Governo precisa sancionar logo texto de uma reforma histórica
Área: Fiscal Publicado em 20/12/2024Governo precisa sancionar logo texto de uma reforma histórica
Após décadas de discussão, o Brasil terá um sistema tributário mais racional, simples e equitativo que o complexo e desigual que prevaleceu do regime militar até hoje. O Congresso aprovou finalmente o primeiro capítulo da reforma tributária, o mais importante, que será seguido pelo da reforma dos impostos sobre a renda e patrimônio e a constituição do órgão gestor do regime dual de impostos - IBS, que substitui ICMS e ISS, e CBS, no lugar de PIS, Cofins e IPI. Entre a ambição inicial e o resultado final houve uma profusão de regimes específicos (11) e alguns lobbies de setores em busca da menor alíquota, movimento que elevou a alíquota de referência do sistema. Com os acréscimos do Senado, e o pente fino feito na Câmara, a alíquota de referência atingiu 28%. O governo fez um projeto para obter de 23% a 26,5%, a Câmara elevou-o a 27,79% e o Senado a 28,7% - no fim chegou-se ao maior IVA do mundo. Com dois atenuantes: os consumidores já pagavam isso, mas não sabiam, e há mecanismos para fazer com que a alíquota volte aos 26,5%, a trava colocada pela reforma para que não houvesse aumento da carga tributária em relação ao regime anterior.
O aumento da alíquota de referência planejada foi provocado pelo Congresso, que incluiu as carnes em uma cesta básica isenta, o que, por si só, elevou em 1,45 ponto percentual a taxa geral. O Senado incluiu o saneamento básico no grupo de produtos com isenção de 60%, além de bolachas e água mineral (isso tudo a Câmara modificou), e retirou bebidas açucaradas do Imposto Seletivo (IS), cujas alíquotas serão maiores que a de referência. A grande falha da reforma foi não incluir armas e munições no IS, que agrupa produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente. Com a nova tributação, os dois itens pagarão menos impostos do que pagam hoje.
Da mesma forma, optou-se no Senado por isenção das carnes e outros itens da cesta básica quando o cashback para famílias inscritas no Cadastro Único, as mais pobres, permitiria um benefício focalizado e não um amplo, que também favorece as camadas de renda média e alta. Para os serviços, valerá o cashback para água, energia elétrica e esgoto. O Senado incluiu depois contas de telefone e internet.
Na etapa final, o Senado reclassificou para pagamento de menos impostos mais de 20 bens e serviços. Os deputados, no entanto, derrubaram a maioria delas, mas ampliaram benefícios para a Zona Franca de Manaus, entre eles a inexplicável isenção para a única refinaria de petróleo da região, pertencente à Atem, que não produz desde junho e importa quantidades acima das que fornece a capital amazonense.
A reforma ideal deveria respeitar o limite de 26,5% de alíquota de referência já desde sua aprovação. O Congresso, no entanto, entendeu diferente e deixou ao Executivo a iniciativa de recalibrar ao longo do caminho bens e serviços nos diferentes regimes específicos com alíquotas diferenciadas. Isso não será um obstáculo enorme porque o texto aprovado preservou as características básicas da reforma, o que a equipara aos regimes internacionais semelhantes: cobrança no destino e unificada, não cumulatividade plena.
O governo terá de enviar ao Congresso projeto de lei complementar em 2033, quando o regime entra em operação integral, para recalibrar as isenções e abatimentos, se for o caso, e manter a alíquota de 26,5%. A universalização da cobrança que o IBS e CBS permitem dificultarão muito a sonegação, a emissão de notas frias e sua falsificação, ampliando a arrecadação. Por outro lado, a não cumulatividade será poderoso incentivo para que setores que se beneficiam de tributação, como o Simples e empresas que se utilizam do crédito presumido, recolham o imposto para se creditar da aquisição de bens, serviços e insumos para sua operação.
“O melhor passou”, afirmou Bernard Appy, secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda. Ele acredita que a arrecadação crescerá sensivelmente e que será viável a manutenção da trava de 26,5% - ou até mesmo, com o tempo, a redução gradual da alíquota geral. Além da obrigação de projeto de lei do Executivo para rever e recalibrar bens e serviços, haverá avaliação geral obrigatória a cada cinco anos para averiguar a adequação dos grupos tarifários aos resultados que deles se esperam, inclusive os classificados no IS, que inclui veículos, bebidas açucaradas, embarcações e aeronaves, cigarros, bebidas etc. Na fase final, o Congresso fez correção necessária na taxação da mineração, isentando de impostos a exportação de minérios.
Haverá um bom período de transição. Em 2026, o regime começa a ser testado, com cobrança de 0,1% do IBS e 0,9% da CBS. Em 2027 acabarão PIS-Cofins e IPI e começará a cobrança do IS. Com os mecanismos de avaliação e correção assegurados na reforma, é importante que o presidente Lula sancione logo e sem vetos o texto aprovado pelo Congresso. Com todas as suas falhas, que podem ser eliminadas ao longo do caminho, ele consagra uma reforma histórica, que poderá aumentar a produtividade da economia e reduzir o absurdo custo de conformidade a que o velho regime obrigava. É um enorme avanço.
Fonte: Valor Econômico