Imunidade de IBS e CBS na exportação de serviços: desafios e dúvidas na LC 214

Área: Contábil Publicado em 25/04/2025

Exportar serviços e bens imateriais é, antes de tudo, exportar incertezas. Se para bens materiais a fronteira é física, para serviços e bens imateriais a linha divisória entre o que é ou não exportação se resume em dificuldade de interpretação da nova legislação. A recente Lei Complementar 214/2025, ao tentar delimitar a imunidade do IBS e da CBS nas exportações, reacende discussões antigas e inaugura novos desafios práticos e conceituais para aplicação em situações fáticas reais. Afinal, o que caracteriza, de fato, uma exportação de serviços e bens imateriais no Brasil?

Os últimos meses têm demandado estudos aprofundados a respeito das previsões da LC 214. Realmente, cada empresa deve urgentemente buscar compreender os efeitos da reforma da tributação do consumo sobre o seu negócio, uma vez que a nova lei pode impactar de formas diferentes cada setor econômico. Divergindo de muitas publicações sobre o tema, no entanto, este artigo vem apresentar uma dúvida, muito mais do que respostas. E essa dúvida envolve o tratamento tributário das exportações de serviços e bens imateriais.

Observando diretrizes atualmente adotadas para fins de PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS, as exportações serão imunes ao IBS e à CBS, conforme prevê o artigo 156-A, da Constituição. Para além de preservar uma inspiração já presente na legislação tributária atual, a imunidade das exportações assegura consistência do princípio do destino, aplicável inclusive às operações domésticas sujeitas ao IBS e à CBS.

Importante lembrar que a imunidade de tributos sobre exportações no Brasil não é apenas uma questão de política fiscal, mas uma garantia constitucional que visa promover a inserção do Brasil no mercado global, evitando a bitributação e estimulando a competitividade de bens e serviços brasileiros

Aqueles que lidam com os tributos atuais sabem que essa constatação não resolve todos os potenciais problemas. Isso porque permanece o desafio de definir o que é uma exportação.

No caso de bens materiais, a saída do território nacional parece ser, numa primeira aproximação, necessária (e, em muitos casos, suficiente) para caracterizar a exportação. No caso de serviços, por outro lado, esse deslocamento entre fronteiras não é evidente. Logo, pode haver dúvida quanto aos requisitos para caracterizar uma operação com serviços, ou mesmo com bens imateriais, como uma exportação. Prova disso é a infindável discussão sobre o significado de “resultado” do serviço para aplicação da imunidade em relação ao ISS.

Caput do artigo 80: definição da exportação de bens e serviços

Diante disso, ganha relevância o artigo 80 da LC 214, responsável por delimitar os contornos da imunidade de IBS e CBS em relação especificamente à exportação de serviços e bens materiais. Objetivamente, a caracterização de exportação — e, portanto, a aplicação de imunidade — depende do cumprimento de dois requisitos: (I) fornecimento para residente ou domiciliado no exterior e (II) consumo no exterior.

Quanto ao requisito (1), vale notar que o caput do artigo 80 não utiliza os termos “adquirente” ou “destinatário”, definidos na LC 214 e relevantes para operacionalizar o critério de destino estabelecido no artigo 11. Em outras palavras, adquirente e destinatário são termos comumente utilizados na LC 214 para definir o local onde a operação se considera corrida, definindo, portanto, o estado e o município competentes para exigir o IBS. Ao tratar da definição de exportação, esses termos não são imediatamente utilizados.

Ainda assim, é importante compreender suas definições, já que sua utilização surgirá, expressamente, em alguns dos parágrafos do artigo 80. Simplificadamente, adquirente é aquele responsável por pagar a contraprestação pelo fornecimento de bens e serviços (artigo 3°, inciso IV). Já o destinatário é aquele a quem o bem ou serviço é fornecido, mesmo sem se revestir da condição de adquirente (artigo 3°, inciso V).

Apesar da falta de menção expressa, parece que o caput do artigo 80 atribui relevância à figura do destinatário: a caracterização de exportação depende de um “fornecimento para residente ou domiciliado no exterior”. A preposição “para” expressa a ideia de finalidade, destinação, aproximando-se da definição de destinatário, ao mesmo tempo em que se afasta da noção de adquirente, por não estabelecer qualquer menção àquele responsável por arcar com a contraprestação. Analisando apenas o caput do dispositivo, significa que o destinatário do serviço ou bem imaterial deve ser residente ou domiciliado no exterior.

Contudo, não basta o cumprimento desse requisito para que haja exportação (e, portanto, para que seja aplicada a imunidade). Há ainda o requisito (II): o serviço ou bem imaterial deve ser consumido no exterior.

O parágrafo 6º do artigo 80 determina que “consumo” deverá ser compreendido de acordo com o parágrafo 1º do artigo 64, que trata do tema em relação às operações de importação de serviços ou bens imateriais. Para ambos os casos, consumo de bens imateriais e de serviços envolve “a utilização, a exploração, o aproveitamento, a fruição ou o acesso”.

