As perspectivas para o setor de livros com a criação da CBS, tributo proposto na reforma tributária do governo
Área: Contábil Publicado em 08/09/2020 | Atualizado em 23/10/2023
Fonte: Infomoney
https://www.infomoney.com.br/negocios/setor-de-livros-pode-ser-prejudicado-com-criacao-da-cbs-novo-tributo-proposto-na-reforma-tributaria-do-governo/
A criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), um dos principais pontos da proposta de reforma tributária do governo, deve tornar o cenário extremamente complexo para o mercado de livros do país. É o que mostra um estudo feito pela escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro, que analisou os possíveis impactos da CBS no setor editorial.
“A incidência de um tributo com uma alíquota de 12% pode trazer consequências deletérias ao setor, sobretudo porque o mercado de livros vem enfrentando grave crise financeira, causada, entre outras coisas, por forte redução na demanda”, diz Carlos Ragazzo, professor de Direito da FGV-RJ e responsável pelo estudo feito a pedido da Associação Brasileira de Editores de Conteúdo Educacional (Abrelivros), Câmara Brasileira do Livro (CBL) e do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel).
Mas para entender melhor os efeitos da CBS, primeiro é necessário compreender como o tributo funciona.
O que é a CBS?
Como o próprio nome diz, a CBS é uma contribuição e não um imposto. “A diferença é que a receita obtida com o imposto não precisa ter um destino definido, não é vinculada a alguma despesa. Já a contribuição tem destinação certa, como é o caso do PIS e da Cofins, que são necessariamente destinados à seguridade social”, explica Ângelo de Angelis, economista e tributarista.
Nos moldes de um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), a CBS teria duas características principais: ela unificaria os tributos PIS e Cofins e incidiria isoladamente em cada etapa da cadeia produtiva, evitando que a empresa arque com o custo tributário da etapa anterior.
“A cobrança é feita sobre a parte que cada empresa da cadeia adiciona sobre os itens, sobre o valor agregado – o que enquadra o imposto em um regime não cumulativo, que não acumula impostos ao passar para a próxima etapa de produção”, explica Eduardo Natal, mestre em direito tributário pela PUC/SP, advogado e sócio do escritório Natal&Mansur.
“No fim do dia, a ideia do governo é deixar a contribuição igual para todo mundo, mas alguns setores vão sofrer mais. E a conta pode sobrar para o consumidor final”, complementa Eduardo Fleury, tributarista sócio do FCR Law.
Uma das principais críticas à CBS esbarra exatamente nesse ponto: ao unificar a alíquota são desconsideradas as nuances de cada setor. “As dinâmicas de mercado são diferentes. Tentar empacotar todo mundo na mesma caixa pode prejudicar alguns setores de forma mais severa e desencadear uma quebradeira de empresas”, ressalta Natal.
No caso do mercado de livros, a imunidade de impostos fornece o suporte necessário para o funcionamento da cadeia de produção, na avaliação de Ragazzo, da FGV.
Mas vale ressaltar que dentro do debate sobre incentivos fiscais também há muitos economistas que consideram que a desoneração de impostos para segmentos específicos impede o avanço natural da atividade comercial e a livre concorrência.
Efeitos no setor
O mercado editorial está justamente entre os setores que serão impactados mais severamente, porque hoje ele desfruta da chamada “imunidade de impostos”, ou seja, é protegido de qualquer tipo de imposto pela Constituição Federal. Embora essa proteção não inclua as contribuições, como seria o caso da CBS, a Lei 10.865 de 2004 também isenta os livros do PIS e da Cofins.
Por isso, se a CBS for aprovada, o setor, que hoje não é tributado, passará a contribuir com os 12% sobre o valor agregado em cada etapa da cadeia. O impacto será muito mais profundo do que em outros setores, que já pagam Pis e Cofins, como a construção civil, que contribui hoje com 3,65%, ou mesmo o varejo, com 9,25%.
Rui Campos, dono da rede Livraria da Travessa, exemplifica o efeito da tributação nos livros em uma analogia com o cigarro, cuja carga tributária total pode chegar a 82% (incluindo IPI, ICMS e PIS e Cofins).
