Notícia - Lei de igualdade salarial é vista com ressalvas por especialistas

Área: Pessoal Publicado em 10/03/2023 | Atualizado em 23/10/2023 Imagem coluna Foto: Divulgação
Fonte: Jornal Valor Econômico

Criação de distorções no mercado de trabalho é uma das preocupações

O projeto de lei (PL) anunciado pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a igualdade salarial por gêneros é visto com ressalvas por especialistas. A insuficiência da proposta para aplacar as desigualdades de gênero, a possível criação de distorções no mercado de trabalho e o temor da judicialização são alguma das preocupações apontadas.

“Embora o PL tenha um intuito bom, precisamos compreender que a desigualdade de gênero é um fenômeno complexo e que dificilmente será resolvido apenas por intermédio de leis”, diz a economista Janaína Feijó, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre)..

“Políticas públicas e leis geralmente têm um objetivo bom, mas nem sempre logram o êxito esperado quando colocadas em prática, pois quando não são bem discutidas e desenhadas, podem mexer com os incentivos dos agentes e causar distorções não desejadas no mercado de trabalho, podendo inclusive agravar o problema que se pretende resolver.”

Janaína argumenta ainda que não parece tão claro que a legislação diz respeito a indivíduos que executam a mesma função dentro de uma mesma empresa. “Não é razoável que indivíduos na mesma função, mas que trabalham em empresas diferentes tenham o mesmo salário”, diz. “Uma lei que não especifica isso pode até levar empresas a fecharem as portas.”

Para Bruno Imaizumi, economista da LCA Consultores, o projeto é um movimento positivo, mas não muda a questão estrutural da desigualdade de gênero no mercado de trabalho. “Não vai mudar a regra do jogo. Essa é uma questão mais estrutural.”

Imaizumi afirma que a nova legislação pode ajudar a reduzir, mas não resolverá as diferenças de gênero no mercado de trabalho.

Segundo José Pastore, professor de relações do trabalho na Universidade de São Paulo (USP), o governo erra ao dar mais ênfase à punição, o que pode levar à judicialização e deixar empregadores mais cautelosos na hora de contratarem mulheres.

“Claro que tudo que puder ser feito para equalizar os salários entre homens e mulheres é benéfico. Mas é preciso ter bem claro que o mercado de trabalho não é um ente estático, é dinâmico, e reage a estímulos ou em função de punições”, afirma. “A proposta apresentada vai pelo caminho da punição. No entanto, a Constituição diz que a proteção do mercado de trabalho da mulher deve ser buscada por meio de incentivos específicos e não punições”, diz Pastore.

O Brasil já dispõe de instrumentos para combater a discriminação de gênero no trabalho e poderia começar a fazê-lo sem uma legislação nova, de equiparação salarial, afirma Hélio Zylbersztajn, professor sênior da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP.

“O Ministério do Trabalho e o governo em geral são perfeitamente capazes de hoje em alguns segundos encontrar empresas que praticam discriminação no mercado de trabalho. Existe um instrumento, o eSocial, em que elas têm de informar em tempo real todo o perfil, atributos de todos empregados. Então, é só apertar botão que se tem a lista de empregados segundo sexo, idade, tempo de serviço, escolaridade, ocupação.”

Ele argumenta, contudo, que a novidade está no valor da multa aplicada a empresas onde essas assimetrias ocorrem. A empresa que não cumprir com a medida dentro do prazo estabelecido terá de pagar multa administrativa equivalente ao valor de cinco vezes o maior salário pago pelo empregador, elevado em 50% em caso de reincidência.

Segundo advogadas ouvidas pelo Valor, a proposta não traz novidade em termos de direito, porque o tratamento isonômico já está assegurado na Constituição e na legislação trabalhista. Para elas, a lei avança em mecanismos de punição e controle, com multa mais pesada, e abre possibilidade de novas obrigações acessórias, com emissão de relatórios específicos pelo empregador, que podem ajudar no controle do tema. Independentemente de normas, o desafio maior sobre a discussão da igualdade salarial ainda se mantém na produção de provas robustas.

“A novidade no projeto de lei é que traz multas mais altas e cria um relatório de transparência salarial e remuneratória”, diz Juliana Bracks, sócia da Bracks Advogados e professora da área de direito trabalhista na PUC-Rio. Após aprovada a lei, o relatório, explica, ainda precisará ser regulamentado pelo Ministério do Trabalho e Previdência em relação a dados exigidos, periodicidade de entrega, forma de inspeção, processos de fiscalização que poderão ser deflagrados.

Mayra Palópoli, sócia do Palópoli & Albrecht Advogados, diz que o relatório pode se tornar um instrumento adicional de controle e fiscalização pelo Ministério do Trabalho e Previdência e pelo Ministério Público do Trabalho.

Já a coordenadora de justiça racial e de gênero no Brasil da ONG Oxfam, Tauá Pires, analisa positivamente a iniciativa e vê potencial para que o processo seja acelerado. “O pacote anunciado pelo governo é importante para elevar o patamar e fazer valer a CLT, obrigando os empregadores a terem compromisso maior com a divulgação de relatórios e até de assumir outros compromissos públicos para enfrentar essa desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho.”

Para ela, o projeto vai estimular mais uma mudança de cultura mesmo que a aplicação não seja simples. “O primeiro ponto positivo é que cria um precedente, um elemento simbólico para uma mudança cultural”, declara. “Mas a aplicabilidade, de fato, vai ser um desafio.”
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