Ainda sobre a (im)possibilidade de tributação do crédito presumido do ICMS e incentivos similares

Área: Fiscal Publicado em 09/01/2025

Ainda sobre a (im)possibilidade de tributação do crédito presumido do ICMS e incentivos similares

É de conhecimento de todos que militam no direito tributário que o STJ, através do REsp 1.517.492, do ano de 2017, afastou a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os incentivos fiscais concedidos pelos estados a título de crédito presumido do ICMS. No mesmo julgado ficou assentado ainda o entendimento no sentido de que não será exigida a constituição da reserva de incentivos fiscais nas condições previstas no artigo 30 da Lei 12.973/2014.

Também é de conhecimento geral o julgamento, pelo mesmo STJ, do Tema 1.182 ocorrido no ano de 2023 quando restou consignado que o mesmo tratamento dispensado pelo REsp 1.517.492 não se estende aos demais incentivos fiscais, salvo atendidas algumas condições e que cujas teses fixadas dispensa a sua replicação aqui.

Os demais incentivos fiscais, a exemplo da isenção, da redução de base de cálculo, do clássico diferimento (para diferenciar de certos incentivos fiscais que adiante comentaremos), dentre outros, possuem, portanto, tratamento diferenciado do crédito presumido do ICMS.

Naquele julgamento do referido REsp 1.517.492 a impossibilidade de tributação do crédito presumido do ICMS se justificou por conta do pacto federativo, ou seja, a União não poderia exigir a tributação de uma benesse concedida pelos estados.

Curioso notar que os ministros do STJ entenderam que não importava a natureza contábil do referido crédito presumido, se subvenção para investimentos, custeio ou recuperação de custos/despesas.

Pretendemos, pois, com o presente articulado analisar o alcance da decisão do STJ no REsp 1.517.492 para outros incentivos fiscais similares ou equivalentes ao crédito presumido do ICMS, a exemplo do incentivo fiscal do Desenvolve concedido aos contribuintes pelo estado da Bahia.

Incentivos fiscais, efeito de recuperação e grandeza positiva ou negativa

Naquele julgamento do Tema 1.182 restou consignado que a análise acerca da pertinência ou não da tributação dos demais incentivos fiscais (exceto o crédito presumido do ICMS) perpassa pela presença ou não de dois critérios: a) o efeito de recuperação do imposto, e, b) a repercussão da grandeza positiva ou negativa na contabilidade do contribuinte.

1. Efeito de recuperação nos incentivos fiscais

O efeito de recuperação nada mais é do que a possibilidade do fisco estadual recuperar o imposto dispensado em virtude da concessão do incentivo fiscal nas etapas seguintes da circulação dos produtos beneficiados, ou seja, nas operações posteriores de vendas na cadeia produtiva ou de circulação das mercadorias.

Mencionado efeito de recuperação foi melhor e oportunamente delineado quando do julgamento do Tema 1.182 ao se afirmar que no caso dos demais incentivos fiscais (isenção, redução de base de cálculo, diferimento, etc.) haveria a recuperação do imposto dispensado nas cadeias seguintes.

No caso do crédito presumido do ICMS, a nota fiscal de venda do contribuinte é emitida com o destaque normal do ICMS cheio, ou seja, pela sua alíquota interna do respectivo Estado ou a alíquota interestadual (que pode ser de 7% ou 12%), para que se permita a apropriação do crédito fiscal pelo adquirente ou comprador.

Na escrituração fiscal o valor do imposto destacado no documento fiscal é levado a débito na apuração do ICMS. Passo seguinte, o crédito presumido é lançado a crédito reduzindo-se, portanto, o valor do ICMS a recolher.

Ao permitir o crédito fiscal do imposto destacado na nota fiscal pelo adquirente ou comprador afasta o efeito da recuperação pelo fisco pelo fato de que será abatido do ICMS a recolher quando da venda do mesmo produto pelo mesmo adquirente.

Nota-se que tal efeito de recuperação não se aplica aos créditos presumidos do ICMS na medida em que o imposto é normalmente destacado no documento fiscal e o respectivo crédito fiscal é devidamente apropriado na escrituração fiscal do adquirente/comprador, impedindo, portanto, que o fisco estadual recupere o valor renunciado em razão do incentivo fiscal concedido ao vendedor.

Diferentemente dos demais casos de incentivos fiscais (isenção, redução de base de cálculo, diferimento, etc.), quando, conforme já vimos, ocorre o efeito da recuperação pelo fisco pelo simples fato de que, não sendo destacado o respectivo valor desonerado (total ou parcialmente) no documento fiscal não haverá a possibilidade de crédito na escrituração fiscal do adquirente/comprador. Com isso, é permitido, por via de consequência, que o valor seja recuperado pelo ente tributante quando da venda dos mesmos produtos nas cadeias seguintes ocasião em que haverá normalmente a incidência do imposto.