Apesar da tentativa de trazer maior concretude, essa definição ainda veicula noções genéricas e que podem levar a dificuldades práticas de aplicação. Logo, há o justo receio de que essa previsão leve a novas discussões sobre a efetiva caracterização de uma exportação, a exemplo do que se observa atualmente para o ISS (definição de “resultado” da prestação do serviço).

Descompasso entre os requisitos da exportação e os critérios de destino

Antes de aprofundar a definição de “consumo”, vale pontuar o que foi analisado até aqui: o fornecimento de serviço ou bem imaterial para destinatário residente ou domiciliado no exterior não é suficiente para caracterizar uma exportação. Exige-se também que o consumo ocorra no exterior.

Justamente aqui reside a dúvida objeto deste artigo: no caso de serviços e bens imateriais em geral, o artigo 11, inciso X, define que o fator gerador do IBS e da CBS ocorrerá, como regra, no local do domicílio do adquirente. No caso de operações não onerosas que sejam tributadas, o fato gerador ocorre no domicílio do destinatário.

Como se nota, o critério adotado para definir o local da ocorrência do fato gerador para operações onerosas diverge da definição de exportação. Para definir o estado e o município competentes para exigir IBS, importa a localização do adquirente. Essa informação é, em princípio, irrelevante para caracterizar uma exportação. Aqui reside a dúvida: qual o tratamento tributário aplicável a uma situação em que o adquirente de serviço esteja no exterior, mas em que o destinatário esteja situado no Brasil? O que dizer do caso em que, apesar de adquirente e destinatário estarem no exterior, o consumo ocorre no Brasil?

Para ilustrar, imagine uma empresa brasileira que desenvolve um software sob encomenda para uma multinacional com sede nos Estados Unidos, mas cujo usuário final está localizado no Brasil. Nesse caso, o adquirente do serviço é a empresa americana, enquanto o destinatário, ou usuário final, está no Brasil e, portanto, o consumo também está no Brasil. Essa distinção pode gerar dúvidas sobre a aplicação da imunidade, especialmente se o consumo do serviço ocorrer em território nacional.

A LC 214 apresenta solução para a primeira pergunta: o parágrafo 8° do artigo 11 prevê que o local da operação será o domicílio do destinatário situado no Brasil caso o adquirente do serviço ou bem imaterial seja residente ou domiciliado no exterior. Apesar da sua contribuição, essa previsão tem uma grande limitação: o pressuposto é a existência de um destinatário no Brasil.

No caso da segunda questão apresentada acima, tanto o adquirente quanto destinatário estão situados no exterior. Em princípio, pareceria lógico que o artigo 11 não tratasse dessa situação, considerando a caracterização de uma exportação. No entanto, essa caracterização depende de um consumo no exterior, requisito que não é contemplado pelo artigo 11.

Um exemplo pode ajudar a compreender essa problemática: imaginemos que uma pessoa residente nos EUA vem passar suas férias em Salvador (BA). Para se deslocar até as praias e pontos turísticos, essa pessoa aluga um carro. Durante sua estada, no entanto, essa pessoa se envolve em um acidente automobilístico. Apesar de ter preservado sua integridade física e ter retomado para os EUA, essa pessoa passa a se ver envolvida em uma ação judicial relacionada ao acidente. Em razão disso, contrata os serviços de um advogado brasileiro para representá-la em juízo.

Nesse exemplo, há identidade entre a figura do adquirente e do destinatário do serviço (a pessoa residente nos EUA). No entanto, não há “exportação”, na dicção do artigo 80, já que o consumo desse serviço ocorre no Brasil. Apesar da dificuldade de precisar um município exato para o consumo (por exemplo, o local onde atua o advogado ou onde tramita a ação), parece evidente que sua utilização e aproveitamento envolvam o Brasil.

Outro exemplo relevante envolve empresas brasileiras de streaming que fornecem conteúdo para assinantes estrangeiros. Se um cliente estrangeiro acessa o serviço enquanto está temporariamente no Brasil, surge a dúvida: o consumo ocorreu no exterior ou em território nacional? Da mesma forma, consultorias online prestadas a multinacionais com filiais em diversos países ou um serviço de armazenamento em nuvem contratado por uma empresa estrangeira que pode ser acessado por usuários em diferentes países, inclusive no Brasil, podem gerar incertezas quanto ao local de consumo, aumentando o risco de bitributação e disputas fiscais.

Logo, é possível que uma operação com adquirente e destinatário no exterior não seja uma exportação imune, pelo fato de o consumo ocorrer no Brasil. Todavia, o artigo 11 define o local da operação com base na situação do adquirente ou do destinatário, não se valendo de qualquer critério relacionado ao consumo. No exemplo acima, significa que não há exportação, mas também não é possível definir onde o fato gerador ocorre. Apesar de essa indefinição afetar ambos os tributos, no caso do IBS a gravidade é ainda maior pois, por falta de previsão legal, não há critério para definir os entes competentes para exigir o IBS, muito embora a operação não esteja alcançada pela imunidade de exportações.

