A verdade sobre a devolução dos créditos de ICMS

Área: Fiscal Publicado em 21/10/2025

A verdade sobre a devolução dos créditos de ICMS

O ICMS é um imposto de competência dos Estados e do Distrito Federal, incidente sobre operações de circulação de mercadorias e sobre determinados serviços. Por definição constitucional, possui natureza não cumulativa, o que significa que cada contribuinte deve pagar o imposto apenas sobre a sua margem ou sobre o valor adicionado em cada operação. Essa característica visa evitar a tributação em cascata e assegurar maior racionalidade ao sistema, ainda que, na prática, normas restritivas tenham distorcido esse objetivo.

Na prática, a não cumulatividade é aplicada por meio da apuração mensal do total de ICMS devido em todas as operações de fornecimento de mercadorias e serviços, abatendo-se desse montante o imposto já cobrado pelos fornecedores nas etapas anteriores. Trata-se de um mecanismo de créditos e débitos, exigindo-se o recolhimento apenas sobre o saldo final. O modelo, que deveria ser simples, acaba se tornando um campo fértil para disputas entre contribuintes e administrações fazendárias.

Em determinadas situações previstas legalmente, o Estado deve devolver esse ICMS aos contribuintes, especificamente quando os créditos superam os débitos, gerando um saldo credor passível de restituição. É o que ocorre, por exemplo, na exportação de bens: o contribuinte aproveita os créditos dos seus fornecedores, mas não gera débitos, já que as exportações são imunes ao imposto. Nessas hipóteses, formam-se apenas créditos, sem débitos correspondentes. O mesmo acontece quando as operações de saída têm alíquotas menores do que as de entrada, como nas operações interestaduais, ou quando há diferença entre as bases de cálculo de entrada e saída em favor do contribuinte.

Outro caso comum é o do regime de substituição tributária. Nessa modalidade, o ICMS devido nas operações de saída é recolhido antecipadamente pelo fornecedor, com base em valores presumidos. Se a base de cálculo presumida for superior à real, o contribuinte substituído passa a ter direito ao ressarcimento do imposto pago a maior. Embora esse direito seja assegurado por lei, sua efetivação é lenta e, invariavelmente, cercada de obstáculos.

Essas situações revelam três pontos centrais para compreender a origem do constante atrito entre Estados, Distrito Federal e contribuintes.

O primeiro é a criação de exigências ilegais pelos entes federativos para devolver o imposto. Multiplicam-se normas infralegais que impõem autorizações, formulários, restrições e obrigações não previstas em lei. Essa prática, além de afrontar princípios constitucionais como o da legalidade e da segurança jurídica, transmite ao contribuinte a sensação de que seus direitos estão sempre condicionados ao arbítrio do Fisco. Seria necessário um outro longo artigo para enumerar as inúmeras arbitrariedades criadas por atos administrativos ilegais.

O segundo é a multiplicação de critérios burocráticos quase impossíveis de serem cumpridos por um contribuinte comum. Muitos são obrigados a contratar consultorias especializadas apenas para atender exigências que envolvem a geração de arquivos magnéticos, relatórios e documentos desnecessariamente complexos. É curioso que administrações tributárias, equipadas com sofisticados sistemas tecnológicos capazes de apurar tributos sem sequer visitar o contribuinte, aleguem dificuldades para operacionalizar a devolução automática de créditos legítimos. É a mesma administração 5.0 preparada para os novos desafios da reforma tributária. Por que não conseguem identificar automaticamente os créditos devidos e devolvê-los ao contribuinte, impondo a eles uma verdadeira “epopeia” para obter o que lhes é de direito?

O terceiro ponto, talvez a justificativa dos dois anteriores, é a inegável falta de interesse do Fisco em devolver valores. Impõe-se ao particular o ônus de pedir, comprovar e esperar pacientemente a restituição de seus créditos. Os Estados liberam valores de acordo com sua conveniência financeira e interesses arrecadatórios. Afinal, a cada devolução, menos recursos permanecem nos cofres públicos. É verdade que existem razões principiológicas que explicam essa postura defensiva - como créditos inflados por benefícios fiscais ilegais, devolução de impostos não pagos aos cofres públicos ou tributos pagos em favor de um Estado que devem ser devolvidos a outro. Mas a realidade é simples: vivemos sob o império da lei, e o contribuinte que a cumpre não pode ser penalizado.

Comparando com outros sistemas tributários, percebe-se que países que respeitam a não cumulatividade, como diversos membros da União Europeia, tratam a devolução de créditos como elemento essencial para a neutralidade do imposto sobre o valor agregado. No Brasil, porém, ainda se insiste em postergar, fracionar ou mesmo negar créditos legítimos, reforçando a insegurança jurídica e aumentando o chamado “custo Brasil”.

No fim, quando tudo parece resolvido, a devolução costuma ocorrer de forma parcelada, parcial e sem qualquer atualização ou correção monetária, consagrando uma indevida subtração de recursos do bolso do particular e comprometendo a relação de confiança entre contribuinte e Estado.

É certo que há Estados mais eficientes que outros, com regras mais claras ou procedimentos menos burocráticos. Contudo, nenhum se mostra, na prática, realmente comprometido em aproximar e melhorar a relação entre Fisco e contribuinte. Ao contrário, transmitem a mensagem de que a relação é, em última análise, de “cada um por si”.

Fonte: Valor Econômico