Contabilização dos créditos de IBS e CBS à luz dos precedentes do Carf
Área: Contábil Publicado em 10/07/2025Evolução histórica da não cumulatividade nos tributos brasileiros
Anos mais tarde, as regras da Lei nº 3.520/58 e da Lei nº 2.974/56 foram consolidadas na Lei nº 4.502/64. Com a Emenda Constitucional nº 18/65, o imposto de consumo foi substituído pelo IPI, assim como foi instituído o ICM, ambos não cumulativos por determinação constitucional da época, que foi replicada pela Constituição de 1988 [2].
Com relação às contribuições PIS e Cofins, a instituição da não cumulatividade foi possibilitada a partir da promulgação da Emenda Constitucional nº 42/03, que inseriu o § 12 ao artigo 195 da CF/1988.
Com fundamento no § 12 ao artigo 195 da CF/1988, o regime não cumulativo foi introduzido para o PIS pela Medida Provisória nº 66/2002 (convertida na Lei nº 10.637/2002) e para a Cofins pela Medida Provisória nº 135/03 (convertida na Lei 10.833/2003), sendo que alguns contribuintes permaneceram obrigados ao regime cumulativo.
A instituição da não cumulatividade do IBS e da CBS
Ao instituir o IBS e a CBS, a Emenda Constitucional nº 132/2023 estabeleceu que ambos os tributos serão não cumulativos, compensando-se o tributo devido pelo contribuinte com o montante cobrado sobre todas as operações nas quais seja adquirente de bem material ou imaterial, inclusive direito, ou de serviço, excetuadas exclusivamente as consideradas de uso ou consumo pessoal especificadas em lei complementar e as hipóteses previstas na Constituição.
Nos termos do artigo 60 da Lei Complementar nº 214/25 (LC 214/2025), o sujeito passivo do IBS e da CBS, ao realizar operações com bens ou com serviços, inclusive exportações, e importações, deverá emitir documento fiscal eletrônico, sendo que tais informações contidas neste documento possuem caráter declaratório e constituem confissão do valor devido de IBS e de CBS consignados no documento fiscal.
Dessa forma, o adquirente de bens e serviços que estiveram sujeitos ao IBS e à CBS receberá um documento fiscal eletrônico contendo o valor devido pelo fornecedor a títulos dos referidos tributos.
No tocante à apropriação dos créditos do IBS e da CBS, o artigo 47 da LC 214/2025 dispõe que o contribuinte sujeito ao regime regular poderá apropriar créditos do IBS e da CBS quando ocorrer a extinção dos débitos relativos às operações em que seja adquirente, excetuadas exclusivamente aquelas consideradas de uso ou consumo pessoal e as demais hipóteses previstas na LC 214/2025.
Torna-se fundamental observar que a apropriação dos créditos depende da extinção dos débitos do IBS e da CBS do fornecimento.
Vale destacar que deverá ser feita uma apropriação segregada dos créditos de IBS e CBS, pois a compensação de seus créditos e débitos não são intercambiáveis.
O §2º do artigo 47 da LC 214/2025 reforça que os valores dos créditos do IBS e da CBS correspondem aos valores dos débitos, respectivamente, do IBS e da CBS que tenham sido destacados no documento fiscal de aquisição e extintos por qualquer das modalidades previstas no artigo 27 da LC 214/2025; ou aos valores de crédito presumido, nas hipóteses previstas na LC 214/2025.
No que tange ao requisito da extinção dos débitos para apropriação dos créditos, o artigo 48 da LC 214/25 determina que ficará dispensado o requisito de extinção dos débitos para fins de apropriação dos créditos, exclusivamente, se não houver sido implementada nenhuma das seguintes modalidades de extinção: (1) recolhimento na liquidação financeira da operação (split payment), nos termos dos artigos 31 e 32 da LC 214/2025; ou (2) recolhimento pelo adquirente, nos termos do artigo 36 da LC 214/2025, de modo que podem existir situações em que o próprio contribuinte acaba por adimplir a obrigação do fornecedor, tal qual uma das hipóteses previstas do split payment.
Por fim, com relação à utilização dos créditos, o artigo 53 da LC 214/2025 prevê uma ordem para o uso dos créditos do IBS e da CBS apropriados em cada período de apuração.
Questões relacionadas à contabilização dos créditos de tributos não cumulativos
Conforme dispõe o Pronunciamento Contábil nº 16 – “Estoques” do Comitê de Pronunciamentos Contábeis, o custo de aquisição dos estoques não inclui os tributos recuperáveis.
