PRINCIPAIS ARMADILHAS DA REFORMA TRIBUTÁRIA
Publicado em 20/03/2023 15:52 | Atualizado em 23/10/2023 13:44O Prof. Isaias Coelho, do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP, publicou, em 15.03.2023, no site do Grupo de Trabalho da Reforma Tributária (Câmara dos Deputados), um artigo muito interessante a respeito das dificuldades que a discussão sobre a reforma tributária vai enfrentar nos debates dos projetos.
Veja o texto completo:
“Principais Armadilhas da Reforma Tributária
O trabalho de reformar tributos enfrenta muitos riscos. Menciono aqui os principais deles.
· 1º Risco: A Visão Holística. Há quem diga que não faz sentido reformar o sistema tributário sem ao mesmo tempo reformar a estrutura e os limites do gasto do governo, a questão da dívida pública, o financiamento da previdência social, o desequilíbrio vertical das finanças públicas e os fundos de participação, a discriminação constitucional de rendas, enfim, todo o arranjo federativo e financeiro. Este é o caminho mais seguro para garantir que nada se faça.
· 2º Risco: A Visão Distributivista. Para alguns, a prioridade em reforma não está nos tributos sobre o consumo. Estaria em redistribuir renda através de tributação mais progressiva da renda e da criação de novo imposto sobre a riqueza. Certamente há espaço para tornar mais justa a tributação da renda, algo que lei ordinária federal pode fazer. Os demais tributos (heranças e doações, transferência de bens imóveis, tarifa de importação, contribuições sobre a folha) tampouco são perfeitos; merecem revisão e atualização, a seu tempo. Entretanto, isso não deveria tirar o foco da reforma da tributação do consumo (PEC 155 – 45 + 110), que tem enorme impacto na economia do País.
· 3º Risco: A Visão Utópica. Por vezes surgem propostas de radical simplificação tributária, pelas quais os vários impostos sobre o consumo poderiam ser substituídos por algum “imposto único”, por exemplo um imposto sobre a movimentação (débitos, créditos) no sistema bancário. Já se propôs também transferir essa tributação para as vendas (de bens e serviços) ao consumidor. Em termos de receitas, tais propostas são claramente insuficientes para arrecadar os mais de um trilhão de reais que Pis/Cofins, ICMS e ISS produziram em 2021. O risco é que o tempo dedicado a tais propostas faça falta ao trabalho de reformar a tributação do consumo por vias já bem trilhadas.
· 4º Risco: A Desoneração da Folha como Precondição. Aceite que as contribuições sociais sobre a folha de salários são elevadas, e especialmente onerosas para setores intensivos em mão-de-obra, deve-se buscar maneiras de reduzi-las. Ainda menos desejável é a profusão de tributos (Salário Educação, Sistema S, Sebrae) que, injustificadamente, recaem sobre a folha salarial. Esta questão é difícil de resolver e a PEC 155 (45 + 100) não deveria se tornar refém dela. A tributação do consumo e as contribuições sobre a folha têm, cada um, seu mérito, sua lógica, seus instrumentos.
· 5º Risco: Os Interesses do Status Quo. Os tributos de cuja reforma se cogita têm estrutura disfuncional e benefícios (isenções, reduções de base de cálculo, créditos sem débitos, regimes especiais), uns declarados, outros ocultos. Os beneficiários podem ver desvantagens na reforma e lutar contra ela brandindo as mais variadas objeções. Tais alegações devem ser analisadas objetivamente e seu mérito ponderado. Uma reforma tributária ampla como a da PEC 155 (45 + 110) produz benefícios difusos, para toda a coletividade. Como é sabido, esses interesses difusos têm poucos padrinhos, enquanto os benefícios concedidos a grupos e setores são defendidos a unhas e dentes pelos interessados. Uma substituição de impostos é como uma mudança de casa: deixa a descoberto o lixo que se escondia debaixo dos móveis. Cabe aos parlamentares passar reformas que beneficiem a todos.
· 6º Risco: A Carona (Bigu, Boleia) de Propostas Impertinentes. Trata-se das tentativas de aproveitar o projeto de reforma para avançar com outras agendas. Como bem colocado por Ruy Barbosa (“O Imposto em Oiro”, A Imprensa, 02/12/1898), “se os nossos costumes parlamentares fossem mais puros, não seria tão frequente esse hábito de aproveitar a sombra de ideias vitoriosas na opinião, para apadrinhar outras, menos bem aceitas.”
Permaneço à sua disposição para discussão mais aprofundada destes e de outros temas pertinentes à Reforma Tributária. Que Deus os ilumine no seu trabalho! Isaias Coelho