Desafios na judicialização da reforma tributária

Área: Fiscal Publicado em 12/03/2025

Desafios na judicialização da reforma tributária

A promulgação da Lei Complementar nº 214, em 16 de janeiro, demonstra que o país está em um movimento consistente para reformar seu sistema tributário, que se tornou excessivamente complexo e injusto. A Emenda Constitucional (EC) nº 132/2023 criou grandes expectativas quanto à melhoria da tributação sobre a produção e o consumo de bens e serviços, que vai ganhando corpo com a recentíssima lei aprovada. Para este ano, espera-se a regulamentação do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a ser compartilhado pelos Estados, Distrito Federal e municípios, bem como do respectivo processo administrativo.

Há outras alterações legais em discussão no Congresso Nacional, como os projetos de lei de Código de Defesa do Contribuinte, a reforma do processo administrativo federal e uma nova lei de execuções fiscais.

Entretanto, há outra reforma necessária para se buscar segurança jurídica e estabilidade jurisprudencial mais célere, principalmente em relação ao IBS e à sua congênere federal, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS): a reforma do processo judicial relativo a tais tributos. Eles foram previstos na EC nº 132/2023 como duas versões de um só imposto. Para isso, o constituinte estipulou que a legislação de ambos seria uma só, com fato gerador, contribuintes, base de cálculo e todos os elementos normativos iguais, exceto, unicamente, as alíquotas. A Lei Complementar nº 214/2025 prevê até mesmo “a harmonização das normas, interpretações, obrigações acessórias e procedimentos relativos ao IBS e à CBS” (artigo 318). Porém, para que o objetivo de uniformidade funcione, tem-se que buscar uma forma mais rápida e, de preferência, unificada para a solução dos litígios judiciais.

Se nada for feito, os contribuintes com atuação nacional que quiserem discutir judicialmente algum aspecto dessa tributação deverão ingressar na Justiça Estadual com centenas de ações idênticas sobre o IBS e um processo na Justiça Federal para tratar do mesmo ponto em relação à CBS. Considerando que os juízes podem limitar o litisconsórcio facultativo (CPC, artigo 113, parágrafo 1º), e que é contraproducente uma ação judicial em face de número elevado de litisconsortes, os advogados deverão ajuizar ações tendo por réu, por exemplo, 20 entes tributantes. Assim, para cobrir todo o território nacional, deverão ajuizar pelo menos 280 processos (1 contra a União, 1 contra o Distrito Federal, e centenas contra os 26 Estados e os 5.570 municípios). Serão processos idênticos, alterando apenas os demandados.

Os custos serão multiplicados, tanto de custas judiciais quanto dos honorários dos advogados para acompanhar tantos feitos.

Considerando os critérios de distribuição das causas entre magistrados, e a subjetividade ínsita aos feitos, cada um desses casos poderá ter tratamento processual diferente. Assim, se em alguns deles, mas não em todos, alguma liminar for dada, a desejada uniformidade não será alcançada até que o Supremo Tribunal Federal dê a última palavra, o que é razoável supor venha acontecer em 20 anos! Enquanto isso, pode ser que alguns municípios, alguns Estados, ou a União, tenham um tratamento diferente, com resultados imprevisíveis. A uniformidade da tributação demorará muito até ser alcançada.

Imagine-se, porém, que o Congresso Nacional centralize o processo judicial, exigindo que o Comitê Gestor do IBS responda nacionalmente em nome de todos os Estados e municípios brasileiros, cumprindo sua função unificadora. Bastará que a empresa litigue em um processo contra a União e o Comitê Gestor. Para tanto, é necessária a federalização dessas causas. E, se surgir alguma situação em que o IBS for diferente da CBS (p. ex., uma alíquota local), a União não terá interesse na causa, fazendo com que o feito seja proposto na Justiça Estadual.

Uma opção intermediária pode ser o legislador estipular que o Comitê Gestor representará, em cada Estado, também os respectivos municípios. Assim, a discussão de todas as incidências dos novos tributos poderá acontecer em 28 processos.

Por fim, é possível a criação de um novo ramo do Poder Judiciário, a Justiça Tributária, que viria somar aos órgãos especializados (Justiças do Trabalho, Militar e Eleitoral). Seus custos não são, contudo, desprezíveis, notadamente em época de clamor por redução de despesas, exigindo a identificação de fontes de custeio. Há quem proponha que os julgadores permaneçam vinculados a seus órgãos de origem. Contudo, o corpo de servidores, os espaços físicos, os equipamentos de informática, e assim por diante, teriam que ser custeado pelo erário.

A unificação de tributos tradicionais como o ICMS, o ISS, o IPI, o PIS e a Cofins é um grande desafio nacional, que exige novas posturas institucionais para se alcançar a tão almejada segurança jurídica, a diminuição de litígios e a redução do chamado custo Brasil. Desejamos que a parcela da sociedade que lutou pela reforma tributária também atue no aprimoramento do processo judicial que dela virá, unificando a discussão em apenas um processo para cada contribuinte. Ajustar o tamanho da Justiça Federal para acolher as novas demandas é a medida de menor custo para os cofres públicos. E ela pode ser paulatina, a depender da quantidade de processos que irão sendo ajuizados. Também é mais econômico para os contribuintes, além de poder reduzir o tempo para a unificação dos entendimentos jurisprudenciais.

Fonte: Valor Econômico