“A tributação do cigarro é alta justamente para reprimir o consumo. É a mesma lógica para o livro. Como é um produto que não tem efeitos nocivos, incentiva à cultura e o conhecimento, foi isento. As mercadorias não têm o mesmo valor cultural ou agregado. O imposto pode e deve ser usado como ferramenta de incentivo ou inibição do consumo. Mas são escolhas”, afirma o empresário.
Segundo um outro estudo feito em conjunto pela CBL, Snel e Abrelivros, os preços ao consumidor final dos livros podem subir, em média, 20%.
Assunto gera debates nas redes
O assunto gerou uma forte discussão nas redes sociais. Os críticos alegam que a CBS poderia tornar os livros mais caros e dificultar o acesso de famílias de baixa renda à leitura.
O debate se acirrou após o ministro da Economia, Paulo Guedes, argumentar que os mais pobres não priorizam o consumo de livros, porque precisam, primeiro, sobreviver, o que foi comprovado, segundo ele, pelo interesse no auxílio emergencial.
“Eu acredito que eles [famílias mais pobres], num primeiro momento, quando pegaram o auxílio emergencial, estavam mais preocupados em sobreviver do que em frequentar as livrarias que nós frequentamos”, afirmou Guedes durante audiência pública no Congresso, acrescentando que não faz sentido isentar quem pode pagar, “a título de ajudar os mais pobres”.
Sem entrar no mérito da fala do ministro, Fleury, tributarista e sócio do FCR Law, avalia que a linha de raciocínio da reforma proposta pelo governo é razoável.
“Hoje, segundo dados da Pesquisa de Orçamento Familiar do IBGE, 70% dos livros são vendidos para pessoas das classes média e alta. Então, com a imunidade de impostos, se o governo deixa de arrecadar R$ 1 milhão, por exemplo, significa que R$ 700 mil não estão sendo cobrados de pessoas que têm dinheiro para contribuir. Ou seja, estamos beneficiando os mais ricos ao dar a isenção”, diz.
O tributarista argumenta que há uma forma de tributar os livros, sem penalizar as classes mais baixas. “É possível devolver o imposto em forma de crédito, como acontece com a Nota Fiscal Paulista. Se a pessoa estiver cadastrada em algum programa social do governo, no mês seguinte, ou até mesmo imediatamente dependendo da bancarização, vai ter o valor do imposto pago no livro de volta. Assim, você equaliza os tributos”, diz. NULL Fonte: NULL
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A criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), um dos principais pontos da proposta de reforma tributária do governo, deve tornar o cenário extremamente complexo para o mercado de livros do país. É o que mostra um estudo feito pela escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro, que analisou os possíveis impactos da CBS no setor editorial.
“A incidência de um tributo com uma alíquota de 12% pode trazer consequências deletérias ao setor, sobretudo porque o mercado de livros vem enfrentando grave crise financeira, causada, entre outras coisas, por forte redução na demanda”, diz Carlos Ragazzo, professor de Direito da FGV-RJ e responsável pelo estudo feito a pedido da Associação Brasileira de Editores de Conteúdo Educacional (Abrelivros), Câmara Brasileira do Livro (CBL) e do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel).
Mas para entender melhor os efeitos da CBS, primeiro é necessário compreender como o tributo funciona.
O que é a CBS?
Como o próprio nome diz, a CBS é uma contribuição e não um imposto. “A diferença é que a receita obtida com o imposto não precisa ter um destino definido, não é vinculada a alguma despesa. Já a contribuição tem destinação certa, como é o caso do PIS e da Cofins, que são necessariamente destinados à seguridade social”, explica Ângelo de Angelis, economista e tributarista.
Nos moldes de um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), a CBS teria duas características principais: ela unificaria os tributos PIS e Cofins e incidiria isoladamente em cada etapa da cadeia produtiva, evitando que a empresa arque com o custo tributário da etapa anterior.
“A cobrança é feita sobre a parte que cada empresa da cadeia adiciona sobre os itens, sobre o valor agregado – o que enquadra o imposto em um regime não cumulativo, que não acumula impostos ao passar para a próxima etapa de produção”, explica Eduardo Natal, mestre em direito tributário pela PUC/SP, advogado e sócio do escritório Natal&Mansur.
“No fim do dia, a ideia do governo é deixar a contribuição igual para todo mundo, mas alguns setores vão sofrer mais. E a conta pode sobrar para o consumidor final”, complementa Eduardo Fleury, tributarista sócio do FCR Law.