Desse modo, a inclusão ou não do custo de um tributo no estoque dependerá da recuperabilidade ou não do tributo, fator este que dependerá de uma análise detalhada a ser feita por cada entidade. A título de exemplo, ainda que IPI e ICMS sejam tributos não cumulativos, eles somente serão efetivamente recuperáveis se: (1) a entidade adquirente for contribuinte dos referidos tributos; (2) se o bem adquirido for passível de gerar créditos (ex.: no IPI somente geram créditos matérias primas, produtos intermediários e material de embalagem); e (3) não ocorrer hipótese de anulação do crédito.
Assim, partindo-se da premissa de que IPI e ICMS serão recuperáveis em um caso concreto, os valores destacados na nota fiscal referente aos dois tributos serão contabilizados de forma segregada em contas contábeis de IPI a Recuperar e ICMS a Recuperar, sendo o valor remanescente registrado como custo do estoque.
Vale notar que o registro dos tributos a recuperar se dava pelos valores destacados nas notas fiscais, seguindo a sistemática do método de subtração variante “imposto sobre imposto”, sendo que inexistia previsão de que o crédito do tributo não cumulativo somente poderia ser utilizado se comprovada a extinção do crédito tributário pelo fornecedor.
Ainda que não se refiram a tal extinção, há diversos precedentes em que se discute o não reconhecimento de créditos de tributos não cumulativos em razão da falta de documentação fiscal adequada, tal qual acontece com o tema de créditos de ICMS indevidos em razão de notas fiscais inidôneas, que já foi objeto de centenas de acórdãos do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo, órgão que completou 90 anos no mês passado.
No âmbito do Carf, também há diversos casos em que houve a análise da documentação relativa aos créditos para validação dos créditos. No Acórdão 3202-002.367 (12/2/2025), decidiu-se que a utilização de notas fiscais frias não corresponde a negócio efetivamente realizado, portanto, aludidos documentos não podem ser utilizados para aproveitamento dos créditos de IPI. Já no Acórdão 3101-001.135 (24/5/2012), a turma votou pela glosa de créditos de PIS e Cofins em virtude de esquema fraudulento de aquisição de mercadorias sem a emissão de notas fiscais, ao passo que no Acórdão 3201-006.160 (30/11/2019), decidiu-se que devem ser glosados os créditos de PIS e Cofins relativos à aquisição não comprovada de insumos.
Aplicando-se o racional de tal precedentes e levando-se em conta que o §1º do artigo 47 da LC 214/2025 prevê que a apropriação dos créditos de IBS e CBS está condicionada à comprovação da operação por meio de documento fiscal eletrônico idôneo, segue sendo relevante tal comprovação documental dos créditos e agora com um requisito adicional de extinção do crédito tributário de IBS e CBS do fornecedor.
Com o surgimento da possibilidade de creditamento de PIS e Cofins a partir das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03 (para quem esteja no regime não cumulativo), surge uma nova modalidade de creditamento lastreada no método de subtração variante “base sobre base”.
Desse modo, cabia ao contribuinte calcular de acordo com as alíquotas do regime não cumulativo o montante de seus créditos. Uma das primeiras manifestações acerca da contabilização de tais créditos partiu do Ibracon que, por meio da Interpretação Técnica nº 1/04, estabeleceu que os créditos de PIS e Cofins não deverão fazer parte do custo de aquisição dos estoques, uma vez que tais créditos representam direito a ser recuperado.
Na mesma linha, o Ato Declaratório Interpretativo SRF nº 3/07 estabeleceu que o valor dos créditos de PIS e Cofins não são registrados em contrapartida à receita bruta da pessoa jurídica, servindo somente para dedução do valor devido das referidas contribuições e tampouco configuram hipótese de exclusão do lucro líquido, para fins de apuração do IRPJ e da CSLL. Tal norma dispõe ainda que os créditos de que trata o caput não poderão constituir-se simultaneamente em direito de crédito e em custo de aquisição de insumos, mercadorias e ativos permanentes.
Nos Acórdãos 3201-011.764, 3201-011.767 e 3201-011.768 (todos de 15/4/2024), a turma decidiu pela glosa dos créditos de PIS e Cofins sobre custos relativos às partes e peças de reposição e respectivos serviços de manutenção, que não foram ativados, mas contabilizados como despesa operacional, o que inviabilizaria o direito ao crédito nos termos do ato declaratório mencionado anteriormente.
Cumpre notar que a falta de segregação entre o IPI a Recuperar e o custo do estoque já foi objeto de análise de acórdãos do Carf em casos que o contribuinte registrou o montante do IPI como custo do estoque e decidiu, em momento posterior, por ressarcir os montantes de saldo acumulado de tal tributo.
Nos Acórdãos 202-17.219, 202-17.220, 202-17.221 e 202-17.222 (todos de 28/7/2006), a turma decidiu por negar provimento ao recurso do contribuinte.
