Notícia - Mercado de trabalho aquecido faz crescer judicialização no país

Área: Pessoal Publicado em 04/08/2025

Fonte: Jornal Valor Econômico 

Volume de novas ações cresceu 7,8% no 1º semestre, na comparação com igual período de 2024, ano marcado por recorde.

O mercado de trabalho aquecido e o aumento na rotatividade de trabalhadores fizeram crescer a judicialização no país. O número de novos processos trabalhistas aumentou 7,8% no primeiro semestre, na comparação com o mesmo período de 2024 - ano em que já havia sido registrado recorde na quantidade de demandas desde a reforma trabalhista de 2017.

De janeiro a junho, chegaram à primeira instância 1,87 milhão de processos. Os dados são do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Mesmo em patamar recorde, os números em proporção à população ocupada ainda são inferiores aos do período pré-reforma trabalhista de 2017.

“Se não houver judicialização é sinal de que não está tendo emprego. Ou que a sociedade chegou a um patamar de especialização e estão todos empregados”, afirma o presidente do TST, Aloysio Corrêa da Veiga. “Não me impressiona o aumento da judicialização, porque muitas vezes pode ser uma coisa temporal e não permanente.”

Com a reforma trabalhista, havia uma expectativa de melhoria nas condições de trabalho, segundo o presidente, porque haveria modernização da estrutura de emprego e possibilidade maior de contratação, “o que não é certo se acabou ocorrendo”.

O presidente reforça que as relações de trabalho têm grande sazonalidade. “O trabalho tem uma rotatividade grande, não tem proteção quanto à demissão arbitrária e havendo inadimplemento de obrigação há o juízo”, afirma Corrêa da Veiga.

O aumento da rotatividade no mercado de trabalho ajuda a explicar os números, segundo Bruno Imaizumi, economista da consultoria 4intelligence. “Sempre que a economia está aquecida há mais rotatividade no mercado de trabalho. Isso abre espaço para trabalhadores terem problemas com seus empregadores e levarem à Justiça”, diz.

Os dados do TST estão em linha com os que foram divulgados pelo IBGE, que mostram maior rotatividade em um mercado de trabalho ainda forte, segundo Imaizumi. “Projetando para o segundo semestre, em que o mercado de trabalho deve seguir forte, a perspectiva é que o número de novos processos trabalhistas cresça ainda mais”, afirma.

O economista reforça que, comparando o número de processos com a população ocupada, fica evidente que a reforma trabalhista foi importante para reduzir a litigância. “O número absoluto assusta, mas temos que lembrar que o mercado de trabalho brasileiro está em ascensão. Tem muito mais gente ocupada que na pré-reforma trabalhista e as relações de trabalho mudaram muito.”

Para Bruno Ottoni, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e especialista da FGV Projetos, o número da rotatividade da mão de obra do Caged, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, conversa com esse aumento no volume de processos. “Em tempos como os atuais, de mercado de trabalho aquecido, os saldos são positivos, mais pessoas admitidas que demitidas. Mas o Brasil tem certa particularidade no mercado de trabalho que é, em tempos aquecidos, haver maior rotatividade da mão de obra”, afirma.

Nessas circunstâncias, acrescenta, o número de admitidos e também de desligados aumenta. “É muito comum vermos o número de processos trabalhistas aumentando em momentos de mercado de trabalho aquecido, tem mais gente trocando de emprego e os processos trabalhistas aumentam.”

De acordo com os dados do Caged, os desligamentos subiram 6,9% entre janeiro e maio, em relação ao mesmo período de 2024. Foram 9,9 milhões entre janeiro e maio de 2024 e 10,6 milhões em 2025. As admissões foram, respectivamente, de 11,1 milhões e 11,7 milhões.

Tem mais vínculos fechando e abrindo e essa rotatividade também leva a mais processos trabalhistas”

— Daniel Duque

Para Daniel Duque, pesquisador de economia aplicada da FGV Ibre, a rotatividade em alta com maior número de trabalhadores ocupados leva a uma pressão maior sobre a Justiça do Trabalho. Mas há outro ponto relevante nessa equação, destaca, que foram as reversões de alguns pontos da reforma trabalhista de 2017, especialmente a desobrigação de o trabalhador pagar os custos do processo ao perder a causa se ele tiver justiça gratuita e uma expansão de quem consegue o benefício. “É um incentivo maior não ter custo ao perder a ação”, afirma.

O aumento do mercado de trabalho formal, com mais vínculos, também leva a mais conflitos, segundo Duque, o que vem elevando os números nos últimos anos. “Tem mais vínculos fechando e abrindo e essa rotatividade também leva a mais processos.”

Com a projeção de que 2025 é o melhor ano para o mercado de trabalho e que em 2026 deve haver pequena alta no desemprego, diz Duque, pode-se esperar o pico das ações em 2025. Além da mudança no mercado de trabalho, o pesquisador afirma que não haverá o efeito do represamento de trabalhadores que só entraram com ações depois das mudanças desses pontos da reforma trabalhista.

De acordo com José Eymard Loguercio, sócio do LBS Advogados, que representa a Central Única dos Trabalhadores (CUT), múltiplos fatores podem influenciar a queda ou a elevação do número de processos na Justiça do Trabalho e não há, necessariamente, efeito da facilitação da gratuidade. “No ano de 2024 houve recorde do número de desligamentos a pedido. Para onde foram esses trabalhadores? Em geral, as reclamações trabalhistas estão bastante relacionadas aos desligamentos tanto no mercado formal, quanto no informal”, afirma.

Para o advogado, o número expressivo de desligamentos ajuda a explicar o aumento do número de processos na primeira instância. Ao mesmo tempo, segundo Eymard, menos recursos ou o saldo menor de processos indicam um maior número de casos encerrados por acordos e também uma maior agilidade nos julgamentos dos tribunais.

Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que incluem os recursos à segunda instância e execuções, mostram uma queda de 6% nos processos trabalhistas entre janeiro e maio, em comparação com o mesmo período do ano passado. O dado aponta para uma aceleração no encerramento dos casos, devido à otimização dos julgamentos, apontam os advogados.

O advogado Fernando Peluso, sócio do escritório Peluso, Guaritá, Borges e Rezende Advogados, avalia que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de suspender todos os processos relacionados à chamada “pejotização” - contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação de serviços - poderia estar segurando a entrada de novas ações.

“Essa decisão do Supremo pode estar desestimulando as pessoas a entrarem com ações de forma imediata. Ou seja, se eu for entrar com uma ação de reconhecimento de vínculo de emprego e já sei que ela vai ficar suspensa, posso preferir esperar”, diz Peluso.

Com a derrubada de algumas travas, afirma o advogado Paulo Peressin, sócio de trabalhista do Lefosse, “as pessoas estão mais confortáveis para litigar sem correr tanto risco”. Mas a derrubada de travas trouxe efeito negativo grande abrindo portas para a litigância predatória ou aumento dela”, diz ele, acrescentando que tem observado maior iniciativa de juízes buscando investigar casos de litigância predatória na Justiça do Trabalho.

Já na avaliação do advogado trabalhista Gáudio Ribeiro, presidente da Redejur e do Instituto Dia, a redução no número de ações no segundo grau, nos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs), está relacionada a um conjunto de estratégias de otimização da prestação jurisdicional.

Entre elas, destaca o estímulo à conciliação por meio dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs) e a adoção de uma sistemática de julgamento mais ágil. “Até mesmo o uso da inteligência artificial pode estar, de alguma forma, impactando esse cenário. É apenas uma suspeita, eu diria, mas faz parte desse movimento de otimização.”