Fundo estadual de combate à pobreza e ICMS-Difal
Área: Fiscal Publicado em 21/06/2024Fundo estadual de combate à pobreza e ICMS-Difal
O § 1º do artigo 82 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias [1] (ADCT), incluído pela Emenda Constitucional nº 42/2003 (EC 42/03), autoriza que os estados e o Distrito Federal criem adicional de até 2% na alíquota de ICMS sobre produtos e serviços supérfluos conforme condições definidas em lei complementar e vincula a arrecadação daí decorrente ao FECP.
Os produtos e serviços supérfluos e as condições para exigir o adicional de alíquota não estão definidos em lei complementar, mas ainda assim os estados-membros e o DF podem efetuar a cobrança segundo a Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF).
O § 4º da cláusula segunda do Convênio ICMS 236/21 [2] estabelece que o referido adicional de alíquota deve ser incluído no cálculo do ICMS-Difal.
Ocorre que a referida regra é inconstitucional, pois o adicional de alíquota para o FECP não possui a mesma natureza e tipologia tributária do ICMS.
Esse entendimento é corroborado pela Receita Federal e por Fiscos estaduais. Confira-se:
SOLUÇÃO DE CONSULTA 61 – COSIT (publicada em 28.03.2024)
À evidência, percebe-se que o adicional de alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços destinado aos Fundos Estaduais e Distrital de Combate à Pobreza ostenta natureza jurídica que não se confunde com a do ICMS propriamente dito, na medida em que tem efeito “cascata”, por ser cumulativo, além de possuir vinculação específica e não se sujeitar à repartição de que cuida o art. 158, inciso IV, da Constituição Federal. De resto, neste sentido, lembre-se o disposto no art. 16 do Código Tributário Nacional, instituído pela Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966:
Art. 16. Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.
(…) o valor referente ao adicional de alíquota do ICMS destinado aos Fundos Estaduais de Combate à Pobreza não deve ser excluído das bases de cálculo da incidência das contribuições em exame, visto ostentar natureza jurídica que não se confunde com a do ICMS propriamente dito, na medida em que tem efeito “cascata”, por ser cumulativo, além de possuir vinculação específica e não se sujeitar à repartição de que cuida o art. 158, inciso IV, da Constituição Federal;
CONSELHO DE RECURSOS FISCAIS DA PARAÍBA – TRIBUNAL PLENO [3]
A discussão da presente lide centraliza no fato de que a natureza jurídica do ICMS é a mesma do FUNCEP, entretanto, em todo o julgado ficou constatado que a natureza jurídica do ICMS e do FUNCEP são diversas, eis que o ICMS é um imposto, o qual tem como espécie o tributo FUNCEP.
Primeiramente, contrariando o entendimento da embargante, vale salientar que os recursos arrecadados do FUNCEP têm destinação específica, conforme o artigo 1º da Lei nº 7.611/04, supracitado. Portanto, tem natureza jurídica própria, diferentemente do imposto, cujo tributo independe de qualquer atividade estatal específica, conforme conceituação extraída do CTN, em seu artigo 16 abaixo transcrito:
Art. 16. Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.
Portanto, demonstra-se que não houve contradição pretendida, cuja alegação é a de que o ICMS e FUNCEP possuem natureza jurídica diversa, o que se desconfigura pela leitura do texto acima citado, em que demonstra a instituição do FUNCEP por meio da Lei nº 7.611/04, com todos os seus aspectos pessoal, quantitativo e material, ao art. 97 do CTN, e à Constituição Federal, que estabeleceu aos entes públicos a possibilidade de instituir fundos específicos, como forma de prover recursos, para aplicação em ações e programas que viabilizem aos mais necessitados níveis dignos de subsistência e melhorias na qualidade de vida, Fundos de Combate à Pobreza, nos termos previstos pelo Art. 82 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Assim, conforme demonstrado no voto embargado, não há como confundir o FUNCEP com o ICMS. A Lei nº 7.611/04, bem como o Decreto nº 25.618/04, que a regulamenta, não prevê qualquer redução na base de cálculo do FUNCEP, não podendo de forma alguma considerar o benefício fiscal atribuído ao ICMS nas prestações de serviço de comunicação, que foi estabelecido pelo Convênio ICMS 57/99, cuja norma foi incluída no art. 33, XI, “b”, do RICMS/PB.
