Notícia - Justiça do Trabalho adota conciliação pré-processual
Área: Pessoal Publicado em 26/03/2024Fonte: Jornal Valor Econômico
O procedimento pretende ser mais simples do que o de um processo, não tem custas e ainda dispensa a obrigatoriedade de advogados.
O Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) aprovou, na sexta-feira, uma nova modalidade de solução de conflitos: a chamada reclamação pré-processual. Por meio dela, trabalhador ou empresa poderão levar um caso ao Judiciário para uma tentativa de conciliação a ser homologada pelo juiz, sem que exista um processo formal.
O procedimento pretende ser mais simples do que o de um processo, não tem custas e ainda dispensa a obrigatoriedade de advogados, o que tem despertado manifestações contrárias da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
O instrumento, contudo, já existe na área cível. É chamado de conciliação pré-processual. Somente no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) foram firmados 4.050 acordos entre 2022 e agosto de 2023. Essas conciliações podem ser feitas nas áreas ambiental, empresarial, tributária e de execuções fiscais. Na área fiscal, está a maioria deles: um total de 2,5 mil nesse mesmo período.
De acordo com a regulamentação do CSJT, o interessado em fazer um acordo deve levar o caso à Justiça do Trabalho, com uma breve explicação sobre o que seria objeto da mediação. A reclamação pré-processual será então distribuída a uma vara, que encaminhará o caso para o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) - que já é responsável por fazer mediação nos processos judiciais, antes das sentenças. Caso haja consenso, o conflito é registrado em sentença da qual não cabe mais recurso.
De acordo com o juiz do trabalho Rogerio Neiva, especialista em negociação de conflitos trabalhistas ou métodos consensuais, existem vantagens nesse procedimento ao se comparar com o chamado Acordo Extrajudicial Trabalhista, já utilizado desde a reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017).
No acordo extrajudicial, os advogados têm que entrar num consenso, redigir o que ficou decidido e levar à homologação do juiz - que nem sempre aceita. Já na reclamação pré-processual, a parte leva sua demanda, não é necessário advogado e o juiz vai ajudar a construir o acordo, que será homologado.
Esse procedimento, lembra Neiva, foi criado em 2016 para solucionar conflitos coletivos e deu muito resultado, o que pode acompanhar por ter sido juiz auxiliar no Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Depois, em 2021, foi editada a Resolução nº 288, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), que já passou a prever a reclamação pré-processual para os conflitos individuais. Porém, não tinha sido adotada na prática até agora porque ainda não haviam procedimentos claros sobre a sua aplicação, o que foi aprovado agora.
Para Neiva, o novo mecanismo traz vantagens para que o conflito possa ser resolvido de forma mais prática e eficiente. Contudo, ele afirma ser contrário à dispensa dos advogados. “Ao contrário da Justiça comum, é importante que exista o advogado, porque a relação de trabalho não é uma relação simples. Se os dois lados estiverem com seus advogados, existe uma prestação de serviços de maior qualidade”, diz.
De acordo com o presidente da Comissão de Direito do Trabalho do Conselho Federal da OAB, Ronaldo Tolentino, sócio da Ferraz dos Passos Advocacia, a entidade chegou a enviar um ofício para a CSJT registrando a sua preocupação, pedindo adiamento para que pudessem fazer um parecer sobre a questão. “Infelizmente o requerimento foi indeferido e agora temos essa resolução aprovada”, afirma.
A principal preocupação, diz Tolentino, é saber que trabalhadores considerados hipossuficientes poderão estar frente a frente com seus empregadores negociando direitos, desacompanhados de um advogado. “É uma relação desigual. Tanto que na homologação extrajudicial, aprovada com a reforma trabalhista, se exige a presença do advogado.”
Não se poderia comparar, segundo o advogado, com o caso da Justiça comum, em que o advogado também não é exigido, medida já chancelada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). “A situação é diferente na Justiça do Trabalho, tanto que o próprio Supremo já reconheceu que existem direitos trabalhistas indisponíveis de negociação”, diz
Diante dessa situação, Tolentino afirma que a Comissão de Direito do Trabalho vai redigir uma nota sobre a resolução e encaminhar o caso para a Comissão de Assuntos Constitucionais da OAB para o conselho avaliar se seriam necessárias medidas judiciais no STF.
Para Ester Lemes de Siqueira, sócia da área Trabalhista, do Palópoli & Albrecht Advogados, a reclamação pré-processual, embora tenha como promessa a celeridade na resolução de questões trabalhistas, “pode resultar em perdas de direitos para qualquer uma das partes, não trazendo segurança jurídica, com grandes chances de haver o arrependimento das partes posteriormente”. Ela destaca que a sentença homologatória é irrecorrível, “o que corrobora para a possibilidade de prejuízo e arrependimento das partes”. Por isso, diz, a presença de advogados “é fundamental para que as partes possam compor de forma justa”.
Antonio Carlos Aguiar, sócio do Peixoto e Cury Advogados, afirma que a conciliação sempre esteve presente no universo trabalhista, tanto que é obrigatória, após a abertura da audiência e antes da sentença. “O procedimento de mediação pré-processual é melhor ainda, uma vez que, antes mesmo de se buscar a solução por um terceiro [decisão judicial], os próprios interessados buscam a conciliação, servindo a Justiça apenas como uma facilitadora para esse fim”, diz ele, acrescentando que existem várias histórias de sucesso de mediação pré-processual coletiva nos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) de São Paulo e da região de Campinas (SP).