Futuro da incidência do ITBI: STF e PLP 108 decidirão se cessões de direitos serão tributadas
Área: Fiscal Publicado em 21/10/2025Futuro da incidência do ITBI: STF e PLP 108 decidirão se cessões de direitos serão tributadas
O Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), de competência dos municípios, previsto no artigo 156, II, da Constituição, sempre gerou debates sobre a extensão de sua incidência, especialmente quando se trata das cessões de direitos sem a efetiva transferência da propriedade imobiliária.
O dispositivo constitucional estabelece três hipóteses distintas de incidência: (1) a transmissão onerosa de bens imóveis; (2) a transmissão de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia; e (3) a cessão de direitos à sua aquisição.
Apesar disso, a jurisprudência histórica concentrou-se na primeira hipótese, vinculando o fato gerador do ITBI ao registro do título no cartório de imóveis. Essa interpretação foi consolidada no julgamento do Tema 1.124 do STF, no ARE 1.294.969/SP, em que se fixou a tese de que “O fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro”. Naquele momento, afastou-se qualquer possibilidade de exigência do imposto sem o registro, inclusive para cessões de direitos decorrentes de compromissos de compra e venda.
Contudo, a decisão do STF não examinou de forma aprofundada a terceira hipótese prevista no artigo 156, II, da Constituição, referente à cessão de direitos à aquisição de imóveis. Tanto que, em agosto de 2022, ao julgar os embargos de declaração no mesmo ARE 1.294.969/SP, o STF não reafirmou a jurisprudência anterior e reconheceu que havia omissão quanto à análise dessa hipótese autônoma.
O voto do ministro Dias Toffoli destacou que o dispositivo constitucional distingue claramente três situações diferentes e que a tese fixada originalmente se baseou em precedentes voltados apenas à transmissão de propriedade, sem enfrentar a questão específica da cessão de direitos. Assim, a corte entendeu ser necessário reabrir o debate para definir, com profundidade, o alcance do comando constitucional e o efetivo momento de incidência do imposto nesses casos.
Nesse meandro, o STJ que já havia entendimento alinhado à tese inicial do Tema 1.124 (STJ, AgRg no AREsp 215.273/SP; AgRg no Ag 880.955/RJ; REsp 863.893/PR) recentemente, em AREsp 2.304.469, adotou uma postura mais cautelosa, e determinou o retorno dos autos ao juízo de origem para que aguardasse o novo julgamento do STF acerca do tema.
A situação jurídica está em aberto, e o julgamento do Tema 1.124 será determinante para definir se as cessões de direitos aquisitivos — quando uma pessoa transfere a outra o direito de adquirir determinado imóvel — constituem ou não fato gerador autônomo, ainda que sem o registro do título.
Do ponto de vista dos municípios, há argumentos favoráveis à incidência do imposto nessas operações. Sustenta-se que o texto constitucional inclui expressamente a “cessão de direitos à sua aquisição” como hipótese autônoma de tributação, independentemente do registro. Para os entes municipais, essa interpretação é necessária para evitar a perda de arrecadação e coibir planejamentos fiscais que visem postergar indefinidamente o recolhimento do tributo por meio de sucessivas cessões não registradas. A finalidade, nesse contexto, seria também antielisiva, buscando evitar a utilização de estruturas negociais para transferir, de forma indireta, o controle econômico do imóvel sem recolhimento do ITBI.
Por outro lado, há argumentos robustos contra essa incidência. A tese contrária apoia-se no fato de que a cessão de direitos obrigacionais não transfere o domínio, mas apenas a posição contratual, não haveria base legal para a cobrança. Além disso, a jurisprudência consolidada tanto no STF quanto no STJ reforça que a mera promessa ou cessão de direitos não configura fato gerador do ITBI enquanto não houver registro. Soma-se a isso a necessidade de preservar a segurança jurídica dos contribuintes, evitando situações de dupla tributação — quando o imposto poderia ser exigido tanto na cessão quanto na efetiva transferência da propriedade.
Impactos da decisão
Diante desse cenário, o julgamento pendente do STF, agora de relatoria do ministro André Mendonça, poderá seguir dois caminhos distintos: (1) manter o entendimento até então predominante, restringindo o fato gerador à transferência registrada e excluindo cessões de direitos; ou (2) reconhecer a cessão de direitos aquisitivos como hipótese autônoma, permitindo a cobrança do ITBI mesmo sem registro.
Enquanto não houver definição pelo STF acerca do tema, prevalece insegurança jurídica para contribuintes, investidores e para os próprios municípios. A decisão definitiva terá impactos expressivos não apenas na arrecadação tributária, mas também na estruturação de operações imobiliárias.
Destaca-se, ainda, que o PLP nº 108/2024, que irá integrar a reforma tributária, propõe alteração sensível no ITBI ao facultar a municípios e ao DF a antecipação da cobrança com base no artigo 35-A do CTN [1], deslocando o fato gerador para a celebração do ato translativo oneroso, independentemente do registro imobiliário. Embora a referência à onerosidade alinhe o CTN ao artigo 156, II, da CF, a antecipação conflita justamente com o Tema 1.124 do STF, que vinculava o fato gerador ao registro, tema cujo julgamento foi reaberto, como acima mencionado.
O projeto também admite alíquotas específicas mais baixas para incentivar o pagamento antecipado, o que pode melhorar a previsibilidade arrecadatória, e evitar cobranças majoradas quando da entrega de empreendimentos com potencial de grande valorização.
No tocante à base de cálculo, o novo artigo 38-A [2], do PLP nº 108/2024, legitima o uso do valor de referência (pauta) e impõe a adoção do maior entre ele e o preço da transmissão, transferindo ao contribuinte o ônus de demonstrar o valor de mercado em procedimento próprio; com isso, esvazia-se, na prática, o Tema 1.113 do STJ, que atribuía presunção de conformidade ao valor declarado.
Em conclusão, o futuro da incidência do ITBI nas cessões de direitos aquisitivos e o próprio momento de ocorrência do fato gerador dependerão da necessária harmonização entre a definição vinculante que vier a ser fixada pelo STF no Tema 1.124 e a eventual aprovação do PLP nº 108, que antecipa o fato gerador à celebração do ato translativo oneroso, e positivará o uso do “valor de referência” como base de cálculo prevalente.
[1] Art. 35-A. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento da celebração do ato ou título translativo oneroso do bem imóvel ou do direito real sobre bem imóvel.
[2] Art. 38-A. Considera-se valor venal, para fins do disposto no art. 38, o valor de referência ou o valor da transmissão, o que for maior, do bem imóvel ou dos direitos reais sobre bem imóvel. (…) § 3º Havendo discordância do valor de referência, caberá ao contribuinte comprovar o correto valor de mercado, por meio de procedimento específico, nos termos da legislação municipal ou distrital.
Fonte: Consultor Jurídico