O governador do Amazonas defendeu na ADI 5733[4] que “o adicional do ICMS previsto no artigo 82, § 1º do ADCT não pode ser interpretado indiscriminadamente sob o prisma das regras genericamente aplicáveis aos impostos (…) a própria previsão constitucional do adicional em questão configura com característica em princípio inconciliável com a tipologia do imposto”.
Art. 16. Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.
Portanto, demonstra-se que não houve contradição pretendida, cuja alegação é a de que o ICMS e FUNCEP possuem natureza jurídica diversa, o que se desconfigura pela leitura do texto acima citado, em que demonstra a instituição do FUNCEP por meio da Lei nº 7.611/04, com todos os seus aspectos pessoal, quantitativo e material, ao art. 97 do CTN, e à Constituição Federal, que estabeleceu aos entes públicos a possibilidade de instituir fundos específicos, como forma de prover recursos, para aplicação em ações e programas que viabilizem aos mais necessitados níveis dignos de subsistência e melhorias na qualidade de vida, Fundos de Combate à Pobreza, nos termos previstos pelo Art. 82 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Assim, conforme demonstrado no voto embargado, não há como confundir o FUNCEP com o ICMS. A Lei nº 7.611/04, bem como o Decreto nº 25.618/04, que a regulamenta, não prevê qualquer redução na base de cálculo do FUNCEP, não podendo de forma alguma considerar o benefício fiscal atribuído ao ICMS nas prestações de serviço de comunicação, que foi estabelecido pelo Convênio ICMS 57/99, cuja norma foi incluída no art. 33, XI, “b”, do RICMS/PB.
O governador do Amazonas defendeu na ADI 5733[4] que “o adicional do ICMS previsto no artigo 82, § 1º do ADCT não pode ser interpretado indiscriminadamente sob o prisma das regras genericamente aplicáveis aos impostos (…) a própria previsão constitucional do adicional em questão configura com característica em princípio inconciliável com a tipologia do imposto”.
Como antecipado, nosso entendimento é de que tecnicamente o adicional de alíquota para o FECP tem natureza e tipologia tributária de contribuição especial.
O artigo 16 do Código Tributário Nacional (CTN) dispõe que imposto “é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte” [5].
Em outras palavras, o contribuinte paga sem receber qualquer contraprestação estatal específica, uma vez que imposto é “o tributo que tem por hipótese de incidência (confirmada pela base de cálculo) um fato alheio a qualquer atuação do poder público” [6].
As contribuições especiais também têm como hipótese de incidência um fato que independe de qualquer atividade estatal específica em relação ao contribuinte (contraprestação), mas diferentemente dos impostos, a receita das contribuições é vinculada.
O inciso IV do artigo 167 da Constituição [7] proíbe a vinculação da receita dos impostos, com exceção da arrecadação dos impostos especificados no artigo 158 e no artigo 159 também da Constituição.
De modo que 25% da arrecadação de ICMS pertence aos municípios [8].
A hipótese de incidência do adicional de alíquota para o FECP independe de qualquer atividade específica para o contribuinte, aproximando-o do conceito jurídico de imposto, mas a sua arrecadação possui vinculação, e os municípios estão excluídos da participação da receita arrecadada, aproximando-o do conceito jurídico de contribuição especial.
Argumentos frágeis sobre contribuições especiais
Os defensores da tese de que o adicional para o FECP teria a mesma natureza e tipologia tributária do ICMS alegam que a vinculação da receita seria uma exceção à regra do inciso IV do artigo 167 da Constituição.
Bem como alegam que os estados e o Distrito Federal não estariam autorizados a instituir contribuições especiais.
