MANUAL DA REFORMA TRIBUTÁRIA – Tributação dos lucros e dividendos distribuídos

Publicado em 01/12/2020 12:07 | Atualizado em 23/10/2023 13:11
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Newton Gomes – 01.12.2020

O Brasil está há mais de 30 anos tentando fazer uma reforma tributária geral, sem nenhum sucesso. Sempre que o tema é discutido (e estamos numa época de intensa discussão), a primeira ideia que surge é: “vamos tributar os mais ricos”.

Para conseguir esse objetivo, várias ideias são apresentadas, como: a) aumentar as alíquotas do IRPF; b) reduzir as deduções legais das pessoas físicas; c) tributar as grandes fortunas; d) mexer na tributação dos rendimentos financeiros, e) aumentar a tributação sobre heranças, etc.

Porém, quase sempre, a ideia mais recorrente dentre todas é: VAMOS VOLTAR A TRIBUTAR OS LUCROS E DIVIDENDOS DISTRIBUÍDOS PELAS EMPRESAS AOS SEUS SÓCIOS OU ACIONISTAS. Esta possível solução parte sempre da seguinte premissa: se os rendimentos do trabalho (inclusive assalariado) são tributados até a alíquota de 27,5%, por que os lucros e dividendos recebidos (que são rendimentos do capital) continuam totalmente isentos do IR?

A tributação da distribuição de lucros e dividendos teve vigência até 31 de dezembro de 1995 (alíquota de 15%), quando foi revogada pelo art. 10 da Lei nº 9.249/95. Desde então, essa tributação nunca mais foi restabelecida.

Como vários projetos de reforma tributária estão atualmente em tramitação no Congresso Nacional, o tema retorna ao debate. É uma boa oportunidade para rediscutir essa tributação. É o que veremos nos itens seguintes.

TRIBUTAÇÃO DO CONSUMO - Os três projetos (PEC 45, PEC 110 e PL 3887), que estão sendo analisados na Comissão Mista da Reforma Tributária do Congresso Nacional, têm como objetivo principal a reformulação da tributação sobre o consumo de bens e serviços. Com exceção da PEC 110, que, além de propor a criação do IVA (IBS), também trata da reformulação de outros tributos (ITCMD, IPVA, CSLL, por exemplo), as outras duas propostas (PEC 45 e PL 3887) cuidam exclusivamente dos tributos incidentes sobre o consumo.

PARECER DO RELATOR - Na última 5ª feira (26.11) o relator da Comissão Mista, deputado Aguinaldo Ribeiro, anunciou que o seu parecer (que está quase pronto e pode ser apresentado ainda nesta semana) deverá conter outras propostas não incluídas em nenhum dos três projetos, principalmente aquelas relativas à tributação do imposto de renda.

TRIBUTAÇÃO DOS LUCROS OU DIVIDENDOS DISTRIBUÍDOS - Como tem acontecido nos últimos anos, o primeiro item da tributação sobre a renda que deve ser proposto pelo relator é a reintrodução da tributação dos lucros ou dividendos distribuídos aos participantes do capital da pessoas jurídicas.

TRIBUTAÇÃO DO TRABALHO É MAIOR DO QUE A DO CAPITAL - A principal motivação para a propositura da revogação do art. 10 da Lei nº 9.249/1995 é a aparente injustiça entre a tributação dos rendimentos do trabalho (cuja alíquota máxima pode chegar até a 27,5%) e os rendimentos de lucros distribuídos, que são totalmente isentos.

ATÉ HOJE, A VONTADE DA REVOGAÇÃO AINDA NÃO VINGOU - Ao longo do tempo, dezenas de projetos já foram apresentados ao Congresso Nacional com esse objetivo. Embora tenha ocorrido muita discussão sobre o tema, nenhum deles obteve sucesso.

TRIBUTAÇÃO DOS LUCROS DA PJ PODE CHEGAR A 34% - Todos os contribuintes que são contra essa revogação alegam que a atual alíquota da tributação dos lucros apurados pelas Pessoas Jurídicas, no conjunto, pode atingir 34% (IRPJ 15% + Adicional do IRPJ 10% + CSLL 9%). Por seu turno, os defensores da revogação entendem que, simultaneamente, deveria haver uma redução da tributação dos lucros da PJ, que, segundo a OCDE, é uma das mais altas do mundo.

BITRIBUTAÇÃO? - Alguns contribuintes também entendem que, no caso, ocorre uma bitributação, porque o mesmo lucro que é tributado pelo IRPJ/CSLL será novamente tributado, quando ocorrer a distribuição para o participante do capital da pessoa jurídica, seja ele pessoa física ou pessoa jurídica. Assim, segundo essa corrente, a revogação da tributação da distribuição dos lucros eliminaria essa bitributação.

ATÉ 1995, A PJ PAGAVA BEM MENOS – Outros contribuintes argumentam que em 1995 (ano em que a tributação foi revogada pelo art. 10 da Lei nª 9.249/1995), a carga tributária sobre a PJ era de 20%, sendo que hoje é de 34% (a mais alta do mundo pela OCDE).

QUAIS SERIAM AS POSSÍVEIS CONSEQUÊNCIAS DA REVOGAÇÃO? – Especialistas alertam para o fato de que essa revogação certamente trará alguns efeitos colaterais, que veremos a seguir.

COMBATE À PEJOTIZAÇÃO – Se a isenção for realmente for revogada, uma das consequências é que a “pejotização” ficará inviabilizada, porque muitas pequenas empresas (normalmente optantes pelo Simples Nacional ou pelo Lucro Presumido) utilizam a distribuição dos lucros como uma espécie de “retirada pro-labore”;

TRIBUTAÇÃO “PARA TRÁS” – uma outra consequência possível é a tributação “para trás”. A questão é a seguinte: o que fazer com o saldo dos lucros acumulados existentes na data que antecederá o início da tributação: a) será tributado naquela data, b) será tributado somente quando o lucro for distribuído no futuro? c) poderá ser distribuído a qualquer tempo com isenção? d) haverá um prazo para que a distribuição seja feita com isenção? Especialistas alertam que essa tributação, se ocorrer, será inconstitucional.

DISTRIBUIÇÃO PARA PESSOAS JURÍDICAS (INCLUSIVE HOLDINGS) – Um problema que deve ser levado em consideração é a distribuição para sócios-acionistas pessoas jurídicas, inclusive holdings. Possivelmente, haverá tributação com a compensação do IR pago na distribuição anterior.

DISTRIBUIÇÃO PARA SÓCIOS/ACIONISTAS DOMICILIADOS NO EXTERIOR – Muitas empresas possuem sócios/acionistas domiciliados no exterior, sendo que algumas são subsidiárias das próprias distribuidoras dos lucros. É uma questão que terá que ser regulamentada.

COMO SERÁ A TRIBUTAÇÃO PROGRESSIVA? – Para tornar ainda mais efetiva a “distribuição de renda”, alguns entendem que a tributação da distribuição de lucros deveria ser feita com o emprego da “progressividade” (lembre-se que, enquanto vigente até 1995, a tributação era feita por uma alíquota única de 15%, independentemente da situação do beneficiário). Para resolver esse impasse (quem recebe mais, paga mais), duas soluções são possíveis: a) progressividade “interna”, isto é, quanto maior for o lucro distribuído, maior será a tributação (várias alíquotas); ou b) progressividade “geral”, isto é, o IR será calculado com base no valor dos lucros distribuídos adicionado aos outros rendimentos tributáveis recebidos pelo mesmo beneficiário no mês da distribuição.

Estes são, portanto, alguns problemas que a pretendida revogação poderá trazer.

Estou acompanhando.