Após vetos de Lula, reforma tributária tem seu início de fato

Área: Fiscal Publicado em 21/01/2025

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou nessa quinta-feira (16), com vetos, a principal lei (LC 214/2025) que regulamenta a reforma tributária do consumo, dando início, de fato, à implementação do novo sistema tributário brasileiro, que começará a entrar em vigor a partir de 2027. Dos 544 artigos do projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional, ele vetou 15, sendo alguns integralmente e outros parcialmente.

Em uma solenidade no Palácio do Planalto para marcar a sanção, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que a reforma tributária será “o maior legado econômico” que Lula deixará à população brasileira. Já Lula disse ser um “milagre” a aprovação da reforma em um regime democrático.

Em uma solenidade no Palácio do Planalto para marcar a sanção, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que a reforma tributária será “o maior legado econômico” que Lula deixará à população brasileira. Já Lula disse ser um “milagre” a aprovação da reforma em um regime democrático.

“Congresso acreditou que o impossível poderia se tornar possível”

— Rodrigo Pacheco

O presidente da República, em seu discurso, destacou o papel do Congresso Nacional na aprovação do texto. “A gente deve isso ao Pacheco, ao Lira, ao Padilha, aos líderes na Câmara. Hoje é o dia de agradecimento aos deputados e senadores e aos relatores”, disse Lula. “Num regime democrático, era humanamente impossível aprovar [uma reforma tributária]. Fazer o que nós fizemos num regime democrático, com imprensa livre, sindicato livre e com empresário falando o que quiser. Isso demonstra que a democracia é a melhor forma de governança que existe no planeta Terra”, completou o presidente da República.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), estava presente na cerimônia, além dos relatores da proposta, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) e senador Eduardo Braga (MDB-AM). O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), não compareceu devido à morte do seu pai nesta semana.

Pacheco disse que a reforma tributária foi viabilizada a partir da volta de Lula ao Palácio do Planalto. O presidente do Senado também destacou o trabalho do Legislativo e disse que o Parlamento aprovou o “melhor texto possível” em busca de um sistema de tributação mais equilibrado. “Até nos piores momentos o Congresso Nacional nunca desacreditou dessa reforma. O Congresso acreditou que o impossível poderia se tornar possível”, disse Pacheco.

A nova legislação substitui, gradualmente, cinco tributos (PIS, Cofins, ICMS, ISS e parcialmente o IPI) pela Contribuição e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (CBS e IBS, respectivamente). Esses novos tributos começarão a entrar em vigor em 2027, com o período de transição indo até 2033, ano em que o novo sistema tributário estará rodando integralmente. Em 2027, também será criado o Imposto Seletivo, que incidirá sobre bens e serviços nocivos à saúde e ao meio ambiente.

A alíquota padrão da reforma ficará em torno de 28%, considerado o maior Imposto sobre Valor Agregado (IVA) do mundo, mas o número exato será divulgado na próxima semana pelo Ministério da Fazenda.

O principal projeto de lei que regulamenta a reforma tributária foi sancionado ontem por Lula, mas ainda está em tramitação no Congresso Nacional o projeto de lei complementar 108/2024, que trata do Comitê Gestor do IBS, o órgão que vai administrar o tributo que é de competência dos Estados e municípios. Já a CBS será de competência federal, assim como o Imposto Seletivo.

Em relação à nova lei sancionada ontem, Lula fez uma série de vetos. Entre eles, um trecho que isentava fundos de investimento, fundos de investimento imobiliário, fundos patrimoniais e os fundos do agronegócio (Fiagros) de pagar CBS e IBS. A Advocacia-Geral da União (AGU) avaliou que o trecho concedia um benefício fiscal aos fundos, o que não é previsto na emenda constitucional da reforma (EC 103). Com isso, esses fundos pagarão os novos tributos dentro das regras de regime especial para o setor bancário e financeiro.

Lula também vetou um trecho que isentava de Imposto Seletivo bens minerais extraídos para exportação. A emenda constitucional da reforma define que não há incidência de Seletivo sobre bens e serviços exportados, à exceção da extração de bens minerais, mas a redação da regulamentação deixou margem para interpretação contrária. Por isso, o veto garante que, no caso das exportações, o Seletivo incidirá somente sobre minérios extraídos.

Há, ainda, um veto a trechos que incluíam na alíquota reduzida de 60% da CBS e do IBS serviços de sistemas de segurança, seguro para dispositivos com dados pessoais furtados ou roubados e serviço de ressarcimento de transações bancárias motivadas por furto, roubo ou sequestro.

Lula vetou também um trecho que previa uma espécie de “mecanismo de solidariedade” entre as partes envolvidas em uma transação de e-commerce. O texto aprovado no Congresso estabelecia que, quando o comprador paga os impostos (IBS e CBS) sobre uma operação, ele se torna solidariamente responsável pelo valor desses tributos. Na prática, isso significava que, caso o fornecedor não arcasse com a contribuição após receber o pagamento, o adquirente poderia ser responsabilizado por essa obrigação tributária.

Por fim, há vetos que tratam da apropriação de créditos dos contribuintes instalados na Zona Franca de Manaus (ZFM) ou em Áreas de Livre Comércio (ACL).

Esses foram os principais vetos do ponto de vista de mérito. Em entrevista coletiva, o secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, afirmou que os demais vetos tratam apenas de questões técnicas. Ele também destacou que é um universo de apenas “15 conjuntos de vetos” dentro de 544 artigos do projeto de lei complementar. “A opção do Poder Executivo foi a de respeitar a decisão do Legislativo. O texto que foi aprovado pelo Congresso Nacional está mantido em sua essência”, disse.

Lula, contudo, decidiu não vetar o benefício fiscal concedido à Refinaria da Amazônia da distribuidora de combustíveis Atem, instalada na Zona Franca de Manaus (ZFM). Esse era um dos principais imbróglios envolvendo o texto. A conclusão do governo é que o veto era inviável do ponto de vista técnico, porque estenderia os benefícios da ZFM a combustíveis, lubrificantes e derivados de petróleo.

Dessa forma, os incentivos da Zona Franca valerão apenas para indústrias de refino instaladas na região. A Atem é a única refinaria em Manaus, por isso a única beneficiária. O tema, contudo, deve acabar sendo judicializado pelas demais empresas do setor.

A própria Advocacia Geral da União (AGU) estuda entrar no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) questionando esse benefício fiscal, que não está previsto na Constituição Federal.

Autor da emenda sobre o benefício à refinaria da Atem, o senador Omar Aziz (PSD-AM) criticou ao Valor a hipótese de judicialização do benefício. “A AGU age errado fazendo isso, porque, se é uma decisão tomada pelo Congresso, tem que respeitar”, afirmou. “O mundo quer que a gente preserve a Amazônia e isso tem um custo. A única refinaria da Amazônia Ocidental é em Manaus. Não é o petróleo que está sendo beneficiado e, sim, o refino.”

Fonte: Valor Econômico