Os argumentos desta tese são frágeis, pois de igual forma que a vinculação do adicional de alíquota para o FECP poderia ser interpretada como exceção à regra do inciso IV do artigo 167 da CF, a sua instituição pelos estados ou o Distrito Federal também poderia constituir exceção à regra do artigo 149 da CF, que dispõe sobre as contribuições especiais.
Portanto, os referidos argumentos são insuficientes para definir a natureza jurídica do adicional de alíquota para o FECP.
Como visto, 25% da arrecadação do ICMS pertence aos municípios, mas estes estão excluídos da participação da receita do adicional de alíquota para o FECP.
A “repartição de receita objetiva preservar o pacto federativo e minimizar os efeitos do federalismo assimétrico” [9].
E a forma federativa de Estado é cláusula pétrea, i.e., não pode ser modificada nem mesmo por emenda constitucional.
De modo que, se o adicional de alíquota para o FECP tem a mesma natureza e tipologia tributária do ICMS, a EC 42/03 é inconstitucional por ferir o pacto federativo ao excluir os municípios da participação na sua receita.
Assim a única conclusão possível é de que o adicional de alíquota para o FECP tem natureza de contribuição especial.
E sendo uma contribuição especial, o adicional de alíquota para o FECP não pode ser incluído no cálculo do ICMS-Difal.
Logo o § 4º da Cláusula Segunda do Convênio ICMS 236/21 é inconstitucional.
Os contribuintes têm que ajuizar demandas judiciais visando a definir a natureza e a tipologia tributária do adicional de alíquota para o FECP tendo em vista o entendimento da Receita Federal na Solução de Consulta 61 — Cosit e a regra do § 4º da Cláusula Segunda do Convênio ICMS 236/21.
Pois na atual indefinição os contribuintes precisam incluir o adicional de alíquota para o FECP no cálculo do ICMS-Difal e não podem excluir o mesmo valor da base de cálculo das contribuições para o PIS/Cofins, o que aumenta a carga tributária.
[1] Ato das disposições constitucionais transitórias
Art. 82. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem instituir Fundos de Combate à Pobreza, com os recursos de que trata este artigo e outros que vierem a destinar, devendo os referidos Fundos ser geridos por entidades que contem com a participação da sociedade civil.
§ 1º Para o financiamento dos Fundos Estaduais e Distrital, poderá ser criado adicional de até dois pontos percentuais na alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, sobre os produtos e serviços supérfluos e nas condições definidas na lei complementar de que trata o art. 155, § 2º, XII, da Constituição, não se aplicando, sobre este percentual, o disposto no art. 158, IV, da Constituição.
[2] Convênio ICMS 236/2021
Cláusula segunda Nas operações e prestações de que trata este convênio, o contribuinte que as realizar deve:
§ 4º O adicional de até dois pontos percentuais na alíquota de ICMS aplicável às operações e prestações, nos termos previstos no art. 82, § 1º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal, destinado ao financiamento dos fundos estaduais e distrital de combate à pobreza, é considerado para o cálculo do imposto, conforme disposto na alínea “a” dos incisos I e II do “caput”, cujo recolhimento deve observar a legislação da respectiva unidade federada de destino.
[3] Conselho de Recursos Fiscais – CRF. Tribunal Pleno. Relatora: Conselheira GÍLVIA DANTAS MACEDO. Processo nº 134.108.2015-9. Recurso EBG/CRF nº 395/2017. Sessão: 21.12.2017.
[4] ADI 5733. Órgão julgador: Tribunal Pleno. Relator: Min. ALEXANDRE DE MORAES. Julg.: 20.09.2019.
[5] Código Tributário Nacional
Art. 16. Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.
[6] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário / Paulo de Barros Carvalho. – 30. ed. – Sã o Paulo: Saraiva Educação, 2019. Pág. 76.
[7] Constituição
Art. 167. São vedados:
IV – a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo;
[8] Constituição
Art. 157. Pertencem aos Estados e ao Distrito Federal:
IV – 25% (vinte e cinco por cento):
a) do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação;
[9] CARNEIRO, Claudio Curso de Direito Tributário e Financeiro / Claudio Carneiro. – 9. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020. Pág. 373.
Fonte: Consultor Jurídico