AVJ e tributação de dividendos: Reflexões sobre decisão do CARF

Área: Contábil Publicado em 29/04/2025

CARF decide que AVJ não gera IRPJ e CSLL sem realização do ativo. Decisão pode moldar o futuro dos planejamentos patrimoniais e societários. Entenda os riscos e limites.

A AVJ - Avaliação a Valor Justo, prevista nas normas contábeis brasileiras e referenciada na lei 12.973/14, constitui instrumento de ajuste do valor contábil de ativos ao seu valor de mercado, sem, a princípio, gerar efeitos tributários imediatos. No entanto, o uso da AVJ como fundamento para distribuição de dividendos vem suscitando relevantes discussões jurídicas, sobretudo diante da interpretação da Receita Federal quanto à sua eventual "realização indireta" e consequente incidência de IRPJ e CSLL.

Recentemente, o  CARF - Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, ao julgar o processo 11052.720011/2019-39, enfrentou a controvérsia de maneira paradigmática. No caso, uma sociedade empresária avaliou, a valor justo, um imóvel de sua propriedade, reconhecendo contabilmente um ganho de aproximadamente R$ 171 milhões. Tal valor foi alocado em subconta específica e, em momento posterior, incorporado ao lucro da companhia, servindo de base para a distribuição de dividendos aos sócios.

A Receita Federal entendeu que essa operação configuraria realização do ativo e, por conseguinte, fato gerador de tributos federais. O lançamento fiscal ultrapassou os R$ 20 milhões, considerando principal, juros e multa de ofício.

Contudo, o CARF, em decisão favorável ao contribuinte, afastou a exigência fiscal. O fundamento central da decisão repousa no fato de que a distribuição de dividendos, ainda que amparada em lucros decorrentes de AVJ, não configura, por si só, hipótese legal de realização do ativo para fins de incidência tributária, nos termos do art. 13, §1º, da lei 12.973/14. A realização, segundo a norma, se dá apenas nas hipóteses de alienação, baixa, depreciação, amortização ou exaustão do ativo, eventos inexistentes no caso concreto.

A relevância da decisão extrapola o caso específico. Ao reafirmar a neutralidade fiscal da AVJ até sua efetiva realização, o CARF preserva a segurança jurídica nas relações empresariais e impede a ampliação indevida da hipótese de incidência tributária por interpretação extensiva desfavorável ao contribuinte.

Todavia, importa destacar que o uso da AVJ deve ser feito com extrema cautela. Quando utilizada para justificar aumentos artificiais de capital social, emissão de novas cotas com base no valor reavaliado do ativo, ou ainda, em estruturas societárias voltadas à economia de ITBI, o risco de caracterização da realização tributária do bem torna-se considerável. Nestes casos, a AVJ deixa de representar mero ajuste contábil e passa a se confundir com uma operação patrimonial efetiva.

É imperativo recordar que a AVJ somente pode ser aplicada a ativos que já pertencem à sociedade. Assim, quaisquer estratégias que pressupõem a reavaliação de bens ainda não formalmente transferidos à pessoa jurídica incorrem em grave erro de premissa, além de expor o contribuinte à autuação pelo não recolhimento do imposto incidente sobre a transferência.

O ponto nevrálgico, portanto, reside na intenção e na efetividade econômica da operação. A utilização da AVJ como mecanismo de antecipação de lucros para distribuição isenta de dividendos pode ser válida e eficiente, desde que respaldada por contabilidade idônea e sem configurar uma forma disfarçada de realização do ativo.

A decisão do CARF, embora ainda isolada, lança luz sobre os contornos da AVJ e aponta para uma jurisprudência mais alinhada à literalidade da legislação e aos princípios da segurança jurídica e da legalidade tributária. No entanto, o cenário exige vigilância e análise caso a caso, especialmente considerando a divergência interpretativa existente em esferas administrativas e judiciais.

Em tempos de crescente sofisticação dos planejamentos patrimoniais e fiscais, a correta compreensão da AVJ, em seus limites contábeis, fiscais e societários, torna-se indispensável para a mitigação de riscos e para a construção de estruturas sólidas e juridicamente defensáveis.

Este precedente, ainda que isolado, pode - se corretamente interpretado e aplicado - se tornar um marco na consolidação de práticas contábeis e societárias alinhadas à legislação e à segurança jurídica. No entanto, diante da ausência de jurisprudência consolidada, impõe-se atenção redobrada por parte dos profissionais envolvidos, que devem acompanhar de perto os desdobramentos administrativos e judiciais, mantendo a conformidade e a previsibilidade como norte de suas estruturas patrimoniais.

 

 

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José Batista Flores

 

Fonte: Migalhas.com