2. Grandeza positiva ou negativa e o reflexo na escrituração contábil do contribuinte

Além da questão do efeito de recuperação acima avençado, é imperioso verificar se na contabilização na escrituração contábil do contribuinte o incentivo fiscal gera uma grandeza positiva ou negativa.

Isto porque, certos incentivos fiscais não acarretam reconhecimento contábil (pelo menos a priori) não repercutindo no resultado contábil (lucro ou prejuízo) não acarretando uma grandeza positiva (na verdade, grandeza negativa).

Tomemos como exemplo o caso do crédito presumido do ICMS: pelo fato do documento fiscal ser emitido com o destaque do ICMS o valor do imposto é debitado (D) em conta de ICMS incidente sobre vendas, no Resultado (R), em contrapartida a crédito da conta de ICMS A recolher, no Passivo (P). Quando da apuração na escrituração fiscal, o crédito presumido é lançado a débito da mesma conta ICMS a recolher, no Passivo (P), a crédito de uma conta de Resultado (R).

Essa conta de Resultado (R) poderá se denominar Receita com Subvenção para Investimentos ou Custeio, ou, ainda, Recuperação de Custos/Despesas. Isto porque, como já vimos, para os fins da aplicação do REsp 1.517.492 não importa a natureza contábil do incentivo fiscal [1].

Ora, ao ser lançado o crédito presumido do ICMS em conta de Resultado, finda por incrementar o lucro contábil a ser tributado e gerando, consequentemente, uma grandeza positiva.

Do contrário se verifica nos demais incentivos fiscais (isenção, redução de base de cálculo, diferimento, etc.) que não deverá acarretar qualquer registro contábil pelo simples fato de que a não se exige o devido destaque do imposto renunciado no documento fiscal (total ou parcialmente) [2].

Neste particular, há quem sustente, num mero exercício de contabilidade criativa, que a despesa com o ICMS que deixou de ser recolhido em razão da renúncia fiscal (total ou parcialmente) deveria ser reconhecida no Resultado por conta do CPC 07. Diz o pronunciamento que o registro do reconhecimento contábil dessa redução como subvenção para investimento deve ser efetuado registrando-se o imposto total no resultado como se devido fosse, em contrapartida à receita de subvenção equivalente.

Ocorre que tal previsão somente — e tão-somente — consta no item 38E do capítulo denominado redução ou isenção de tributo em área incentivada dispondo claramente acerca do imposto sobre a renda, a exemplo das empresas localizadas na região da Sudam ou da Sudene, ficando evidente que não se aplicaria para os incentivos fiscais concedidos no âmbito da legislação estadual do ICMS.

Ainda que se pudesse admitir a possibilidade de se registrar a redução do ICMS concedida pelo dito Convênio como se devida fosse a despesa certamente que seria uma exigência exclusivamente em decorrência das novas normas contábeis, o que não poderia ocasionar reflexos fiscais por conta da neutralidade tributária (Lei 12.973/2014, artigo 58).

Ademais, na SC 15/2020 o fisco federal entendeu pela indedutibilidade da despesa com o fulcro no artigo 131 da IN RFB 1.700/2017 quando afirma que para ser dedutível deverá representar o pagamento do tributo, o que certamente não seria o caso em exame. E não existem notícias de discussões jurídicas acerca desse tema.

Conclui-se, portanto, que apenas o benefício fiscal do crédito presumido do ICMS gera um efeito de recuperação e grandeza positiva na escrituração do contribuinte, não se estendendo tais efeitos aos demais incentivos fiscais (isenção, redução de base de cálculo, diferimento, etc.), data máxima vênia.

Similaridade ou equivalência do crédito presumido com outros incentivos fiscais

Já vimos que o tratamento dispensado ao crédito presumido do ICMS não se aplica aos incentivos fiscais de isenção, redução de base de cálculo, diferimento, etc.

Ocorre que, outros incentivos fiscais possuem a mesma natureza contábil e fiscal do crédito presumido por se verificar o efeito de recuperação e representar uma grandeza positiva.

É o caso, por exemplo, do incentivo fiscal do Desenvolve concedido através da Lei 7.980/2001 pelo Estado da Bahia, consubstanciado na dilação do prazo de pagamento do imposto apurado na escrituração fiscal que pode alcançar 72 meses. Caso o contribuinte decida por recolher o imposto cujo prazo foi dilatado até o mês seguinte (no prazo normal de vencimento) é concedido um desconto que pode alcançar o percentual de 90% do saldo devedor.

Isto porque, diferentemente dos demais casos julgados no Tema 1.182 (isenção, redução de base de cálculo, redução de alíquota, dentre outros), aqui existe repercussão direta do incentivo fiscal do Desenvolve na escrituração contábil do contribuinte, o que, consequentemente, gera um resultado positivo quando da apuração do lucro tributável para os fins do IRPJ e da CSLL.

