COMO MATAR O PROJETO DE IVA

Publicado em 22/03/2023 11:51 | Atualizado em 23/10/2023 13:44
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Falando ao Grupo de Trabalho da Reforma Tributária da Câmara dos Deputados, na Audiência Pública de 15 de março de 2023, o Prof. Isaias Coelho, do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP, fez uma interessante palestra sobre a Reforma Tributária.

Ao final do evento, o palestrante disponibilizou algumas considerações suplementares à sua manifestação oral.

Dentre as várias considerações finais, destaca-se a parte intitulada: “Como matar o projeto de IVA”.

Veja o texto:

COMO MATAR O PROJETO DE IVA

  1. Aumentando a Carga Tributária

Reformas tributárias no Brasil têm quase sempre sido usadas como oportunidades para aumentar a carga tributária. Assim foi, entre outras ocasiões, na troca do IVC pelo ICM e na introdução do sistema não-cumulativo de PIS/Cofins. Não surpreendentemente, os contribuintes encaram com suspeita anúncios de “reforma tributária”. As PEC 45 e 110 têm crescido em aceitação, entre outras boas razões, pela declarada intenção de melhorar a qualidade dos tributos sem com isso aumentar ou diminuir a carga tributária. As pessoas não têm acesso aos cálculos de novas taxas, então temem que os governos introduzam alguma “gordura” no cálculo para não serem surpreendidos por insuficiência de receita. Uma maneira de evitar manipulações de cálculo que resultem em aumento da carga é introduzir o tributo gradualmente, inicialmente com taxa baixa (digamos, 1%) e ir ajustando a taxa em cada ano até alcançar o nível de receita real de antes da reforma. Outra maneira seria introduzir no marco jurídico dispositivo prevendo que, caso a receita do novo tributo exceta a receita real planejada, a taxa será automaticamente reduzida, isto é, no montante suficiente para anular o crescimento da carga tributária. Uma regra de receita-teto para a reforma, limitada naturalmente a certo período, muito contribuirá para aumentar a confiança dos contribuintes na reforma.

  1. Não Garantindo Restituição

Guerra fiscal, custo Brasil e outras pragas que infestam a tributação do consumo no Brasil têm muito a ver com a não devolução de créditos acumulados por contribuinte que, em certos períodos de apuração, têm mais crédito que débito de ICMS. Os estados têm várias motivações para não devolver os créditos prontamente, entre os quais insuficiente fluxo de caixa em sua tesouraria, indisposição para devolver imposto que foi pago a outro estado (princípio parcial de origem) quando não deixado de pagar sob subterfúgios no estado de origem (Guerra fiscal, Guerra dos portos) e mobilização de recursos dos contribuintes credores como financiamento informal para melhorar a posição das contas fiscais. É da natureza do IVA que alguns contribuintes (atividade pré-operacional, período de grandes investimentos, exportações para o exterior) acumulem créditos líquidos. A administração tributária normalmente não tem dificuldade em devolver os créditos com presteza porque o dinheiro já está no seu caixa, pago que foi por outro contribuinte (não há crédito sem débito). De fato, administradores de IVA já contam que terão que devolver, todo mês, algo próximo a 20% da arrecadação bruta de IVA. As devoluções tipicamente são feitas pela própria administração tributária, que as considera receita negativa. O tesouro do ministério das finanças só recebe, para fins orçamentários, a receita do IVA líquida de devoluções. Desta maneira, o Reino Unido consegue devolver créditos acumulados dentro de 7 dias do pedido (casos suspeitos são exceção), e até a África do Sul devolve dentro de três semanas do pedido de devolução. A razão para a administração tributária ter interesse em devolver prontamente os créditos reside no princípio da moralidade tributária. O fisco tem que agir honestamente com o contribuinte, do contrário estará dando mal exemplo a esse contribuinte, de quem o fisco espera tanto honestidade no cumprimento de suas obrigações como cooperação no controle de terceiros com quem tem negócios. Para assegurar a pronta devolução dos créditos a lei do IVA necessita ter garantias que protejam o contribuinte de manobras dilatórias do fisco. O estabelecimento de órgão gestor situado entre o contribuinte e o tesouro do ente titular da receita pode representar também uma boa opção para agilizar as devoluções. Mais que em outras atividades, a exportação para o exterior é muito sensível à retenção de créditos acumulados. A demora na devolução acarreta custos financeiros, que impacta negativamente a competividade. Os países nossos concorrentes não estão tributando suas exportações, nem retardando devolução dos créditos, então se retivermos o que é devido ao exportador estamos, na prática, inviabilizando sua atuação nos mercados mundiais. Outra consequência indesejável é a ineficiência consistente em “obrigar” o exportador a manter atividades, mesmo que pouco lucrativas, no território nacional apenas para gerar débitos capazes de absorver os créditos acumulados. É verdade universal que imposto não se exporta; quem tentar exportá-lo é expulso do mercado global. Países que têm dificuldade em devolver créditos acumulados inviabilizam suas exportações. Nessas situações, muitos têm recorrido ao expediente de isentar de IVA os fornecimentos feitos ao exportador. Para perceber a fragilidade desse mecanismo (chamado às vezes de “suspensão do tributo”) basta considerar que à empresa adquirente é difícil muitas vezes dizer se sua produção dos próximos meses será exportada ou vendida internamente. Também, a suspensão quebra a cadeia de pagamentos do IVA, permitindo evasão já que o fisco tem dificuldade em seguir cada transação até sua utilização final.