Uma das principais críticas à CBS esbarra exatamente nesse ponto: ao unificar a alíquota são desconsideradas as nuances de cada setor. “As dinâmicas de mercado são diferentes. Tentar empacotar todo mundo na mesma caixa pode prejudicar alguns setores de forma mais severa e desencadear uma quebradeira de empresas”, ressalta Natal.
No caso do mercado de livros, a imunidade de impostos fornece o suporte necessário para o funcionamento da cadeia de produção, na avaliação de Ragazzo, da FGV.
Mas vale ressaltar que dentro do debate sobre incentivos fiscais também há muitos economistas que consideram que a desoneração de impostos para segmentos específicos impede o avanço natural da atividade comercial e a livre concorrência.
Efeitos no setor
O mercado editorial está justamente entre os setores que serão impactados mais severamente, porque hoje ele desfruta da chamada “imunidade de impostos”, ou seja, é protegido de qualquer tipo de imposto pela Constituição Federal. Embora essa proteção não inclua as contribuições, como seria o caso da CBS, a Lei 10.865 de 2004 também isenta os livros do PIS e da Cofins.
Por isso, se a CBS for aprovada, o setor, que hoje não é tributado, passará a contribuir com os 12% sobre o valor agregado em cada etapa da cadeia. O impacto será muito mais profundo do que em outros setores, que já pagam Pis e Cofins, como a construção civil, que contribui hoje com 3,65%, ou mesmo o varejo, com 9,25%.
Rui Campos, dono da rede Livraria da Travessa, exemplifica o efeito da tributação nos livros em uma analogia com o cigarro, cuja carga tributária total pode chegar a 82% (incluindo IPI, ICMS e PIS e Cofins).
“A tributação do cigarro é alta justamente para reprimir o consumo. É a mesma lógica para o livro. Como é um produto que não tem efeitos nocivos, incentiva à cultura e o conhecimento, foi isento. As mercadorias não têm o mesmo valor cultural ou agregado. O imposto pode e deve ser usado como ferramenta de incentivo ou inibição do consumo. Mas são escolhas”, afirma o empresário.
Segundo um outro estudo feito em conjunto pela CBL, Snel e Abrelivros, os preços ao consumidor final dos livros podem subir, em média, 20%.
Assunto gera debates nas redes
O assunto gerou uma forte discussão nas redes sociais. Os críticos alegam que a CBS poderia tornar os livros mais caros e dificultar o acesso de famílias de baixa renda à leitura.
O debate se acirrou após o ministro da Economia, Paulo Guedes, argumentar que os mais pobres não priorizam o consumo de livros, porque precisam, primeiro, sobreviver, o que foi comprovado, segundo ele, pelo interesse no auxílio emergencial.
“Eu acredito que eles [famílias mais pobres], num primeiro momento, quando pegaram o auxílio emergencial, estavam mais preocupados em sobreviver do que em frequentar as livrarias que nós frequentamos”, afirmou Guedes durante audiência pública no Congresso, acrescentando que não faz sentido isentar quem pode pagar, “a título de ajudar os mais pobres”.
Sem entrar no mérito da fala do ministro, Fleury, tributarista e sócio do FCR Law, avalia que a linha de raciocínio da reforma proposta pelo governo é razoável.
“Hoje, segundo dados da Pesquisa de Orçamento Familiar do IBGE, 70% dos livros são vendidos para pessoas das classes média e alta. Então, com a imunidade de impostos, se o governo deixa de arrecadar R$ 1 milhão, por exemplo, significa que R$ 700 mil não estão sendo cobrados de pessoas que têm dinheiro para contribuir. Ou seja, estamos beneficiando os mais ricos ao dar a isenção”, diz.
O tributarista argumenta que há uma forma de tributar os livros, sem penalizar as classes mais baixas. “É possível devolver o imposto em forma de crédito, como acontece com a Nota Fiscal Paulista. Se a pessoa estiver cadastrada em algum programa social do governo, no mês seguinte, ou até mesmo imediatamente dependendo da bancarização, vai ter o valor do imposto pago no livro de volta. Assim, você equaliza os tributos”, diz. NULL Fonte: NULL