto tem enorme impacto financeiro para o setor. Importante, assim, que as empresas estejam atentas e preparadas para agir para reduzir os encargos com as parcelas de PRR, revisando os débitos parcelados.

Bruno A. François Guimarães é advogado e sócio do RMMG Advogados NULL Fonte: NULL