Jurisprudência - TRT-23 reconhece rescisão indireta de gestante após alteração na jornada de trabalho
Área: Pessoal Publicado em 08/12/2025Fonte: Conjur
Mudanças no horário ou nas condições de trabalho sem o consentimento mútuo entre empregado e empregador podem justificar o fim do contrato. Com base nessa tese, o Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (MT) reconheceu o pedido de rescisão indireta feito por uma trabalhadora de uma rede de farmácias e manteve parcialmente a indenização estabelecida em primeira instância. A alteração unilateral da jornada de trabalho fez com que o expediente se encerrasse após as 20h, obrigando a empregada, que estava grávida, a caminhar dois quilômetros devido à falta de transporte coletivo naquele horário.
Durante a audiência, o representante da farmácia não soube esclarecer se a ex-empregada havia pedido a mudança de horário. Nas provas juntadas ao processo, constava uma mensagem de Whatsapp dizendo que a alteração não poderia ser revertida: “Bom dia! Eu lamento mesmo Ana mas infelizmente a ordem veio lá de cima que todos os app deve cumprir esse horário”.
Diante disso, o juiz presumiu verdadeira a alegação de que ela pediu o retorno ao turno original e teve o pedido recusado. Na mesma audiência, a trabalhadora demonstrou interesse em retornar ao serviço em outra função, mas a empresa não aceitou a proposta.
Esse comportamento, aliado às mensagens apresentadas, levou a 8ª Vara do Trabalho de Cuiabá a concluir que o encerramento da prestação de serviços decorreu da alteração unilateral da jornada.
Decisão
Na decisão, o juiz determinou que a empresa pagasse as verbas rescisórias, o acesso ao seguro-desemprego e a indenização pela estabilidade provisória da gestação à empregada. O texto também diz que a mudança expôs a empregada a risco concreto e configurou alteração contratual lesiva, conforme previsto na Consolidação das Leis do Trabalho.
Além da alteração do contrato, a decisão levou em conta que a empresa não comprovou a formalização do pedido de demissão e apontou que, mesmo que houvesse, o desligamento só seria válido mediante assistência sindical, conforme exige o artigo 500 da CLT.
Como a empregada estava grávida, foi reconhecido o direito à estabilidade provisória, que não pôde ser usufruída em razão da conduta da empresa. Por isso, o Tribunal condenou a empresa ao pagamento de indenização correspondente à remuneração devida do último dia de trabalho, em fevereiro deste ano, até cinco meses após o parto. O juiz estabeleceu que a indenização inclui salários, férias, 13º salário, depósitos de FGTS e multa de 40% sobre o saldo.
Recurso
Ao recorrer da condenação, a farmácia alegou que a mudança de horário não teve relação com a gravidez e que a alteração ocorreu por desfalque de empregados. Argumentou também que a trabalhadora teria encerrado o expediente após às 20h em apenas dois dias, em situação excepcional e motivada por necessidade de serviço.
O relator do caso, desembargador Tarcísio Valente, observou que a empresa deixou de cumprir um dos requisitos básicos para a admissibilidade do recurso ao deixar de enfrentar os fundamentos da sentença, especialmente quanto à ausência de prova da formalização do pedido de demissão e à exigência de assistência sindical. Ele destacou que, mesmo que um dos fundamentos fosse afastado, os demais se mostrariam suficientes para manter a condenação.
Diante da ausência de argumentos sobre esses pontos essenciais, o relator concluiu que o recurso não preenchia os requisitos formais para prosseguir quanto à modalidade de ruptura contratual, conhecendo apenas quanto aos demais pontos do recurso ordinário. Dentre eles, o ponto em que a empresa contestou a condenação ao pagamento da indenização substitutiva da estabilidade gestacional, que incluía salários, férias e FGTS.
Por unanimidade, a 1ª Turma deu razão parcial ao pedido da farmácia e retirou do cálculo da indenização o FGTS e a multa de 40%. Os desembargadores consideraram que a indenização substitutiva da estabilidade compensa a perda da remuneração da empregada, devendo sua base de cálculo se restringir às parcelas de natureza remuneratória, como salários e férias. O FGTS e a multa de 40%, por serem depósitos em conta vinculada e não valores pagos diretamente ao trabalhador, não integram essa base.
Processo nº 0000114-74.2025.5.23.0008