  1. Introduzindo Incentivos Fiscais

Embora seja cobrado nas importações do exterior e em todas as etapas de comercialização ou de prestação de serviços, o IVA é por natureza um imposto sobre o consumo. Com o sistema de crédito funcionando sem restrição, nas vendas de uma empresa para outra (B2B) todo o IVA cobrado pelo vendedor dá direito a crédito pelo comprador. Por esse mecanismo, o IVA vai sendo carregado ao longo da cadeia de comercialização até ser cobrado finalmente do consumidor (operações B2C). Somente consumidores pagam IVA, sem direito a recuperá-lo como crédito. Dessa forma, a arrecadação total de IVA do universo B é, em princípio, zero. Os agentes econômicos são desonerados pelo mecanismo de crédito. Visto de outra maneira, o IVA corresponde a um imposto sobre vendas ao consumidor. Resulta claro que empresas (universo B) não sofrem o ônus do IVA. Elas são apenas cobradoras de IVA dos seus clientes em benefício do fisco. Se elas não sofrem ônus (exceto, é claro, pelos custos de cumprimento como prover informações e entregar os recursos ao fisco), não precisam ser “incentivadas”, da mesma maneira que não consideramos ônus dela o imposto de renda que elas retêm dos seus empregados. Outra maneira de destruir o tecido do IVA é introduzir “créditos presumidos”. No IVA, crédito corresponde ao imposto que foi pago na compra, e que será recuperado contra o imposto cobrado na venda, resultando, portanto, em tributação líquida da margem (valor adicionado). Sendo assim, o fisco dá crédito em reconhecimento de que o IVA creditado já foi pago (ou incorrido) em operação B2B anterior. Conceder qualquer forma de crédito “presumido” é, como o nome diz, presumir, supor, fazer de conta que o imposto foi pagomesmo sabendo que não foi. A concessão de créditos presumidos é contrária à natureza do IVA e consiste em mero subsídio sem relação com o imposto. Seria apenas uma maneira de contabilizar disfarçadamente, como redução de receita tributária, o que é na realidade um gasto de desabrida subvenção.

  1. Tributando Investimentos

Na aquisição de máquinas, equipamentos e outros bens de capital normalmente incide IVA. A razão disso é que se torna frágil qualquer tributação baseada no tipo de bem; não somente facilitaria a evasão como dificultaria os controles. Em muitos casos, é difícil saber a priori se o bem adquirido é durável, consumível ou insumo produtivo. Mesmo que seja classificado como de capital, o bem, se vendido a consumidor final (indivíduo ou entidade isenta) deveria ser tributado sem direito a crédito. Para evitar que a incidência de IVA onere o investimento, os IVAs normalmente permitem crédito imediato do imposto pago na aquisição do equipamento. Caso a empresa esteja operacional, vendendo bens tributados no mercado interno, abaterá o imposto pago de seus débitos do mês. Caso contrário, ou se o volume de débitos for insuficiente para acomodar o crédito, solicitará devolução, que deve ser concedida com presteza. É contrário ao interesse nacional tributar a formação de capital. O que se deseja tributar são os frutos desse investimento em mãos de seus usuários finais no País.