A inclusão do IPI pago na aquisição de matérias-primas, material de embalagem e produtos intermediários no custo de aquisição dos produtos com eles industrializados foi considerada uma transferência do encargo financeiro ao terceiro adquirente dos produtos, acarretando procedimento diverso do estabelecido pelo princípio da não-cumulatividade e, por conseguinte, na impossibilidade de sua inclusão na apuração do ressarcimento previsto no artigo 11 da Lei nº 9.779/99.
Como se nota, a não segregação entre os tributos recuperáveis e o custo do estoque pode acarretar efeitos nefastos para o contribuinte, fazendo com que tal tributo seja considerado não recuperável.
Após uma visão dos precedentes do Carf envolvendo impactos da contabilização de tributos não cumulativos, podemos aplicar as principais ideias na contabilização dos créditos de IBS e da CBS.
O principal ponto de dúvida diz respeito à questão que os créditos de IBS e CBS somente poderão ser efetivamente compensados após a confirmação da extinção dos débitos de IBS e CBS devidos no fornecimento, conforme preceitua o artigo 47 da LC 214/25, de forma que resta dúvida sobre como e qual é o momento em que devem ser registrados tais créditos.
As disposições do CPC 16 de que os tributos recuperáveis não integrarão os estoques (sem que haja menção expressa a um tributo específico) também serão aplicáveis aos créditos de IBS e CBS, de forma que o valor dos estoques deverá ter o seu custo líquido dos tributos recuperáveis. O racional da Interpretação Técnica nº 1/04, do Ato Declaratório Interpretativo SRF nº 3/07 e dos precedentes do Carf também pode ser aplicável aos créditos de IBS e CBS no sentido que não integrarão o custo de aquisição de insumos, mercadorias e ativos permanentes.
Não nos parece adequado que IBS e CBS integrem o custo de aquisição de insumos, devendo ser registrados como ativos da entidade, ainda que possa haver uma pendência com relação à extinção da obrigação tributária do fornecedor. Tal qual já aconteceu em alguns precedentes mencionados, há risco de eventuais problemas em um eventual registro contábil do custo do estoque com os tributos recuperáveis para uma posterior realocação para contas de IBS e CBS a Recuperar somente quando houver confirmação de tais créditos.
No que tange ao fato de que ainda há algum risco de não confirmação de tais créditos, é importante que seja observada a Estrutura Conceitual para Relatório Financeiro (CPC 00), que dispõe que ativo é um recurso econômico presente controlado pela entidade como resultado de eventos passados, sendo que recurso econômico é um direito que tem o potencial de produzir benefícios econômicos.
Os créditos de IBS e CBS decorrentes da aquisição de um bem ou serviço anteriormente tributo configuram um recurso econômico controlado pela entidade e resultante de uma aquisição passada, sendo que o potencial de produzir benefícios econômicos futuros deriva da possibilidade de utilização daqueles ativos para adimplir obrigações tributárias de IBS e CBS.
Ainda que não haja confirmação de extinção da obrigação tributária por parte do fornecedor no momento de aquisição do bem ou serviço, trata-se de ativo de provável realização. Vale notar que é gigantesco o contencioso tributário relativo tanto de compensação de créditos tributários de tributos pagos a maior ou indevidamente quanto de uso de créditos de tributos não cumulativos, sendo que em ambos os casos as entidades têm registrado os seus ativos e, no caso de não homologação ou glosa de créditos, prossegue a discussão administrativa ou judicial para confirmação ou não de tais valores.
Tais exemplos demonstram que não há certeza de que os benefícios econômicos futuros serão alcançados, o que pode ocorrer caso não haja confirmação da extinção do crédito tributário pelo fornecedor.
A segregação em contas específicas de IBS e CBS a Apropriar/Validar e de IBS e CBS a Compensar, de acordo com a existência ou não desta confirmação do crédito, pode ser uma solução prática para evidenciar o grau em que se encontra a possibilidade de utilização de tais créditos. Inclusive há diversos casos na legislação vigente em que créditos anteriormente registrados como ativo são anulados ou estornados, tais como nas hipóteses de anulação de créditos de IPI e de estorno de créditos de ICMS.
É importante mencionar que não há que se falar em ativo contingente, visto que este geralmente ser origina de evento não planejado ou de outro não esperado que dá origem à possibilidade de entrada de benefícios econômicos para a entidade, tal qual acontece em demandas judiciais em que o desfecho seja incerto.
Conclusões
Diante do exposto, quer nos parecer que o custo dos ativos ou despesas deverá ser registrado líquido dos créditos de IBS e CBS (quando estes forem recuperáveis), sendo que a segregação em contas específicas (ou subcontas) de acordo com o grau de eficácia de utilização de tais créditos pode ser uma boa prática para evidenciação do momento de liquidez de tais créditos.
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Fonte: Conjur