Opinião: Assédio eleitoral nas relações de trabalho
Área: Pessoal Publicado em 13/10/2022 | Atualizado em 23/10/2023
Fonte: Conjur
Em tempos de eleição, indubitavelmente as questões e opiniões políticas poderão adentrar no meio ambiente de trabalho. Neste atual cenário, surge a preocupação quanto aos impactos advindos do processo eleitoral nas relações trabalhistas, em particular quanto à temática do assédio eleitoral.
Mas o que seria isso? Com a palavra, Nayana Shirado:
"Para além da campanha eleitoral realizada no chão da fábrica ou no corpo a corpo do lado de fora, algumas candidaturas imbuídas do espírito de que para ser eleito vale tudo, lançam mão de condutas entre apoiadores e colaboradores, no ambiente de trabalho, que desequilibram a disputa eleitoral e beiram, no mínimo, à reprovação moral.
Trata-se da prática de assédio eleitoral no ambiente de trabalho ou assédio político, como também é conhecido o fenômeno que, embora mereça maior atenção da comunidade jurídica, por tangenciar o direito eleitoral, o direito administrativo e o direito do trabalho, não ensejou produção legislativa ou literatura específica até o presente momento, havendo esparsas menções nas atuações do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Assim, por se tratar de uma modalidade de assédio, pode-se afirmar que está associado à ideia de coagir, impor, pressionar o trabalhador, pouco importando o liame contratual (efetivo ou temporário), ou o tomador do serviço (entidade privada ou pública), com o objetivo de fazer aderir a determinados grupos políticos, obter-lhe voto e/ou apoio a candidatos no interesse do assediante, contra a vontade do assediado, ou ainda associado à conduta de fazer adotar determinadas posturas político-ideológicas contrárias às da vítima".
Nos últimos dias está sendo veiculado pela imprensa o crescimento das denúncias envolvendo o assédio eleitoral, cujos casos são objetos de investigação pela Defensoria Pública e pelo Ministério Público do Trabalho.
Aliás, o MPT divulgou recentemente a Recomendação 01/2022 com o intuito de orientar as empresas e empregadores sobre as consequências da prática do assédio eleitoral. Segundo tal recomendação, deve-se coibir a prática de atos que concedam benefícios ou vantagem em troca de voto, assim como ameaças e constrangimentos aos trabalhadores para votar em determinada pessoa nas próximas eleições.
Bem por isso, uma vez constatado o abuso de poder patronal para que o(a) trabalhador(a) seja coagido(a), intimidado(a), ameaçado(a) ou influenciado(a) em seu voto, estaremos diante do assédio eleitoral. Caso seja comprovada a denúncia, a empresa poderá responder uma ação civil pública, assim poderá suportar o pagamento de uma indenização por danos morais.
No mesmo sentido, foi divulgada também uma nota técnica para a atuação do Ministério Público do Trabalho em face das denúncias sobre a prática de assédio eleitoral no âmbito do mundo do trabalho. A título de exemplo, o MPT do Paraná, após o primeiro turno das eleições, já tinha recebido pelo menos 30 denúncias de assédio eleitoral.
Do ponto de vista normativo brasileiro, o Código Eleitoral define nos seus artigos 299 e 301 a prática de assédio eleitoral como crime, podendo, inclusive, resultar em pena de reclusão de até quatro anos. Não por outra razão qual algumas centrais sindicais estão produzindo material sobre o assédio eleitoral, com explicações sobre a legislação e informações de como proceder com as denúncias.
De fato, a liberdade de consciência, expressão e orientação política se traduz, a um só tempo, numa garantia e num direito fundamental, assegurados pela Carta Maior em seu artigo 5º, inciso VIII.
Por isso que a Resolução nº 23.610, de 18 de dezembro de 2019, impede a circulação de material de campanha e propaganda eleitoral nas empresas. Ainda, a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, estabelece as normas para as eleições, de modo que a referida legislação define o que é autorizado ou não em se tratando de propaganda eleitoral.
Já do ponto de vista internacional, a Convenção 111 da OIT veda a discriminação em matéria de emprego e ocupação, compreendendo, como distinção, aquela fundada em opinião política.
A título de exemplos, podem ser citadas algumas situações aptas a configurar o assédio eleitoral, tais como: promessas de pagamento de salários; chances de promoções; ameaças de demissão por causa da opção política, entre outras.
Em caso judicializado, a 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região condenou uma empresa ao pagamento de uma indenização por dano moral, vez que o dono da empresa teria induzido os empregados a votar em seu candidato. Para a desembargadora relatora, o "modo de agir da empresa, conforme descrito pelas testemunhas e pela mídia juntada, implica em prática de ato ilícito pela ré, que atingiu a honra da reclamante; a ofensa causou dano moral que deve ser objeto de reparação".
Claro está, portanto, que a empresa deve adotar todas as medidas efetivas a fim de coibir a prática do assédio eleitoral, pois, uma vez configurado, justifica até mesmo a rescisão indireta do contrato de trabalho. Afinal, o empregador deve zelar por um meio ambiente do trabalho seguro e saudável, de sorte a promover, através de políticas internas, orientações para se evitar campanhas e propagandas políticas no local de trabalho.
Em arremate, impende destacar que o poder diretivo do empregador não é absoluto, encontrando limitações, principalmente, quando colide com os direitos e garantias fundamentais dos trabalhadores.
Ricardo Calcini é mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador acadêmico do projeto "Prática Trabalhista" (ConJur), membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.