De maneira completamente diferente, se observa que naqueles casos (isenção, redução de base de cálculo, redução de alíquota, dentre outros) não existe qualquer repercussão no lucro tributável, ou seja, são considerados resultados negativos.

No caso específico do Desenvolve, o desconto obtido pelo contribuinte quando da liquidação antecipada do saldo do ICMS dilatado, nos mesmos moldes do crédito presumido, representa um resultado positivo na sua escrituração contábil e fiscal, o que implica dizer que afeta de maneira positiva aquele resultado tributável (lucro).

Isto porque, a nota fiscal eletrônica é emitida pelo contribuinte com a incidência normal do imposto (à alíquota “cheia”) o que resulta no registro contábil da despesa pelo seu valor “cheio” no mês de competência da emissão da nota fiscal.

Registre-se, de passagem, que o destaque do ICMS no documento fiscal se faz necessário por uma questão de lógica econômica: permitir que o adquirente ou consumidor final (se pessoa jurídica) possa se apropriar do crédito do imposto no regime da não cumulatividade.

Passo seguinte, é registrado na escrituração contábil um resultado positivo relativamente ao referido desconto no montante equivalente ao percentual previsto no ato normativo que concedeu o incentivo, de maneira idêntica ao crédito presumido.

Com efeito, esse desconto, assim como no caso do crédito presumido, representa um resultado postivo obtido com o incremento no resultado contábil, não devendo ser tributada para os fins do IRPJ e da CSLL, independentemente da sua natureza se para subvenção para investimentos ou custeio, ou até mesmo recuperação de custos ou despesas.

Em suma, defendemos que o incentivo fiscal do Desenvolve concedido pelo Estado da Bahia possui a mesma natureza contábil e fiscal do crédito presumido do ICMS, devendo, igualmente, ser-lhe dado o mesmo tratamento previsto no REsp 1.517.492, afastando-se, por via de consequência, a tributação para o IRPJ e CSLL e, mais, sem a necessidade de constituição da reserva de incentivos fiscais de que trata o artigo 30 da Lei 12.973/2014.

O mesmo tratamento deverá ser dado aos incentivos fiscais concedidos pelos demais Estados e que tenham a mesma natureza, a exemplo do Prodepe (Estado de Pernambuco), Fomentar (estado de Goiás), MS-Empreendedor (Mato Grosso do Sul), Prodeic (Mato Grosso), e o incentivo descrito na Lei Estadual do Piauí nº 4.589/96.

Superveniência da Lei 14.789/2023

Como também é de conhecimento público, foi publicada a Lei 14.789/2023, com efeitos desde 1/1/2024, em que foi revogado o artigo 30 da Lei 12.973/2014 ao passo em que, em contrapartida, foi concedido um crédito fiscal no percentual de 25%, nas condições lá estabelecidas.

Com a revogação do citado dispositivo legal, os incentivos fiscais concedidos pelos Estados passaram a ser tributados para os fins do IRPJ e da CSLL no regime do lucro real.

Entendemos que aquele julgado proferido pelo STJ no REsp 1.517.492 deverá prevalecer mesmo com a superveniência da Lei 14.789/2023 em razão de que a sua ratio decidendi (pacto federativo) independe da existência ou vigência das regras impostas pelo referido artigo 30 da Lei 12.973/2014.

Nesse sentido, tem sido o entendimento de alguns tribunais em que se afastou a cobrança do IRPJ e da CSLL sobre os incentivos fiscais concedidos pelos estados, a exemplo da sentença proferida no processo nº 5132861-84.2023.4.02.5101, que tramita no TRF da 2ª Região, e no acórdão do processo nº 0801023-85.2024.4.05.8000, proferido pelo TRF da 5ª Região.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) protocolaram as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 7.604 e 7.622, respectivamente, perante o Supremo Tribunal Federal, argumentando-se, dentre outros, o princípio do pacto federativo.

A nosso ver, foi precipitada a adoção de tais providências na medida em que podem representar um revés no entendimento da jurisprudência até então dominante e intocável do STJ. Isto porque, o STF já havia se manifestado no sentido de que a questão analisada no REsp 1.517.492 seria infraconstitucional (embora o tema do pacto federativo seja matéria constitucional) não cabendo àquela Corte Suprema a sua apreciação (ARE 1.351.216 – RE com Agravo).

Bastaria, portanto, que orientassem aos seus confederados a interposição de medida judicial de forma individual ou coletiva (através dos sindicatos) na primeira instância judicial sem a necessidade de provocação do STF.

[1] REsp 1.605.245, DJe 28/06/2019

[2] Vide o que consta nos votos do julgado do Tema 1.182.

Fonte: Consultor Jurídico