Artigo - Uso de nome social de empregados transgêneros nas relações de trabalho

Publicado em 17/10/2024 11:11 | Atualizado em 17/10/2024 11:12
Tempo de leitura: 00:00

Uma pessoa transgênera não é definida pelo órgão genital com que nasceu. Ela se identifica com um gênero diferente do seu sexo biológico e passa, naturalmente, a agir e perceber-se socialmente de acordo com a sua identidade de gênero. A prerrogativa de ser tratado de acordo com sua identidade de gênero decorre da própria dignidade humana de que o transgênero é titular, conforme o garantido pelo art. 1º, inciso III, da CRFB.

No âmbito do Supremo Tribunal Federal, mediante o Recurso Extraordinário nº 670.422, fixou-se a tese de repercussão geral que reconhece o direito fundamental à alteração do prenome e da classificação de gênero no registro civil, sem exigência de comprovação de cirurgia de redesignação sexual ou qualquer outro procedimento médico. Esse direito pode ser exercido tanto pela via judicial quanto pela administrativa, a depender da manifestação de vontade do indivíduo.

Já na esfera trabalhista, a Lei nº 9.029/1995 proíbe quaisquer práticas discriminatórias para admissão ou permanência no emprego. O artigo 1º dessa Lei estabelece que são vedadas práticas discriminatórias ou limitativas em função de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outras. Exceção se faz apenas às hipóteses de proteção à criança e ao adolescente, previstas no inciso XXXIII, do artigo 7º, da Constituição.

Nesse contexto, percebe-se que a legislação trabalhista, em direta consonância com os princípios constitucionais, proíbe expressamente as práticas discriminatórias para efeitos admissionais e de permanência no trabalho, sendo que, dentre essas práticas de discriminação, podemos citar o desrespeito aos direitos individuais dos empregados transgêneros.

Nessa toada, existem diversos precedentes no âmbito da Justiça do Trabalho que condenaram as empresas que não observaram devidamente o nome social dos empregados transgênero. A título de exemplificação, vejamos os julgados abaixo:

Dano moral. Discriminação contra transgênero. O trabalhador que faz a mudança de gênero não pode ser tratado de maneira diferenciada na empresa, assim como os prepostos devem utilizar o nome social escolhido no trato cotidiano, sob pena de cometerem ato ilícito.”. (Processo: 1000154-78.2020.5.02.0079 SP).

DANO MORAL. INOBSERVÂNCIA DO NOME SOCIAL. É consabido que a pessoa transexual enfrenta discriminação e estigma generalizados na sociedade, inclusive no acesso ao trabalho, em razão da identidade de gênero. Deste modo, o respeito ao nome social ou o direito à alteração do nome civil, além de assegurar a dignidade da pessoa humana, concretiza os direitos fundamentais à identidade de gênero, ao livre desenvolvimento da personalidade e à não discriminação.”. (Processo: 1000941-82.2019.5.02.0034 SP).

Em relação à inclusão do nome social no cadastro de admissão do empregado, embora não haja previsão legal expressa nesse sentido, o eSocial prevê campo específico para essa informação, conforme o leiaute do evento S-2200 – Cadastramento inicial/Admissão, devendo, portanto, ser utilizado.

No tocante à qualificação cadastral, temos a seguinte Pergunta e Resposta no Portal do eSocial:

05.16 - (11/01/2018) Em se tratando de trabalhadores que realizaram alteração do nome civil para o nome social, qual nome deve ser informado para a Consulta Qualificação Cadastral?

Mesmo que o nome social já tenha sido atualizado na base do CPF, a consulta qualificação cadastral deve ser realizada utilizando o nome civil. Quando da consulta cadastral, a validação do nome é realizada na base do CPF que retorna sempre o nome civil do trabalhador, mesmo que naquela base conste também o nome social. Somente nas situações em que houver retificação/substituição judicial do nome civil é que o novo nome deverá ser utilizado na consulta qualificação cadastral.”.

Deste modo, evidencia-se que o respeito ao nome social dos empregados transgêneros não constitui mera formalidade, mas sim uma medida indispensável para a efetivação dos direitos fundamentais à dignidade humana e à não discriminação. Logo, tais trabalhadores possuem direito a ter o seu nome social em todos os documentos emitidos pela empresa, como, por exemplo, contrato de trabalho, holerites, crachá, sistema de controle de jornada, entre outros, tendo em vista que esse é um direito da sua personalidade.

Vale salientar ainda que a omissão do empregador quanto ao uso do nome social pode configurar prática discriminatória e ensejar a responsabilização por danos morais, conforme demonstram os precedentes mencionados, isto porque, conforme exposto, a Justiça do Trabalho, de forma reiterada, tem reconhecido a violação de direitos quando a identidade de gênero do empregado transgênero não é respeitada, resultando na condenação das empresas que insistem em práticas discriminatórias.

À vista disso, embora não haja previsão legal específica para o uso do nome social em documentos trabalhistas e no eSocial, o reconhecimento da identidade de gênero e o respeito ao nome social são imperativos que decorrem dos princípios constitucionais e das normas trabalhistas de combate à discriminação, de modo que as empresas devem sempre adotar políticas inclusivas que contemplem o uso do nome social, sob pena de incorrerem em responsabilidade civil e sofrerem sanções jurídicas.

 

Alan Rabeca Ferreira

Consultor da Área Trabalhista e Previdenciária