Leandro Bocchi de Moraes é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo "O Trabalho Além do Direito do Trabalho", da USP.
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Em tempos de eleição, indubitavelmente as questões e opiniões políticas poderão adentrar no meio ambiente de trabalho. Neste atual cenário, surge a preocupação quanto aos impactos advindos do processo eleitoral nas relações trabalhistas, em particular quanto à temática do assédio eleitoral.
Mas o que seria isso? Com a palavra, Nayana Shirado:
"Para além da campanha eleitoral realizada no chão da fábrica ou no corpo a corpo do lado de fora, algumas candidaturas imbuídas do espírito de que para ser eleito vale tudo, lançam mão de condutas entre apoiadores e colaboradores, no ambiente de trabalho, que desequilibram a disputa eleitoral e beiram, no mínimo, à reprovação moral.
Trata-se da prática de assédio eleitoral no ambiente de trabalho ou assédio político, como também é conhecido o fenômeno que, embora mereça maior atenção da comunidade jurídica, por tangenciar o direito eleitoral, o direito administrativo e o direito do trabalho, não ensejou produção legislativa ou literatura específica até o presente momento, havendo esparsas menções nas atuações do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Assim, por se tratar de uma modalidade de assédio, pode-se afirmar que está associado à ideia de coagir, impor, pressionar o trabalhador, pouco importando o liame contratual (efetivo ou temporário), ou o tomador do serviço (entidade privada ou pública), com o objetivo de fazer aderir a determinados grupos políticos, obter-lhe voto e/ou apoio a candidatos no interesse do assediante, contra a vontade do assediado, ou ainda associado à conduta de fazer adotar determinadas posturas político-ideológicas contrárias às da vítima".
Nos últimos dias está sendo veiculado pela imprensa o crescimento das denúncias envolvendo o assédio eleitoral, cujos casos são objetos de investigação pela Defensoria Pública e pelo Ministério Público do Trabalho.
Aliás, o MPT divulgou recentemente a Recomendação 01/2022 com o intuito de orientar as empresas e empregadores sobre as consequências da prática do assédio eleitoral. Segundo tal recomendação, deve-se coibir a prática de atos que concedam benefícios ou vantagem em troca de voto, assim como ameaças e constrangimentos aos trabalhadores para votar em determinada pessoa nas próximas eleições.
Bem por isso, uma vez constatado o abuso de poder patronal para que o(a) trabalhador(a) seja coagido(a), intimidado(a), ameaçado(a) ou influenciado(a) em seu voto, estaremos diante do assédio eleitoral. Caso seja comprovada a denúncia, a empresa poderá responder uma ação civil pública, assim poderá suportar o pagamento de uma indenização por danos morais.
No mesmo sentido, foi divulgada também uma nota técnica para a atuação do Ministério Público do Trabalho em face das denúncias sobre a prática de assédio eleitoral no âmbito do mundo do trabalho. A título de exemplo, o MPT do Paraná, após o primeiro turno das eleições, já tinha recebido pelo menos 30 denúncias de assédio eleitoral.
Do ponto de vista normativo brasileiro, o Código Eleitoral define nos seus artigos 299 e 301 a prática de assédio eleitoral como crime, podendo, inclusive, resultar em pena de reclusão de até quatro anos. Não por outra razão qual algumas centrais sindicais estão produzindo material sobre o assédio eleitoral, com explicações sobre a legislação e informações de como proceder com as denúncias.
De fato, a liberdade de consciência, expressão e orientação política se traduz, a um só tempo, numa garantia e num direito fundamental, assegurados pela Carta Maior em seu artigo 5º, inciso VIII.
Por isso que a Resolução nº 23.610, de 18 de dezembro de 2019, impede a circulação de material de campanha e propaganda eleitoral nas empresas. Ainda, a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, estabelece as normas para as eleições, de modo que a referida legislação define o que é autorizado ou não em se tratando de propaganda eleitoral.
Já do ponto de vista internacional, a Convenção 111 da OIT veda a discriminação em matéria de emprego e ocupação, compreendendo, como distinção, aquela fundada em opinião política.
A título de exemplos, podem ser citadas algumas situações aptas a configurar o assédio eleitoral, tais como: promessas de pagamento de salários; chances de promoções; ameaças de demissão por causa da opção política, entre outras.
Em caso judicializado, a 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região condenou uma empresa ao pagamento de uma indenização por dano moral, vez que o dono da empresa teria induzido os empregados a votar em seu candidato. Para a desembargadora relatora, o "modo de agir da empresa, conforme descrito pelas testemunhas e pela mídia juntada, implica em prática de ato ilícito pela ré, que atingiu a honra da reclamante; a ofensa causou dano moral que deve ser objeto de reparação".
Claro está, portanto, que a empresa deve adotar todas as medidas efetivas a fim de coibir a prática do assédio eleitoral, pois, uma vez configurado, justifica até mesmo a rescisão indireta do contrato de trabalho. Afinal, o empregador deve zelar por um meio ambiente do trabalho seguro e saudável, de sorte a promover, através de políticas internas, orientações para se evitar campanhas e propagandas políticas no local de trabalho.
Em arremate, impende destacar que o poder diretivo do empregador não é absoluto, encontrando limitações, principalmente, quando colide com os direitos e garantias fundamentais dos trabalhadores.
Ricardo Calcini é mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador acadêmico do projeto "Prática Trabalhista" (ConJur), membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.
Leandro Bocchi de Moraes é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo "O Trabalho Além do Direito do Trabalho", da USP.
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