Para além do exemplo acima, essa situação será observada sempre que serviços ou bens imateriais contemplados pelo inciso X do artigo 11 forem fornecidos para adquirente/destinatário no exterior, mas com consumo no Brasil.

Parágrafo 2º do artigo 80: dificuldades na definição de consumo

A problemática apontada acima decorre da adoção de “consumo no exterior” para caracterizar uma exportação, apesar de esse critério não orientar a definição do local de ocorrência do fato gerador no artigo 11. Ou seja, não se trata de dificuldade de interpretar o que é consumo, mas da própria adoção desse critério.

Isso porque a dificuldade de precisar “consumo” parece ter sido reconhecida pela LC 214/2025. O parágrafo 2º do artigo 80 contempla presunção de que o local do consumo será o “domicílio do adquirente no exterior” na hipótese em que não seja possível “identificar o local do consumo pelas condições e características do fornecimento”.

Anteriormente, foi apontado que o caput do artigo 80 não parece atribuir relevância à localização do adquirente, prestigiando, na realidade, a situação geográfica do destinatário. Essa outra previsão, todavia, atribui relevância para o adquirente, necessariamente situado no exterior, para que a exportação seja caracterizada. Em outras palavras, quando o parágrafo 2º é aplicado, tanto o adquirente quanto o destinatário deverão estar situados no exterior para que a operação seja imune ao IBS e à CBS.

Em certa medida, essa previsão mitiga as divergências de critérios em relação ao artigo 11. Por exemplo, caso o advogado do exemplo anterior prestasse serviços de consultoria jurídica à pessoa residente nos EUA, previamente à representação judicial, talvez houvesse fundamento para sustentar dificuldade em definir onde esse serviço foi consumido. Com isso, aplicação do parágrafo 2° asseguraria a caracterização de uma exportação (já que o adquirente é residente no exterior).

No entanto, esse dispositivo legal é voltado apenas aos casos em que há dificuldade de se limitar onde ocorre o consumo. Os exemplos acima de serviços relacionados à atuação perante o Poder Judiciário brasileiro, desenvolvimento de software ou empresa de streaming, por sua vez, não parecem envolver dúvida quanto ao local de consumo dos serviços. Em princípio, o parágrafo 2° do artigo 80 não seria aplicável e permaneceria a situação destacada acima: não há exportação, mas o fato gerador não ocorre no Brasil.

Como podemos ver, setores como cloud computing, licenciamento de softwares, streaming e consultorias remotas enfrentam desafios ainda maiores para determinar o local de consumo, conforme exemplos mencionados acima. Nesses casos, a presunção do domicílio do adquirente pode não ser suficiente para resolver disputas fiscais nesses casos.

Conclusões

Uma exportação pode se transformar em importação?

A análise da LC 214/2025 revela que, apesar dos avanços na tentativa de delimitar a imunidade tributária nas exportações de serviços e bens imateriais, persistem dúvidas e lacunas interpretativas significativas que desafiam a aplicação prática da norma. A coexistência de critérios distintos para definição do local do fato gerador e para caracterização da exportação, especialmente diante das ambiguidades do conceito de consumo dissociado do critério de destino, abre espaço para interpretações divergentes e insegurança jurídica.

Como, então, o legislador e a administração tributária poderão superar essas lacunas? Será possível conciliar os critérios de adquirente, destinatário e consumo para garantir uma aplicação coerente e justa do IBS e da CBS? Ou estaremos diante de um cenário em que a indefinição continuará a gerar litígios e incertezas para contribuintes e fiscos estaduais e municipais?

Nesse contexto, é fundamental que o legislador e a Receita Federal adotem orientações específicas que esclareçam os limites da imunidade e os critérios de consumo. A experiência internacional, especialmente de países que já enfrentaram desafios semelhantes, pode contribuir para o aperfeiçoamento da legislação brasileira.

Diante desse cenário, permanece a dúvida: como, na prática, será possível conciliar os diferentes critérios legais e constitucionais para caracterizar a exportação de serviços e bens imateriais no novo cenário pós-reforma tributária do consumo? A LC 214 buscou trazer avanços, mas deixou lacunas que exigirão atenção redobrada de empresas, operadores do direito e da própria administração tributária. Será que a regulamentação infralegal e a jurisprudência conseguirão oferecer a segurança jurídica necessária, ou estaremos diante de uma nova era de controvérsias e disputas? O futuro da tributação sobre exportações de serviços, por ora, segue em aberto e repleto de desafios.

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Diogo Olm Ferreira

Renata Mazzilli

Fonte: Conjur